Texto publicado na Coluna Gestão do autor no Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com)
A greve dos caminhoneiros
pegou todo mundo de surpresa. De uma hora para outra o País foi sacudido por
uma categoria até então desconhecida e que talvez nem ela mesma sabia a força
que tinha. O País literalmente parou. Setores vitais da economia brasileira
foram estrangulados. Bens e insumos começaram a não chegar aos seus destinos.
Na verdade, foi um grande efeito dominó. A paralização dos transportadores de
combustíveis impediu que o diesel e a gasolina chegassem até aos postos. A falta de combustíveis nos postos, por sua
vez, levou à paralização de outros meios de transportes (igualmente vitais),
como a malha de transporte aéreo. O caos estava instalado.
Para entendermos como
isso tudo se formou precisamos voltar no tempo.
Desde 2014 a Petrobrás
vem experimentando prejuízos. Em 2014 foi de 21,58 bilhões; em 2015 subiu para
34,8 bilhões; em 2016 caiu para 14,8 bilhões e em 2017 caiu mais ainda: 446
milhões. No primeiro trimestre de 2018 a estatal experimentou um lucro de 6,9
bilhões, melhor lucro líquido trimestral desde 2013. Mas o que provocou essa virada?
Desde julho de 2017 o
presidente da empresa, Pedro Parente, passou a adotar uma política de reajustes
diários nos preços dos combustíveis (diesel e gasolina), acompanhando as
oscilações no preço do petróleo no mercado internacional. Até então, os preços
eram controlados. O objetivo era melhorar a imagem da empresa no mercado
internacional e reconquistar a confiança dos investidores lá
fora. Conforme apontado anteriormente, logo os resultados (positivos) começaram
a aparecer na Contabilidade da empresa. Todavia, com um enorme custo para
setores estratégicos da economia brasileira, como o sistema de transportes. Não bastasse isso, a valorização do dólar
colocou mais lenha na fogueira, fazendo com que o preço dos combustíveis se
tornasse ainda mais caro no mercado interno.
Nada obstante, a estatal
amargou uma redução na participação nos mercados de gasolina e diesel em 2017.
Em 2017 sua participação no mercado de gasolina foi de 83% contra 90% em 2016 e
96% em 2015. No mercado de diesel, a empresa consumiu 74% em 2017 contra 83% em
2016 e 97% em 2015. Em fevereiro deste ano a participação no mercado de
gasolina encolheu para 77%. No mercado de diesel, entretanto, houve uma
melhora, subindo para 79% naquele mês.
Com o preço do óleo
diesel subindo continuamente os caminhoneiros autônomos foram os primeiros a “gritar”.
O preço cobrado pelo frete já não conseguiu cobrir o custo do óleo, levando
diversos profissionais ao desequilíbrio de suas contas pessoais. Houve gente
que deixou de pagar os estudos dos filhos em faculdades já que cada vez mais
sobrava muito pouco dinheiro no bolso.
Houve ainda mais dois
agravantes, mas de ordem estrutural: a reduzida (e péssima) malha rodoviária do País que conta
com apenas 211.000 quilômetros; e uma política para a compra de caminhões
implementada pelo BNDES entre 2008 e 2014 que elevou consideravelmente o número
deles nas estradas. De 2001 2016 a frota
cresceu 84%. A frota atual é de 2 milhões de veículos dos quais 650 mil são
autônomos, isto é, cerca de 1/3 de toda a frota. É como se injetássemos o dobro
de sangue no corpo de uma pessoa. Os vasos sanguíneos não suportariam. Ficariam
estrangulados. Foi mais ou menos isso que aconteceu com o sistema de transporte
rodoviário nacional. Mais uma vez a (burra) política pública brasileira deu o ar de sua graça. Colocou o carro na
frente dos bois, invertendo a ordem natural dos fatos, tudo para obter
dividendos políticos. E conseguiu.
A reduzida malha
rodoviária do País faz com que se gaste mais tempo para levar um produto de um
ponto a outro. Os custos vão junto. A sofrível condição das rodovias
brasileiras, por sua vez, agrava ainda mais o problema, pois torna mais lento
os percursos além de elevarem os custos de manutenção dos veículos e, de
quebra, o preço final do produto transportado. Não há bolso que aguente. Daí a
gritaria.
É evidente que uma
empresa estatal não pode sobreviver sempre carregada por braços fortes. Ela tem
que caminhar com as próprias pernas. Se não for assim, então é melhor que a
administração direta assuma de vez a prestação do serviço/oferta de bens ao
invés de deixar esse encargo para uma afiliada sua. Por outro lado, é preciso ter
muito cuidado com a solução para problemas dessa natureza. O governo não pode fechar
os olhos inteiramente às consequências nocivas de uma política adotada.
Especialmente quando se trata de produtos tão essenciais como o são a gasolina,
o óleo diesel e o gás de cozinha.
Do contrário, o remédio
vira veneno. É o que temos testemunhado nos últimos dias.
Qualquer especialista em economia
sabe que há alternativas para manter a credibilidade da Petrobrás no mercado
internacional sem que a população brasileira pague um alto preço por isso.
Também não é razoável que os preços sejam controlados. Temos que encontrar um
ponto de equilíbrio. Aliás, esse é um abacaxi que o governo terá de descascar.
O problema é dele, pois quem assume voluntariamente o comando de uma empreitada
sabe das consequências de fazê-lo.
Agora, o que não é
razoável aceitar é que a população brasileira aceite passivamente políticas
governamentais insensíveis, frias e calculistas, desgarradas de valores sociais,
como se fôssemos um amontoado de estrume. Não, nem todas as políticas de governo funcionam como contratos
de adesão. Há políticas e políticas. Já passou do tempo de aprendermos essa
importante lição de casa. Os países de primeiro mundo já foram aprovados há
muito tempo nessa disciplina.
Por isso, vale a pena o
protesto; vale a pena a luta.
Alipio
Reis Firmo Filho
Conselheiro
Substituto – TCE/AM