quarta-feira, 30 de maio de 2018

A GREVE DOS CAMINHONEIROS


Texto publicado na Coluna Gestão do autor no Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com)


A greve dos caminhoneiros pegou todo mundo de surpresa. De uma hora para outra o País foi sacudido por uma categoria até então desconhecida e que talvez nem ela mesma sabia a força que tinha. O País literalmente parou. Setores vitais da economia brasileira foram estrangulados. Bens e insumos começaram a não chegar aos seus destinos. Na verdade, foi um grande efeito dominó. A paralização dos transportadores de combustíveis impediu que o diesel e a gasolina chegassem até aos postos.  A falta de combustíveis nos postos, por sua vez, levou à paralização de outros meios de transportes (igualmente vitais), como a malha de transporte aéreo. O caos estava instalado.      

Para entendermos como isso tudo se formou precisamos voltar no tempo.

Desde 2014 a Petrobrás vem experimentando prejuízos. Em 2014 foi de 21,58 bilhões; em 2015 subiu para 34,8 bilhões; em 2016 caiu para 14,8 bilhões e em 2017 caiu mais ainda: 446 milhões. No primeiro trimestre de 2018 a estatal experimentou um lucro de 6,9 bilhões, melhor lucro líquido trimestral desde 2013. Mas o que provocou essa virada?  

Desde julho de 2017 o presidente da empresa, Pedro Parente, passou a adotar uma política de reajustes diários nos preços dos combustíveis (diesel e gasolina), acompanhando as oscilações no preço do petróleo no mercado internacional. Até então, os preços eram controlados. O objetivo era melhorar a imagem da empresa no mercado internacional e reconquistar a confiança dos investidores lá fora. Conforme apontado anteriormente, logo os resultados (positivos) começaram a aparecer na Contabilidade da empresa. Todavia, com um enorme custo para setores estratégicos da economia brasileira, como o sistema de transportes.  Não bastasse isso, a valorização do dólar colocou mais lenha na fogueira, fazendo com que o preço dos combustíveis se tornasse ainda mais caro no mercado interno.

Nada obstante, a estatal amargou uma redução na participação nos mercados de gasolina e diesel em 2017. Em 2017 sua participação no mercado de gasolina foi de 83% contra 90% em 2016 e 96% em 2015. No mercado de diesel, a empresa consumiu 74% em 2017 contra 83% em 2016 e 97% em 2015. Em fevereiro deste ano a participação no mercado de gasolina encolheu para 77%. No mercado de diesel, entretanto, houve uma melhora, subindo para 79% naquele mês.

Com o preço do óleo diesel subindo continuamente os caminhoneiros autônomos foram os primeiros a “gritar”. O preço cobrado pelo frete já não conseguiu cobrir o custo do óleo, levando diversos profissionais ao desequilíbrio de suas contas pessoais. Houve gente que deixou de pagar os estudos dos filhos em faculdades já que cada vez mais sobrava muito pouco dinheiro no bolso.

Houve ainda mais dois agravantes, mas de ordem estrutural: a reduzida  (e péssima) malha rodoviária do País que conta com apenas 211.000 quilômetros; e uma política para a compra de caminhões implementada pelo BNDES entre 2008 e 2014 que elevou consideravelmente o número deles nas estradas. De 2001  2016 a frota cresceu 84%. A frota atual é de 2 milhões de veículos dos quais 650 mil são autônomos, isto é, cerca de 1/3 de toda a frota. É como se injetássemos o dobro de sangue no corpo de uma pessoa. Os vasos sanguíneos não suportariam. Ficariam estrangulados. Foi mais ou menos isso que aconteceu com o sistema de transporte rodoviário nacional. Mais uma vez a (burra) política pública brasileira  deu o ar de sua graça. Colocou o carro na frente dos bois, invertendo a ordem natural dos fatos, tudo para obter dividendos políticos. E conseguiu.  

A reduzida malha rodoviária do País faz com que se gaste mais tempo para levar um produto de um ponto a outro. Os custos vão junto. A sofrível condição das rodovias brasileiras, por sua vez, agrava ainda mais o problema, pois torna mais lento os percursos além de elevarem os custos de manutenção dos veículos e, de quebra, o preço final do produto transportado. Não há bolso que aguente. Daí a gritaria.

É evidente que uma empresa estatal não pode sobreviver sempre carregada por braços fortes. Ela tem que caminhar com as próprias pernas. Se não for assim, então é melhor que a administração direta assuma de vez a prestação do serviço/oferta de bens ao invés de deixar esse encargo para uma afiliada sua. Por outro lado, é preciso ter muito cuidado com a solução para problemas dessa natureza. O governo não pode fechar os olhos inteiramente às consequências nocivas de uma política adotada. Especialmente quando se trata de produtos tão essenciais como o são a gasolina, o óleo diesel e o gás de cozinha.

Do contrário, o remédio vira veneno. É o que temos testemunhado nos últimos dias.

Qualquer especialista em economia sabe que há alternativas para manter a credibilidade da Petrobrás no mercado internacional sem que a população brasileira pague um alto preço por isso. Também não é razoável que os preços sejam controlados. Temos que encontrar um ponto de equilíbrio. Aliás, esse é um abacaxi que o governo terá de descascar. O problema é dele, pois quem assume voluntariamente o comando de uma empreitada sabe das consequências de fazê-lo.

Agora, o que não é razoável aceitar é que a população brasileira aceite passivamente políticas governamentais insensíveis, frias e calculistas, desgarradas de valores sociais, como se fôssemos um amontoado de estrume. Não, nem todas as  políticas de governo funcionam como contratos de adesão. Há políticas e políticas. Já passou do tempo de aprendermos essa importante lição de casa. Os países de primeiro mundo já foram aprovados há muito tempo nessa disciplina.

Por isso, vale a pena o protesto; vale a pena a luta.

Alipio Reis Firmo Filho
Conselheiro Substituto – TCE/AM  
      

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