Acho que fui apresentado ao time do Flamengo - recorrerendo a uma linguagem figurada - pelo meu irmão. Não lembro muito bem a partir de qual ano que "virei rubro-negro". Guardo na memória apenas o ano em que comecei a manifestar minha paixão pelo time da Gávea. O ano era 1980 e eu contava com exatos 13 anos de idade. Estava no começo da adolescência.
Naquele ano mudei de escola. Comecei a estudar no Colégio Batista das Américas. Comecei a cursar a 6ª série do ensino fundamental (ensino ginasial naquela época). Na nova turma havia "representantes" dos quatro grandes do Rio: do Vasco, do Flamengo, do Botafogo e do Fluminense. Mas a discussão era seguramente maior quando se confrontavam Vasco e Flamengo. O clássico era (e é) conhecido como o "clássico dos milhões", devido à imensa torcida que comparecia ao Maracanã. Flamenguistas e Vascaínos se acotovelavam disputando cada espaço. A briga era grande e a rivalidade maior ainda. A cada final de semana os ânimos quase sempre se acirravam. Discussões boas, discussões bobas; mas todas elas salutares a seu modo, fruto de espíritos joviais, vulneráveis às intempéries da emoção e do sentimento. A raiva vinha, mas logo ia embora.
No Norte do País - mais precisamente em Manaus - um jovem acompanhava de longe os duelos travados em campo. Não perdia um jogo. Ainda que estivesse ocupado com alguma coisa, sempre dava tempo para ouvir a rádio, ainda que fosse a rádio do vizinho ou de alguém que morava na mesma rua que eu e que costumava ouvir o jogo "nas alturas". Quando saia um gol então... não dava para não saber.
Perderam-se no tempo as vezes em que literalmente grudava o meu ouvido num rádio que ficava no quarto do meu saudoso pai, cuja sintonia ainda era feita à mão para "pegar" melhor a partida.
Eu vibrava com as narrações do José Carlos Araújo, da Rádio Globo. Literalmente, ele me "transportava para dentro do campo". Não queria perder nenhum lance. Eu imaginava o que estava acontecendo durante o jogo, como se lá estivesse. Minha imaginação ia a mil. E o que dizer dos comentários do Luiz Mendes? do Washington Rodrigues, o apolinho? Maravilhosos.
Mas também tive o prazer de ouvir as narrações do saudosíssimo Luciano do Vale, do Jorge Cury, do Galvão Bueno, do Silvio Luiz e de tantos outros que davam um colorido especial às partidas do meu Flamengo.
Às quartas ou quintas-feiras também tinha jogos. Boa parte deles transmitidos pela TV. Embora soubesse da realização dos jogos, não sabia quais seriam transmitidos pela televisão. Imaginem vocês então a minha alegria quando, à noite, ao trocar de canal, percebia que uma partida do Flamengo estava prestes a ser transmitida. Era um contentamento que não cabia dentro de mim.
Hoje (18/12/2016), ao tomar café pela manhã numa panificadora aqui de Manaus - que costumeiramente frequento - vi uma reportagem no Globo Esporte sobre a conquista do Mundial Interclubes pelo Flamengo, em 1981.
Aquele ano foi mágico. O Flamengo ganhou tudo. O time era uma máquina. Nunca eu tinha visto um grupo de jogadores jogar com tanto entrosamento. Os caras faziam com os pés o que os americanos costumam fazer com as mãos no basquete. Era mágico ver o Flamengo jogar. Time entrosadíssimo. Parecia até que antes da partida eles haviam combinado estar nesta ou naquela parte do campo durante os jogos.
Mas a paixão pelo Flamengo de um adolescente acabou se confundido com a paixão pelo Zico. Houve um tempo em que não sabia se torcia pela vitória do Flamengo ou para que o Zico marcasse um gol. Lia tudo sobre ele. Para mim, o mais completo jogador do futebol brasileiro depois do Pelé. Zico dominava todos os fundamentos do futebol: passe, cabeceio, chutava com as duas pernas, tinha uma incrível visão de jogo (antes mesmo que a bola chegasse nele, ele já sabia para quem iria passar). As cobranças de faltas então...eram memoráveis. Como se costumava dizer naquela época: falta para o Galinho bater na frente da grande área era "meio gol". Guardo ainda muitas na minha lembrança. Um, em especial, me traz muitas e ótimas recordações: o que ele fez de falta contra o Cobreloa, na decisão da Libertadores de 1981. Genial!! (Veja AQUI O GOL)
A copa de 1982 me marcou bastante. Aliás, acho que todos os brasileiros que assistiram aquela partida ainda guardam uma ferida no peito. Time maravilhoso. Uma verdadeira orquestra em campo. Harmonia a mil. Imenso entrosamento. Mas faltou o gol da vitória...
Paolo Rossi, que depois ficou conhecido como o carrasco do Estádio Sarrià, deixou marcas profundas no torcedor brasileiro. As marcas talvez fossem ainda maiores no espírito de um jovem de 15 anos de idade que viu seu ídolo perder a chance de ser campeão mundial naquele ano pela primeira vez.
Veio a copa de 1986 e lá estava o Galinho. Na ocasião, o craque enfrentava uma contusão séria no joelho. Quase ficava de fora da Copa. Um problema grave, causada por uma entrada desleal de um adversário. Foi o estopim do sofrimento.
Mais uma vez não deu. E o jovem amargou mais essa derrota de seu ídolo.
Quando o Zico deixou o Flamengo para ir para a Udinese na Itália, a revolta não foi pouca. Todos os flamenguistas do Brasil sofreram com a saída do Galinho. Os patrocínios ajudaram até certo tempo, mas depois não teve como competir com o (já) milionário futebol europeu. O ídolo ficou mais distante. Não pude mais acompanhá-lo, exceto por meio de uma ou outra reportagem dando conta da atuação dele e da Udinese no campeonato italiano.
A saudade de ver o Galinho jogar foi saciada no jogo de despedido do goleiro do Flamengo Raul Plasmann. Zico foi convidado para integrar a equipe do Flamengo. Que jogo maravilhoso! Que partida memorável!! Parecia os velhos tempos. Assistindo ao jogo pela televisão, um filme passou na minha cabeça. Voltei ao passado. Lembrei do amigo rádio que me fazia companhia enquanto ouvia os jogos do Flamengo.
Muito obrigado Arthur Antunes Coimbra pela felicidade que você me proporcionou através de seu talento e sua genialidade. Pura obra de Arte. Presente dos "deuses do futebol"? Muito provavelmente.
Fraternal abraço Galinho.
Alipio Filho
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