(*) Artigo publicado na Coluna Gestão no Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com.br)
Certa vez um menininho,
contando apenas 10 anos de idade, chegou
para seu pai e disse:
- Pai, teria como você me dá um dinheirinho todos os
meses? Não precisa ser muito. Basta que dê para eu comprar algumas coisinhas.
Você sabe, já estou ficando mocinho e tenho minhas necessidades. Não quero
ficar te pedindo dinheiro todas as vezes que preciso. Além disso, gostaria de
saber como é essa coisa de administrar o próprio dinheiro que vocês, adultos,
tanto falam.
O pai, iluminado por um sorriso no rosto, disse:
- Tudo bem. De hoje em diante você terá seu próprio
dinheiro. Vamos ver como você se sai.
Alguns anos mais tarde o garoto, já adolescente, procurou
seu pai novamente e disse:
-
Pai, já completei 18 anos e acabei de entrar para a faculdade. Você pode
continuar me dando a mesada? Agora que entrei para a faculdade, vou precisar
comprar alguns livros. Além disso, lá na faculdade tenho alguns gastos extras,
você sabe, né?
O
pai, com um brilho nos olhos, disse:
-
Sem problemas meu filho. Não te preocupe. Não vou tirar sua mesada.
O
tempo passou e o filho, finalmente, concluiu a faculdade. Chegou para seu pai
novamente e exclamou:
-
Pai, acabei de concluir a faculdade, mas ainda não consegui um emprego. Estou procurando, mas tá difícil. Por favor, não
corte minha mesada!
O
pai disse:
-
Claro meu filho! Não te disse para contar sempre comigo? Vou continuar te dando
sua mesada.
O
tempo passou e o filho finalmente conseguiu um emprego. Já empregado, procurou seu pai uma vez mais e disse:
-
Pai, sei que consegui um emprego. Mas você sabe: meu salário é muito pouco. A
mesada é um ótimo complemento. Sem ela não conseguirei cobrir minhas despesas. Tem
como continuar me dando a mesada?
O
pai, compadecido, disse:
-
Evidente meu filho! Você acha mesmo que seu pai ia te abandonar justamente
nessa hora? Fica tranquilo.
Muitos
anos mais tarde o filho casa, constitui sua própria família, chega para seu pai
e diz:
-
Pai, sei que já tenho minha própria família e meu próprio ganho. Mas, veja,
durante toda a minha vida eu recebi minha mesada. Ela tem me ajudado muito.
Daqui a pouco chega seu primeiro neto. Algumas novas despesas virão. Tem como
me ajudar, mantendo a mesada?
Bem,
não precisa dizer qual foi a resposta do pai diante do pedido.
Há
uma certa dose de exageros na historinha que acabei de contar. Mas ela retrata
um problema crônico que convivemos desde 28 de fevereiro de 1967, isto é, há
pouco mais de 51 anos atrás, quando nasceu o modelo Zona Franca de Manaus. De
lá para cá muitas coisas mudaram.
A
Zona Franca nasceu como uma muleta que nos ajudaria a caminhar com as próprias
pernas. Distante de tudo e de todos, de fato, a região amazônica precisava de
um empurrão. Nossas limitações eram imensas. Ninguém queria vir para cá. Fincar
bandeira, iniciar um negócio, era pedir muito. Tudo era inviável. Como gerar
investimentos, renda e empregos nessas condições? A concepção do modelo levou
em consideração justamente essas dificuldades. Sem uma providência, a região permaneceria
ali, isolada, reclusa em seus próprios problemas, condenada ao fracasso.
A
ideia – é bom que se diga - foi maravilhosa. Inegavelmente, trouxe inúmeros
benefícios. Deu tão certo que virou febre nacional. Muita gente vinha para cá
para comprar eletrodomésticos baratos. Muitas pessoas até complementavam a
renda. Compravam aqui e revendiam lá fora.
Havia até pacotes turísticos para visitar a área de livre comércio, com
passagem e hotéis inclusos. O atrativo? Poder comprar, de quebra, alguns
produtos, a baixo custo, produzidos por aqui.
Há
quem diga que a Zona Franca foi um fracasso. Eu não penso assim. Não foi um
fracasso. Na minha família há quem retirou o próprio sustento das indústrias aqui
instaladas. Tenho certeza que milhares de outras famílias amazonenses tiveram a
mesma experiência.
Nada
obstante, parece que nos acostumamos com nossa muleta e decidimos nunca mais deixa-la.
Apegamo-nos a ela como um náufrago que
se comprime num pedaço de madeiro para salvar a própria vida. Acostumamo-nos a
depender exclusivamente do modelo Zona Franca como se ela seja a única tábua de
salvação. Não nos damos conta que crescemos e. atingimos a maioridade. Somos
adultos. Tomamos consciência da nossa própria realidade, potencialidades e limitações,
mas parece que continuamos fechando nossos olhos para as soluções que estão um
palmo diante de nosso nariz.
Felizmente,
não somos náufragos. Muito pelo contrário. Temos bem mais oportunidades que
eles.
A indústria fitoterápica é que o diga.
Apesar de vivermos no coração da maior floresta do planeta, nada ou quase nada
fizemos até hoje. É muito pouco o que construímos ao longo dessa metade de
século. É muito provável que os antigos, com toda a sua ignorância, sabem bem
mais sobre o potencial curativo de plantas e sementes.
Nossos frutos regionais são outro exemplo. A indústria
alimentícia no Brasil e no mundo talvez reconheça bem mais a importância deles do
que nós mesmos. Passados cinquenta anos, ainda não nos demos conta de seu
potencial, apesar de todas as evidências.
Nessa mesma linha estão tantas
outras oportunidades como a indústria dos cosméticos, a do turismo, a do artesanato regional, a da piscicultura, a do vestuário e dos calçados. Isso sem falar nos acessórios de uso
pessoal, como bolsas e pulseiras. Enfim, há uma infinidade de oportunidades.
Bem aqui. Na biqueira de casa. Sem fazer muito esforço. Não precisa trazer de
fora. A matéria-prima está conosco, sob nossos pés. No entanto, preferimos morrer
de fome e mendigar, mendigar, mendigar. Até quando? Não sei. Talvez por mais
cinquenta anos ou mais. Somos reféns de nosso próprio comodismo e, por que não
dizer, de nossa própria preguiça. Optamos pelo mais cômodo. Um dispositivo
legal que numa canetada transforma pedra em ouro. Falando com sinceridade, acostumamo-nos
com algo que não faz parte de nossa essência. Na verdade, nunca fez. Nosso
perfil econômico é outro, completamente diferente do atual. Vivemos nos
enganando o tempo todo. Damos as costas para nós mesmos. Sabotamo-nos!
Quantos outros povos no mundo não sonham com o que temos
aqui? Quantos países não gostariam de contar com um potencial como o nosso?
Como seria a Amazônia se ela estivesse dentro das fronteiras de um país de
primeiro mundo? Já pensaram nisso?
A mediocridade não é medida pelo que se faz, mas pelo que
se deixa de fazer. Nesse quesito nosso déficit é imenso. Há muitas notas
vermelhas nesse boletim. Estejamos certos disso.
O mundo está morrendo de sede por falta do ouro branco –
a água. Temos a maior bacia de água doce do planeta. Um excelente negócio? Sim.
Há muitos países que pagariam uma fortuna por isso. E nós? Preferimos viver e sobreviver de mesadas.
ALIPIO REIS FIRMO FILHO
Conselheiro Substituto - TCE/AM