sábado, 22 de fevereiro de 2020

O CANTO DA SEREIA

(*) Texto publicado na minha Coluna Gestão no Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com)


A sereia – ser mitológico, metade peixe, metade mulher – é uma das representações lendárias mais conhecidas em todo o mundo. Diz a lenda que os homens, enfeitiçados por sua beleza, eram conduzidos às profundezas dos oceanos até morrerem afogados.

O conto, na sua simplicidade e aparente ingenuidade, encerra, contudo, preciosos ensinamentos. Aliás, muitos bons ensinamentos.

Acredito que uma generosa fatia da humanidade admite que basta uma leve brisa para arrebatar o carente coração humano. Há pessoas que dão a vida pela habilitação para dirigir. Para elas, conduzir um veículo não representa apenas abrir a porta do carro, entrar nele e dar a partida. Por trás do ato de dirigir há uma brutal sensação de poder que elas mesmas não conseguem explicar. Dirigir um Boeng 737, então, nem se fala. É como ser dono do mundo durante algumas horas de vôo.    

Outras sonham em dirigir um país, ocupar um cobiçado cargo no mundo empresarial ou postos estratégicos no setor governamental. Não importa. Todas são manifestações vivas da vaidade, expressando desejos enraizados no mais íntimo compartimento do espírito; repetidas vezes, encerrando segredos guardados a sete chaves.   

Eis o fiel retrato da natureza humana. Eterna refém dos holofotes. Sedenta por notoriedades.  Ávida por aclamações. Subserviente ao extremo aos caprichos da alma.

Não é difícil domestica-la. Basta um punhado de elogios e alguns afagos. Não precisa mais que isso. É o preço ignóbil do que aparenta ser forte, poderoso e imponente. No fundo, não passa de uma bagatela.

Nessa seara, esquecem quase por completo dos motivos que as conduziram até ali. Das responsabilidades que tem. Das tarefas a realizar e dos problemas por resolver.  Preocupam-se menos com os outros e mais consigo mesmas.

É o canto da sereia traduzido para a modernidade. Inebriante. Envolvente. Sedutor. Confortável. Deslumbrante. Acolhedor. Tudo que um espírito carente deseja. O encaixe seria perfeito, se não houvesse um oceano profundo, escuro e sem perspectivas de navegabilidade pela frente cujos frutos, não raras vezes, são sinônimos de dor e sofrimento.


Para nossa reflexão.

Alipio Reis Firmo Filho
Conselheiro Substituto – TCE/AM e Doutorando em Gestão


terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

OS TRIBUNAIS DE CONTAS E O PATRIMÔNIO AMBIENTAL

(*) Texto publicado na Coluna Gestão do autor no Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com.br)

Há um debate que volta e meia comparece nas discussões envolvendo os tribunais de contas: até que ponto eles são competentes para fiscalizarem questões ligadas ao meio ambiente? Como todo conteúdo que ainda não foi suficientemente amadurecido nas rodas de debate, quase sempre o tema tem suscitado pontos de vista diversos, regados, algumas vezes, a debates mais ácidos.

Uns entendem falecer competência aos tribunais de contas para proporem medidas relacionadas a infrações ambientais. Outros, contudo, admitem essa competência. Filio-me entre os últimos, ainda que com alguns regramentos.

O art. 70 da Constituição Federal assim dispõe: A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder (grifei).

Mais adiante, em seu art. 225 ela pontua: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações (grifei).

Conjugando-se os dois dispositivos, não há como não admitir o raio de incidência da ação fiscalizadora dos tribunais de contas sobre matérias ligadas a questões ambientais. Essa conclusão não provém, portanto, unicamente de conjecturas de ordem doutrinária. Antes, encontra arrimo no próprio legislador constituinte originário, que assim dispôs. Trata-se, portanto, de concepção alicerçada no Texto Constitucional federal.

Por outro lado, o inciso I do art. 99 do Código Civil Brasileiro enumera os bens de uso comum do povo – bens de uso coletivo por excelência – como integrantes dos bens públicos: São bens públicos: I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças. Antes dele, o art. 98 declara: São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno (...) (grifei).

A lógica jurídica é cristalina: premissa maior: todos os bens de uso comum do povo pertencem às pessoas jurídicas de direito público interno. Premissa menor: o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um bem de uso comum do povo. Conclusão: o meio ambiente ecologicamente equilibrado pertence às pessoas de direito público interno.

Sendo assim, não há como não conceber que o meio ambiente integra o acervo patrimonial de sobreditas pessoas jurídicas. Ora, se ele faz parte do acervo patrimonial público não faz sentido aparta-lo da ação fiscalizadora dos tribunais de contas, uma vez que o art. 70 do Texto Constitucional federal distingue a fiscalização patrimonial como um dos canais por meio dos quais a fiscalização dos órgãos de controle externo se manifesta.

Não vejo como extrair outra conclusão que não seja essa, até por questões humanitárias.

Façamos um raciocínio simples. 

Todos nós sabemos que as praças são contadas como  bens de uso comum do povo. Não há dúvida também que elas integram o acervo patrimonial dos entes federativos. De dez anos para cá, inclusive, as normas que regem a escrituração contábil no setor público passaram a admitir os bens de uso comum como passíveis de contabilização. Assim, na atualidade, o dever de registrar contabilmente uma mesa ou um veículo pertencente às instituições governamentais se estende também às praças públicas. Não há qualquer diferença de tratamento contábil entre eles. Suas raízes são exatamente as mesmas: ambos integram o patrimônio governamental. Ora, se uma simples praça se sujeita à ação fiscalizadora do tribunal, qual o motivo, então, para retirar de sua fiscalização o meio ambiente? Não são ambos bens de uso comum do povo? Ambos não contribuem – cada um a sua maneira – para a vida sadia? Para a qualidade de vida? Para a manutenção da vida? Os dois não estão a serviço da coletividade? Indubitavelmente que sim. Uma praça pública não é apenas um adorno urbano. Ela é, essencialmente, como se fosse um balão de oxigênio a renovar o ar dos aglomerados urbanos, tão comprometido na atualidade pelo dióxido de carbono. A mesmíssima função desempenha o meio ambiente. Aliás, com incontáveis vantagens!!

É bem verdade que a atividade fiscalizadora das cortes de contas não é plena em alguns redutos. Em algumas oportunidades o Judiciário já censurou condutas dos tribunais de contas que tangenciaram licenças ambientais concedidas pelos órgãos de proteção ambiental por entender que, em tais casos, a competência fiscalizatória dos órgãos de controle externo deve ser suprimida, uma vez que o órgão de proteção ambiental se encontrava no exercício pleno de seu poder de política. Isso ocorreu em um embate envolvendo o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas e o Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas. Longe de dizer, entretanto, que, a partir desse entendimento, o Judiciário amazonense tenha afastado a ação fiscalizadora do Tribunal em questões ligadas ao meio ambiente. Em absoluto. O que restou claro na referida apreciação judicial é que no exercício do poder de polícia pelos órgãos de proteção ambiental  não há como se conceber condutas fiscalizadoras concorrentes. Nada mais lógico. Dizer o contrário é esvaziar a competência do órgão ambiental. Mas daí entender que essa exclusividade alcança outros terrenos é afrontar disposições alicerçadas pelo legislador constituinte originário.

Com efeito, em matéria ambiental, o exercício das competências enumeradas nos incisos I a XI do art. 71 da Constituição federal pelos tribunais de contas é pleno. Dentre essas, destaque-se o poder-dever de “assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade” (inciso IX); e “representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados” (inciso XI).

Em síntese, resta claro que matérias ambientais se sujeitam in totum à ação fiscalizadora dos tribunais de contas. Essa dimensão se insere no escopo do O QUE as cortes de contas devem e podem fiscalizar. Agora, COMO essa fiscalização se opera é que em dadas situações deve respeitar certos limites. É preciso ficar claro, todavia, que a censura realizada pelo judiciário quanto à determinada forma de fiscalização adotada incide APENAS sobre a modalidade censurada. Não sobre todas elas. A meu ver, todas as ações fiscalizatórias conduzidas pelos tribunais de contas que, de alguma forma, SOMEM e CONSOLIDEM esforços para a obtenção de um ambiente ecologicamente equilibrado – desde que respeite critérios de razoabilidade – devem ser recebidas como altamente positivas pois, no dizer do legislador constituinte originário “contribuem para a sadia qualidade da vida”.

É como penso.

Alipio Reis Firmo Filho

Conselheiro Substituto – TCE/AM e Doutorando em Gestão           

JESUS DE NAZARÉ



(*) Texto publicado na Coluna Gestão do autor, no Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com.br)


Certa vez, Cristo fez uma pergunta desconcertante e, ao mesmo tempo, intrigante aos seus discípulos: “Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?” (Mt 16, 13-20). Em seguida, alguns deles responderam: ‘Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; Outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas’

Passados pouco mais de dois mil anos o mundo continua em dúvida sobre a figura de Cristo. Quem é Ele de fato? É Homem? É Deus? É apenas um personagem histórico como todos os demais, que viveu e morreu numa época distante e que, como todos os outros, não existe mais?

Há quem duvide de sua existência física. Acham que não passou de uma lenda. Alguma fábula contada ao longo dos anos. Uma ilusão. Fruto da imaginação de alguns que só existiu na cabeça de fanáticos e continua existindo na atualidade. Nada mais que isso.

Outros preferem ridiculariza-lo, tomando-o como um oportunista que, no fundo, estava sedento por poder e  liderança, mas que sucumbiu frente ao império romano e aos  contemporâneos de seu tempo.
Na verdade, o questionamento intrigante de Cristo parece ter atravessado os séculos e  alcançado o nosso tempo. Sem perceber, o cinema, o teatro, a televisão e a literatura tentam, como os contemporâneos do Mestre da Galiléia, defini-lo. Buscam, às apalpadelas, os contornos de sua personalidade. Mais parecem tatearem no escuro. Como cegos em meio à escuridão. 

O certo é que a cada ataque, a cada crítica ácida que alguém lança sobre Ele, Cristo continua firme. Nada consegue movê-lo, por mais duro que seja o golpe. Contemplando o passado e o transcorrer dos anos, a gente entende melhor por que as Sagradas Escrituras o compara a uma rocha. Uma tal “pedra angular”, que despedaça aquele sobre o qual ela cai e confunde o que nela tropeça. A comparação não poderia ser mais precisa.

Também parece fazer sentido o que Ele disse certa vez: “Não vim trazer paz à terra, mas a espada. Pois Eu vim para ser motivo de discórdia entre o homem e seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra. Assim, os inimigos do homem serão os da sua própria família” (Mt 10:34 -36).
De fato. A História da humanidade é próspera dessa divisão. No mundo contemporâneo não é diferente. Existem os pró e os contra Cristo. Eu estou entre os primeiros. 

Desde a adolescência leio sobre a figura de Cristo. Já li muitas vezes várias passagens do Antigo e do Novo Testamento. Algumas delas sempre me chamaram atenção (e continuam chamando).
Faço minhas as palavras de alguns soldados romanos. Enviados com a missão de prender Jesus voltaram de mãos vazias e justificaram: “Nunca homem algum falou como este homem” (Jo 7: 40-53). Essa é uma passagem que faz a gente pensar. O depoimento não foi colhido de alguém que o seguia e muito menos de quem o admirava. Brotou de corações que talvez nunca tiveram contato pessoal com Jesus de Nazaré. No máximo talvez tivessem ouvido falar sobre Ele. Quando passaram pela experiência de ouvi-lo e o contemplaram diretamente, a experiência foi devastadora. Eles próprios foram misteriosamente desarmados. Não lhes restou outra saída senão pegarem o caminho de volta e testemunharem a favor do Cristo.

Sim. De fato. Nenhum outro homem falou como Jesus Cristo. Ninguém antes dele (e depois dele) teve a ousadia de tocar o sobrenatural com tanta intimidade. Há inúmeras passagens nos Evangelhos nesse sentido. Cada uma mais intrigante que a outra. Eis algumas dessas belas passagens:

“Então, levantando-se, deu ordem aos ventos e ao mar, e fez-se uma grande calmaria” (Mt 8:26).

“Eu entrego a minha vida para retomá-la. Ninguém a tira de mim; antes eu a entrego de espontânea vontade. Tenho poder para entrega-la, e poder para retoma-la” (Jo 10: 17-18).

“Agora, pois, Pai, glorifica-me junto de ti, concedendo-me a glória que tive junto de ti, antes que o mundo fosse criado” (Jo 17:5).

“Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 28:18)

“Os seus pecados estão perdoados” (Lc 5: 23)

“O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão” (Mt 24:35)

“Lázaro, sai para fora” (Jo 11:43)

E, talvez, a mais impressionante de todas elas: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14:6)
Note que em todas essas passagens Cristo avoca para si virtudes e características que a natureza humana jamais poderá invocar. Ele se coloca como alguém que está acima do espaço e do tempo. Alguém capaz de “brincar” com os elementos da própria vida. Isso é sério demais!!!

Qualquer um personagem que ousasse dizer o que Cristo disse seria taxado imediatamente de louco. Aliás, Ele próprio foi assim considerado por muitos de seus contemporâneos.

Nada disso, porém, me impressiona. Conforme ensina a Santa Sé, a figura de Cristo é tão marcante e sua personalidade é tão incomparável porque ele reúne algo que nenhum mortal possui: Ele é Deus!!
Foi isso, aliás, que Paulo destacou numa passagem de sua Carta aos Filipenses: “Jesus Cristo, existindo em condição divina, NÃO FEZ DO SER IGUAL A DEUS uma usurpação, mas ele esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens” (Fl 2: 6-7).

Eis a razão por que Cristo é atemporal. Eis o motivo por que Ele dividiu o calendário ocidental em duas partes. Eis o significado de tantas incompreensões do mundo em relação à sua figura. Eis a verdadeira causa de milhões de pessoas em todo o mundo, mesmo sem conhece-lo, abraçar sua fé, sua doutrina e seus ensinamentos.

É sempre bom termos em boa conta as sábias palavras de Gamaliel, um fariseu que, reunindo em particular com o Sinédrio, que pretendia matar Pedro e os apóstolos em razão dos milagres que realizavam, ponderou com brutal sabedoria: “Israelitas, considerem cuidadosamente o que pretendem fazer a esses homens. Há algum tempo apareceu Teudas, reivindicando ser alguém, e cerca de 400 homens se juntaram a ele. Ele foi morto, todos os seus discípulos se dispersaram e acabaram em nada. Depois dele, nos dias do recenseamento, apareceu Judas, o galileu, que liderou um grupo de rebelião. Ele também foi morto, e todos os seus seguidores foram dispersos. Portanto, neste caso eu os aconselho: deixem esses homens em paz e soltem-nos. Se o propósito ou atividade deles for de origem humana, fracassará; SE PROCEDER DE DEUS, VOCÊS NÃO SERÃO CAPAZES DE IMPEDI-LOS, POIS SE ACHARÃO LUTANDO CONTRA DEUS” (At 5: 35-39).

Já se passaram dois milênios e a doutrina de Cristo continua firme. Tomando por referência a sábia orientação de Gamaliel, parece que não se trata de algo com dimensões puramente humana. Se assim o fosse, já teria sucumbido. Trata-se de um convite à reflexão formulado a todos nós. O Mistério de Cristo é algo supra-humano e sobrenatural. Que possamos refletir mais sobre esse grande presente que nos foi dado pelo Pai.

Feliz Natal a todos!! Que o Criador abençoe a todas as famílias!!

Alipio Reis Firmo Filho

Conselheiro Substituto – TCE/AM e Doutorando em Gestão