segunda-feira, 16 de novembro de 2020

AS ELEIÇÕES AMERICANAS E O VOTO NÃO OBRIGATÓRIO

(*) Artigo publicado na Coluna Gestão no Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com.br)


Por mais incrível que possa parecer, as eleições americanas não polarizaram apenas as intenções de votos dos eleitores do Tio Sam.  Também ela dividiu inúmeros “eleitores” por aqui.

Parte deles, simpatizantes do Governo Bolsonaro que, por força disso, apoiaram a tentativa de reeleição de Trump. A outra parte, formada pelos contrários à Bolsonaro, que levantaram a bandeira a favor de Jo Biden. Em meio a tantas opiniões divergentes, ora pró Biden, ora pró Trump, um detalhe importante não passou despercebido: o sistema eleitoral americano. Muito diferente do nosso. Não apenas em razão da figura dos delegados, mas também pelo voto facultativo. Por lá vota quem quiser. O voto não é obrigatório. Diferente do sistema eleitoral brasileiro que até admite o voto facultativo em algumas situações (pessoas com idade entre 16 e 18 anos ou acima de 70 anos; analfabetos), mas que obriga o comparecimento da maior parte de seu eleitorado às cabinas de votação.

No mundo, apenas 21 países adotam o voto obrigatório. Destes, 10 estão situados aqui na América Latina sendo que o Chile o aboliu em 2011. Entre os países do primeiro mundo, apenas a Suíça o reconhece em algumas de suas regiões. Ou seja, ao que tudo indica, estamos mais uma vez na contramão das economias avançadas.  

Nas eleições americanas deste ano votaram pouco mais de 151 milhões de eleitores. Muito abaixo do número máximo do eleitorado (230 milhões). Conquanto o número dos votantes represente apenas 65% do total, ele foi o maior em toda a história das eleições americanas. Em 2016, p. exemplo, compareceram às urnas apenas 138 milhões de eleitores, isto é, 13 milhões a menos. Lembrando que a diferença no número de eleitores de Biden em comparação com os de Trump foi de, aproximadamente, 5 milhões de votos, ou seja, dentro dos 13 milhões. Por isso mesmo, especula-se que a vitória de Biden foi impulsionada justamente pelo voto de quem apenas era um mero espectador nas eleições passadas e resolveu ir às urnas neste ano. Essa atitude confere maior credibilidade às eleições americanas referendando e legitimando a escolha de Biden para a Casa Branca. Em outras palavras, parece que Biden não foi eleito “por acaso”, mas sua vitória resultou de um efetivo desejo por mudanças de uma parcela determinante dos eleitores americanos.

Por aqui, nada obstante a obrigatoriedade do voto, tivemos quatro capitais que apresentaram abstenções superiores a 30%: Porto Alegre, Rio de Janeiro, Goiânia e Curitiba. Evidentemente que deverá ser considerado nesse cenário os efeitos da pandemia. Porém, em 2016 o percentual oscilou entre 16,4% e 24,3 %.  A situação se agrava quando computados os votos nulos e brancos.

Em Manaus, ela alcançou 18,23% no primeiro turno. Ou seja, 2 em cada cinco eleitores manauaras decidiram não votar.    

Nada obstante tais apontamentos, há um problema de fundo mais grave que depõe contra a obrigatoriedade do voto. Em outras palavras, o voto obrigatório conduz a algumas assimetrias quando admitido num regime democrático.

O primeiro deles é colocar o eleitor numa redoma obrigando-o a realizar algo que o próprio Texto Constitucional reconhece e declara solenemente quem é seu titular: “Todo o poder emana do povo (...)” (Parágrafo único, art. 1º, CF/88). Ora, não faz sentido um gesto tão grandioso como este, seguido de um imperativo, castrando-o naquilo que parecia ser seu bem jurídico mais precioso. Não existe verdadeira liberdade onde não comparece plenamente o direito de escolha. Afinal, a quem pertence de fato o poder? Ao povo ou ao legislador constituinte originário? Quem pode dele dispor? Creio que não é difícil respondermos a tais questões.

Portanto, por esta ótica parece que avançamos num primeiro momento, mas retrocedemos no instante seguinte. Ficamos meio que pela metade. Um pé lá e outro cá.

Outro desdobramento do voto obrigatório é que ele impõe aos eleitores a obrigação de também abraçarem uma ideologia político-partidária. Sim, porque o voto representa, em parte, justamente isso. Um eleitor que corrobora a maneira de pensar de uma agremiação partidária. Na prática sabemos que isso não acontece.

E aqui reside um outro problema.

Muito provavelmente, nem todas as escolhas refletem esse cenário. O fato de um eleitor votar em “A” ou “B” não significa, necessariamente, que ele concorda com a ideologia partidária nutrida por um ou por outro. Muitas vezes, o voto se manifesta mais por receio às possíveis sequelas prometidas pelo sistema eleitoral do que propriamente por uma identidade ideológica. É aqui que o voto facultativo ganha relevância. Ele oportuniza a cada eleitor – titular do poder – o direito de se identificar ou não com referida ideologia. Caso não se identifique ele tem a opção de não votar. Ninguém irá obriga-lo a se violentar em suas próprias convicções pessoais. É ele – apenas ele – que determina em quais situações deverá exercer seu direito (não sua obrigação) de votar. Talvez seja por isso que a maior parte dos países do mundo optaram por um sistema eleitoral que reconheça, efetivamente, a soberania do eleitor no direito de escolher seus representantes.  

Note que as soluções postas à disposição dos eleitores para comporem eventuais problemas de identidade ideológica nos sistemas de votação obrigatórios são (1) votar em branco, (2) anular o voto ou (3) abster-se, sofrendo as sanções prometidas pelo próprio sistema. Convenhamos, soluções nada republicanas.   

Isso tudo sem falar num outro problema que agrava ainda mais este cenário: a filiação partidária obrigatória. Por ela, apenas filiados a um partido político podem ser votados numa eleição. Trata-se de outra castração, semelhante à primeira.

Quem deseja se candidatar a um cargo eletivo nesta Terra Tupiniquim não pode ter ideologia própria. Tem que abraçar alguma ideologia partidária já existente. É como se ele assinasse um contrato de adesão com seu partido político. Trata-se de mera formalidade.

Então, temos o seguinte cenário: de um lado, eleitores cujas escolhas nem sempre recaem sobre os postulantes a cargos eletivos. De outro, postulantes a cargos eletivos cujas ideias nem sempre estão refletidas  no partido que escolheram para concorrer às eleições.

Vá entender esse imbróglio.

Coisas do Brasil.

Voto facultativo já!!

Filiação partidária não obrigatória já!!

Alipio Reis Firmo Filho

Conselheiro Substituto – TCE/AM e Doutorando em Gestão