Algumas pessoas têm me procurado sobre
dúvidas quanto aos repasses feitos pelas
prefeituras às câmaras. Em regra, queixam-se que os valores transferidos pela
prefeitura oscilam todos os meses. Questionam: os repasses não deveriam ser em
parcelas fixas? Refletindo sobre o tema, apresento algumas considerações a respeito. Boa leitura!
1 – Em primeiro lugar, é preciso
deixar claro que a Constituição Federal já fixa o valor máximo das despesas dos legislativos municipais (excetuadas as despesas com
inativos). Esse teto está previsto nos incisos I a VI do art. 27-A:
I - 7% (sete por cento) para
Municípios com população de até 100.000 (cem mil) habitantes;
II - 6% (seis por cento) para
Municípios com população entre 100.000 (cem mil) e 300.000 (trezentos mil)
habitantes;
III - 5% (cinco por cento) para
Municípios com população entre 300.001 (trezentos mil e um) e 500.000
(quinhentos mil) habitantes;
IV - 4,5% (quatro inteiros e
cinco décimos por cento) para Municípios com população entre 500.001
(quinhentos mil e um) e 3.000.000 (três milhões) de habitantes;
V - 4% (quatro por cento) para
Municípios com população entre 3.000.001 (três milhões e um) e 8.000.000 (oito
milhões) de habitantes;
VI - 3,5% (três inteiros e cinco
décimos por cento) para Municípios com população acima de 8.000.001 (oito
milhões e um) habitantes.
Quase a totalidade dos municípios
de nosso Estado (Amazonas) encontra-se na faixa de 7% (inciso I). Portanto, ao
elaborarem suas propostas orçamentárias, é preciso que as câmaras de vereadores identifiquem, primeiramente,
qual o percentual máximo de seus gastos (excluídas as despesas de inativos). Conforme os incisos referidos, isso
dependerá da população da comuna.
2 – Encontrado o percentual, é
preciso que os legislativos municipais identifiquem qual o valor efetivamente
arrecadado nas duas categorias de receitas orçamentárias a seguir, NO EXERCÍCIO
DE ELABORAÇÃO DA PROPOSTA ORÇAMENTÁRIA:
a) a receita tributária;
b) as transferências
constitucionais previstas no § 5o do art.
153 e nos arts. 158 e 159,
Esse procedimento está em
conformidade com as exigências contidas no caput
do art. 29-A da Constituição Federal:
“O total da despesa do Poder Legislativo Municipal, incluídos os
subsídios dos Vereadores e excluídos os gastos com inativos, não poderá
ultrapassar os seguintes percentuais, relativos ao somatório da receita tributária e
das transferências previstas no § 5o do art. 153 e nos arts.
158 e 159, efetivamente realizado no exercício anterior.”
Uma primeira
observação que temos a fazer nessa etapa, diz respeito ao fato de serem
consideradas as RECEITAS EFETIVAMENTE REALIZADAS. Isso significa que o
legislador constitucional deseja que a base de cálculo para a aplicação do
percentual referido no tópico “1” corresponda ao valor EFETIVAMENTE ARRECADADO
PELA PREFEITURA. Portanto, o que interessa aqui é o valor que chegou aos cofres
púbicos da prefeitura, não sua previsão. E aqui já temos um problema.
Sabemos que todos
os entes federativos possuem um calendário para a elaboração, consolidação e
aprovação dos projetos de lei orçamentária. Imaginemos, então, a seguinte
situação:
Num determinado
município, a prefeitura tem até 31 de agosto de cada ano para enviar ao
legislativo a proposta orçamentária consolidada. Como a proposta da câmara
deverá compor a proposta consolidada, ela deverá enviar sua proposta para o
chefe do executivo municipal antes de 31 de agosto, em tempo razoável, a fim de
que o prefeito possa inseri-la na proposta geral. Como o teto da despesa total
das câmaras (excluídos os gastos com inativos) deverá corresponder às receitas
tributária e de transferências efetivamente arrecadadas até o final do
exercício de elaboração da proposta orçamentária (conforme caput do art. 29-A da CF), à época do envio de sua
proposta orçamentária ela não disporá dessa informação. A solução será fazer
uma previsão de qual será o valor total arrecadado naquelas duas rubricas
orçamentárias e, a partir daí, aplicar o percentual referido no tópico “1” para
saber qual o valor total de suas despesas que constará em sua proposta.
Essa solução,
aliás, foi a adotada pela LDO do município de Manaus que dispôs sobre a
elaboração e execução da lei orçamentária para 2013 (Lei 1684/2012), verbis:
Art. 10. A proposta
orçamentária do Poder Legislativo será elaborada com base no somatório da
arrecadação efetiva das receitas estabelecidas no caput do art. 29-A da
Constituição Federal, até o mês de agosto, com as suas respectivas previsões para o
último quadrimestre do exercício de 2012 (...) (destacamos)
Ou seja, uma
parte das despesas totais da câmara estará assentada numa previsão de arrecadação e
não
num valor real. Desta feita, aprovada a proposta orçamentária
(normalmente no mês de dezembro) poderão resultar 03 (três) situações:
Primeira situação: o valor total consignado
na proposta da câmara (excetuado os gastos com inativos) está correto. O
cálculo feito corresponde à efetiva arrecadação das receitas tributária e de
transferências nos quatro últimos meses do exercício. O ordenador de despesas “acertou
na mosca” (situação essa que, embora difícil de ocorrer, é possível
que ocorra).
Nesta hipótese, a
lei orçamentária anual (a esta altura já aprovada e publicada) não deve sofrer alteração alguma. O prefeito
deverá realizar os repasses para a câmara tomando por base a dotação aprovada.
Se transferir abaixo desta dotação estará sujeito a responder por crime de
responsabilidade previsto no inciso III do parágrafo segundo do art. 29-A da
Constituição Federal (os crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores
são regidos pelo Decreto-Lei 201/67)..
Segunda situação: o valor total
consignado na proposta da câmara (excetuado os gastos com inativos) é superior ao valor efetivamente
arrecadado a título das receitas tributária e de transferências. Coloquemos
isso em números:
Dados da Proposta orçamentária da Câmara
- Receitas
tributária e de transferências efetivamente arrecadadas pela prefeitura até
a data da câmara enviar sua proposta orçamentária: 120 milhões de
reais.
- Previsão
de arrecadação das Receitas tributária e de transferências pela prefeitura após a data da câmara enviar
sua proposta orçamentária até 31 de dezembro: 60 milhões de reais.
- Base de
cálculo da despesa total da câmara (exceto os gastos com inativos): 180 milhões
- Percentual: 7%
(para municípios de até 100 mil habitantes)
- TOTAL DAS
DESPESAS DA CÂMARA (exceto os gastos com inativos): 12,6 milhões (180 milhões X
7%)
- Valor mensal a
ser repassado pelo prefeito à câmara: 1.050.000 (12,6 milhões/12 meses)
Dados da arrecadação em 31/Dezembro
- Receitas
tributária e de transferências efetivamente arrecadadas pela prefeitura até
a data da câmara enviar sua proposta orçamentária: 120 milhões de
reais.
- Receitas
tributária e de transferências efetivamente realizadas após a data da câmara enviar
sua proposta orçamentária (só tomado conhecimento em 31/12): 40 milhões de
reais.
- Base de
cálculo real: 160 milhões
- Percentual: 7%
(para municípios de até 100 mil habitantes)
- TOTAL DAS
DESPESAS DA CÂMARA (exceto os gastos com inativos): 11,2 milhões (160 milhões X
7%)
- Valor mensal a
ser repassado pelo prefeito à câmara: 933.333,33 (160 milhões/12 meses)
Nesta hipótese,
perceba que a previsão de arrecadação das receitas tributárias e de
transferências foi frustrada no último quadrimestre. Pretendia-se arrecadar 60 milhões mas na verdade
foram arrecadados apenas 40 milhões. Ora, isso comprometeu o cálculo feito pela
câmara de suas despesas totais à época em que enviou sua proposta orçamentária
para a prefeitura. Ou seja, foi aprovado um total de gasto (12,6 milhões,
excetuado inativos) superior ao real (11,2 milhões, excetuado inativos).
Em tais casos o
prefeito deverá transferir apenas 11,2 milhões e não 12,6 milhões. A razão é
simples: se ele efetuar repasse que supere os limites definidos nos incisos I a
VI do art. 29-A da Constituição Federal (no exemplo dado em relação ao inciso
I) ele incorrerá em crime de responsabilidade, consoante inciso I, parágrafo segundo, do art. 29-A, CF. Lembrando que nesses valores não
está computada a despesa com inativos. Se considerarmos os gastos com inativos
o valor a ser repassado será 11,2 milhões + gastos com inativos.
Mas poderá
existir alguém que questione: o inciso III do parágrafo segundo do art. 29-A da
CF determina que também o prefeito responderá por crime de responsabilidade
caso ele envie os repasses a menor em relação à proporção fixada na lei
orçamentária. Como sair dessa “saia justa”. Respondemos: na verdade, a “saia justa”
é apenas aparente.
A lei
orçamentária deverá se adequar à regra constitucional. Havendo conflito entre
ambas, prevalece a orientação da Carta Magna. E esta é taxativa em dizer que o
total dos gastos do legislativo municipal (excluídos os gastos com inativos) não
poderá ultrapassar os limites percentuais contidos em seu art. 29-A. Somente a
despesa com inativos poderá ir além desses limites. Nenhuma mais. Afinal de
contas, a ordem expressa no inciso III do parágrafo segundo do art. 29-A só tem
sentido se as dotações contidas na lei orçamentária para o legislativo
municipal respeitarem os limites previstos no seu caput. Do contrária, não faria
sentido impor limites e, mais adiante, desrespeitá-los.
Aliás, em minha
opinião, caberá às leis de diretrizes orçamentárias regularem tais situações, a fim de que o
aparente conflito de normas não leve a discussões intermináveis entre os
poderes executivo e legislativo.
Uma disposição
do tipo “na hipótese de no último quadrimestre a arrecadação nas rubricas X e Y
ocorrer abaixo da previsão correspondente ficará o prefeito municipal
desobrigado de realizar os repasses excedentes relacionados” talvez resolveria o problema.
Mas é preciso igualmente que haja norma impondo ao legislativo municipal
a necessidade de contingenciar suas dotações orçamentárias correspondentes. Do
contrário, o gestor da câmara irá se ver no direito de empenhar toda a dotação
legislativa contida na lei de orçamento. Se essa for sua conduta, também ele
poderá responder por crime de responsabilidade “em razão de ordenar
ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-Ias em desacordo com as
normas financeiras pertinentes” (inciso V do Decreto-Lei 201/1967).
Portanto, nem o
presidente da câmara poderá ordenar despesas em sua totalidade e nem o prefeito
ficará obrigado a repassar-lhe o valor excedente.
Caso inexista
disposição na LDO nesse sentido (provavelmente a maioria das LDO’s não tratam
dessa lacuna) imediatamente após o encerramento do exercício, é necessário que
tanto o presidente da câmara quanto o prefeito municipal identifiquem eventuais
divergências quanto às receitas efetivamente arrecadadas a título de receitas
tributária e de transferências. Se existirem, providências deverão ser tomadas,
a fim de que ambos se previnem .
Terceira situação: é uma situação inversa da
anterior. Aqui o valor total consignado na proposta da câmara (excetuado os gastos
com inativos) é inferior ao valor
efetivamente arrecadado a título das receitas tributária e de transferências.
Coloquemos isso em números:
Dados da Proposta orçamentária da Câmara
- Receitas
tributária e de transferências efetivamente arrecadadas pela prefeitura até
a data da câmara enviar sua proposta orçamentária: 120 milhões de
reais.
- Previsão
de arrecadação das Receitas tributária e de transferências pela prefeitura após a data da câmara enviar
sua proposta orçamentária até 31 de dezembro: 60 milhões de reais.
- Base de
cálculo da despesa total da câmara (exceto os gastos com inativos): 180 milhões
- Percentual: 7%
(para municípios de até 100 mil habitantes)
- TOTAL DAS
DESPESAS DA CÂMARA (exceto os gastos com inativos): 12,6 milhões (180 milhões X
7%)
- Valor mensal a
ser repassado pelo prefeito à câmara: 1.050.000 (12,6 milhões/12 meses)
Dados da arrecadação em 31/dezembro
- Receitas
tributária e de transferências efetivamente arrecadadas pela prefeitura até
a data da câmara enviar sua proposta orçamentária: 120 milhões de
reais.
- Receitas
tributária e de transferências efetivamente realizadas após a data da câmara enviar
sua proposta orçamentária (só tomado conhecimento em 31/12): 80 milhões de
reais.
- Base de
cálculo real: 200 milhões
- Percentual: 7%
(para municípios de até 100 mil habitantes)
- TOTAL DAS
DESPESAS DA CÂMARA (exceto os gastos com inativos): 14 milhões (200 milhões X
7%)
- Valor mensal a
ser repassado pelo prefeito à câmara: 1.166.666,67 (200 milhões/12 meses)
Nesta hipótese,
o comportamento das receitas tributária e de contribuições no último quadrimestre
do exercício foi além do esperado. Com efeito, a dotação para as despesas totais
da câmara (exceto inativos) permaneceu a
menor. Na LOA consta um repasse anual de 12,6 milhões quando, na verdade, o
valor total a ser transferido deverá ser de 14 milhões. A solução aqui é a autorização/abertura
de um crédito adicional para a Câmara pela diferença, isto é, no valor de 2
milhões de reais, logo no início do exercício. O crédito adicional autorizado/aberto
bastará para adequar a LOA ao limite do inciso I do art. 29-A.
Antes de
finalizar, temos ainda mais três aspectos a considerar no contexto dos repasses
de valores da prefeitura à câmara:
1 – os repasses
deverão ocorrer até o dia vinte de cada mês (inciso II do parágrafo segundo do
art. 29-A da CF). O prefeito responderá por crime de responsabilidade se
ultrapassar essa data-limite;
2 – as despesas
com inativos é a única que ficou de fora do teto constitucional das despesas
dos legislativos municipais. Isso significa que os repasses correspondentes à
dotação contida na LOA deverá ser transferida obrigatoriamente pelo prefeito.
Aqui, não cabe avaliar se houve ou não arrecadação em alguma rubrica
orçamentária. A câmara tem direito ao valor correspondente, configurando crime
de responsabilidade do prefeito a não realização dos repasses respectivos;
3 – os repasses
realizados pelas prefeituras às câmaras devem ser uniformes, em regra. Não há
como conceber transferências de valores do tipo: em janeiro (500.000); em
fevereiro (300.000); em março (450.000), etc.
Os prefeitos
devem estar cientes que os repasses para as câmaras não devem oscilar em razão
de sua arrecadação. A conta será simples:
Total de receita
arrecadada no mês: X
(-) Repasse para
a Câmara: Y
=
Disponibilidades financeiras à disposição da prefeitura para atender suas
despesas: X – Y
A prefeitura não
deve comprometer os repasses para as câmaras alegando pura e simplesmente que a
“arrecadação caiu”. A Câmara tem autonomia orçamentária e financeira e o
prefeito é obrigado a efetuar os repasses, independentemente de cores
partidárias.
A oscilação nas
transferências de recursos é decorrente, muitas vezes, do fato de os prefeitos
não programarem convenientemente suas despesas. Se adotassem essa conduta,
certamente que honrariam os repasses.
Se, contudo,
numa situação extrema, o prefeito tiver que repassar valores à câmara de forma
oscilada, isto é, de forma irregular, o prefeito terá de compensar o valor
repassado a menor num mês com outro repassado a maior no outro (ou nos
próximos), de tal forma que ao final do exercício todo o valor que ele estará
obrigado a repassar seja efetivamente repassado. Do contrário, conforme
pontuamos, poderá incorrer em crime de responsabilidade.