(*) Texto publicado na Coluna Gestão (do autor), no FATO AMAZÔNICO (www.fatoamazonico.com)
Segundo os dicionaristas, “Corrupção” é sinônimo de “deterioração”, “decomposição física de alguma
coisa” ou “adulteração das características originais de algo”.
A corrupção deteriora, corrói e consome tudo o que está à sua
frente e ao seu redor. Como um ácido, queima até o mais resistente metal. Vira
tudo de pernas para o ar; desarruma e instala o caos. A desorganização e a
balbúrdia são suas cúmplices inseparáveis. Não há como não se deparar com as três,
sempre unidas, de mãos dadas, confabulando a favor de interesses próprios e
espúrios.
Não existe a pequena ou a grande corrupção. Todas são uma só
coisa, e nenhuma é maior que a outra. Não importa se subtrai um punhado de
dinheiro ou uma vultosa quantia. Possuem a mesma estatura e as mesmas digitais.
O que por ela é tocado transforma-se em ouro e veneno. Parece dúbio, mas não
é. O ouro serve para saciar a ganância
de alguns; o veneno, para perder a vida de milhares.
Se é certo que a corrupção é única, não havendo como as distinguirmos;
impossível considera-las como sinônimas, segundo suas consequências. São as
consequências e não as causas que marcam a conduta do gestor corrupto. É pela
extensão do dano que medimos o tamanho do ato corruptor. Uns repercutem mais,
outros menos. Algo semelhante ao veneno dos animais peçonhentos.
Uns são mais letais. Matam mais depressa. Outros, deixam a
vítima agonizando por horas, às vezes, dias a fio para, finalmente, dar cabo
dela. Quanto mais fulminante o líquido, mais perigoso será.
Assim também acontece no setor público.
Há corrupções que matam mais depressa que outras. Decretam a
ruína da vítima imediatamente, sem rodeios. Deliberam, sem defesa, o término
da vida. Seu poder letal é infinitamente superior a qualquer outra. Diferentemente da corrupção em áreas como no
transporte público, na assistência social, na infraestrutura urbana, na
educação, na cultura e tantas outras; a corrupção na Saúde maltrata mais do que
qualquer outra. Justamente porque ela fere mais, machuca mais, humilha mais.
Ela reduz ao pó a dignidade da pessoa humana. Literalmente, a vítima da
corrupção na Saúde rasteja a procura de abrigo e alívio sem poder encontrar.
Bate à porta de um. Bate à porta de outro, mas a resposta é sempre a mesma:
“não temos como ajuda-lo! Falta tudo! Do
Gaze à anestesia; do esparadrapo à mesa de cirurgia”. E logo no momento em que
mais precisamos, quando o corpo está frágil, sofrendo o peso da enfermidade! O
paciente quer alívio e não encontra. O jeito é voltar pra casa e sofrer, sofrer
e sofrer ou, quem sabe, morrer de uma vez por todas, pondo fim ao sofrimento.
Ao contrário de todas as demais manifestações da corrupção, a
malversação dos recursos na Saúde é HOMICIDA. Ela MATA, sem dó e sem piedade. Num
só golpe, ela retira a vida de milhares de pessoas, lembrando muito o
holocausto nazista. Seria crime hediondo? Talvez. Mas penso que é algo muito
pior que isso. Tão pior que merecia a pena perpétua (muito embora nosso regime
constitucional não a admita).
Mas a onda da corrupção na Saúde não devasta apenas os que
procuram os hospitais públicos e postos de saúde. Todos os membros da família
sofrem junto com o paciente, além de amigos e conhecidos. A uma, porque
acompanham o doente em sua via crucis.
A duas, porque são testemunhas ocupares do trajeto doloroso e infinito. É como
um efeito dominó. Após a queda da primeira pedra, a segunda vai abaixo. Depois
dela uma terceira, uma quarta e assim, sucessivamente, sem que tenhamos ideia
do tamanho do estrago. Por isso disse que a corrupção na Saúde é mais letal que
todas as demais. O enfermo não é o único moribundo. Por trás dele poderá haver
dezenas, talvez, centenas de almas, todas envenenadas, sem antídoto ou
morfina. Ela não mata apenas os pacientes.
Corrói as almas e os sentimentos de milhares de pessoas que, com ele, sofrem as
consequências da ganância de alguns.
Por tudo o que aqui foi dito a corrupção na Saúde é um
capítulo à parte e assim deveria ser tratada. Não há como corrigir seus
estragos. Vidas já foram ceifadas. Ainda que todo o dinheiro aplicado
irregularmente retornasse não haveria como reparar o dano. Sua marca
permanecerá para sempre. É algo definitivo e acabado.
Nesses meus 24 anos de vida pública aprendi uma coisa: é
possível até que falte dinheiro na Saúde, mas a quantia aplicada nos últimos
anos em nosso Estado teria sido muito maior se não tivessem tido o destino que
tiveram. Muito provavelmente também
inúmeras vidas teriam sido poupadas. Com efeito, qualquer que seja a pena aplicada ainda assim será pouca quando comparada com o
rastro de sangue, dor e sofrimento de milhares de famílias amazonenses.
Que a justiça seja feita! Se não a dos homens, a de Quem tem
as chaves da vida e da morte!
ALIPIO REIS FIRMO FILHO
Conselheiro Substituto
– TCE/AM