Não pensei que decorridos
três meses da memorável final do mundial de clubes entre o meu Flamengo e o Liverpool, eu viria a experimentar
novamente o mesmo sentimento que tive quando
Jorge Jesus – até então irrepreensível como técnico – resolveu sacar do jogo dois
importantes jogadores (Arrascaeta e Everton Ribeiro), faltando apenas quinze
minutos para o final do segundo tempo. O placar permanecia empatado e o
Flamengo, no exato momento das substituições, dominava a partida. Tecnicamente
falando, as substituições foram um desastre, pois resultou na clara perda de
poder ofensivo do time dando oportunidade para o adversário se refazer em
campo. O resultado nem preciso comentar. Melhor deixar pra lá.
Evidentemente que, assim
como um técnico de futebol, também os mandatários governamentais gozam da
prerrogativa de trocar essa ou aquela peça de seu secretariado, quando assim
entenderem necessário. Mas, convenhamos. Há trocas e trocas. Há mexidas e
mexidas.
Em certas ocasiões, conquanto
possíveis, nem sempre é oportuno fazê-las. Algo pode sair errado e comprometer
todo um planejamento. Possibilidade não pode ser confundida com oportunidade.
São duas realidades completamente distintas. O bom estrategista sabe conjuga-las
perfeitamente, a fim de potencializar ao máximo as possibilidades de sucesso.
O problema não envolve
tanto as mudanças em si, mas o instante em que as trocas são operadas. É
necessário, portanto, que o governante calibre sua decisão, a fim de reduzir as
chances de perder a partida. Em diferentes momentos da História da humanidade,
renomados estadistas têm nos ensinado que repetidas vezes é mais inteligente
mostrar estratégia que propriamente força na resolução de problemas.
Desde quando levantou a
bandeira do isolamento vertical – segundo o qual só deveriam ficar isolados o
grupo de risco, isto é, as pessoas idosas e portadoras de comorbidades – o presidente
Bolsonaro estabeleceu uma equação difícil de fechar. Difícil porque a solução colide
frontalmente com a própria Ciência. Muito embora não haja unanimidade na adoção
do isolamento total (isolamento horizontal) – aliás, nem mesmo Jesus Cristo obteve
unanimidade em seus discursos – a maioria esmagadora da comunidade científica
internacional, além dos próprios governantes, são uníssonos em recomendá-la em
tempos de pandemia. Não há o que
discutir.
Desde que assumiu o
Ministério da Saúde, Luiz Henrique Mandetta foi nessa direção. E não podia ser
diferente. Não bastasse sua formação médica, a ampla experiência internacional corroborava e aconselhava a medida. Na
ausência de drogas e vacinas é o único meio de frear a proliferação em massa do
vírus. Não existe outra solução.
Mas o presidente preferiu
transformar um problema de saúde pública em cabo de guerra político. Em outras
palavras, ele politizou o vírus.
E o fez justamente porque
todos aqueles que faziam oposição ao seu governo começaram, um a um, a proclamar a necessidade de adoção do
isolamento. A leitura foi a seguinte: eu não posso concordar com a oposição, ainda
que traços de lucidez e civilidade estejam presentes no seu discurso.
Uma leitura infeliz,
diga-se de passagem. Semelhante às opiniões regadas a paixões futebolísticas nos
estádios em que se ignora a genialidade de uma jogada só porque ela foi
protagonizada pelo time adversário.
A tese do isolamento não
foi criada pela oposição brasileira. Muito menos por ideologias
político-partidárias de outros países. Trata-se de medida ligada à saúde
pública, como meio profilático para conter surtos epidêmicos de altíssima
gravidade e contágio, que ainda não contam com drogas e vacinas capazes de combatê-los.
É o caso da Covid-19.
Além desse fato, acredito
que a exoneração do Ministro Mandetta também tenha decorrido de uma “ciumeira”
do presidente e de alguns de seus assessores mais próximos.
Ao que tudo indica, as
coletivas do Ministro e de sua equipe começaram a causar desconfortos no Planalto. A postura, a fala, a
maneira didática e fácil de se comunicar com a imprensa e com o grande público
foram certamente o combustível de sua fritura.
A cada coletiva, Mandetta
ganhava a simpatia e o respeito de todos, inclusive de muitos correligionários
políticos do próprio presidente. O tom da voz, o carisma, os gestos, as
expressões faciais e o estupendo domínio sobre o enfrentamento da Covid-19 acabaram
por alimentar a antipatia e a repugnância de muitos que dão a vida por uma
centelha de holofote. Pior: a própria oposição começou a lhe render elogios,
assim como a comunidade internacional.
Mandetta começou a ganhar
projeção nacional e internacional o que fez com que o Planalto torcesse o nariz
a cada manifestação sua. Com efeito, era preciso consolidar um discurso que de
alguma forma fizesse oposição ao próprio
Ministro e, ao mesmo tempo, atendesse aos reclamos pró abertura da economia de
pessoas influentes mais próximas ao presidente.
Uma vez mais reforço a
ideia de que a exoneração de Henrique Mandetta foi infeliz e pouco inteligente
(isso para recorrer a expressões eufemísticas).
O presidente não soube
jogar com as cartas sobre a mesa. Não demonstrou habilidade ao mexer as pedras
do tabuleiro. Enxergou o problema mais
como ameaça e menos como oportunidade. Perdeu a chance de alavancar
preciosos dividendos políticos, que poderiam lhe render, inclusive, valiosos pontos
nas eleições de 2022. Tinha tudo para
calar a boca de seus opositores, além de afinar seu discurso com a comunidade internacional.
No entanto, fez tudo o que não era aconselhável fazer. Colocou a carroça na
frente dos bois.
Poderia ter colado em Mandetta.
Afinal, foi Bolsonaro quem o escolheu para a pasta. Se a tripulação brilha, o
comandante vai junto.
A cada coletiva, a cada
reunião, lá estaria o presidente. Presente. Abrindo os trabalhos. Em contato
direto com a imprensa e apoiando o Ministro da Saúde. Seu principal jogador em
campo. O que dizer de um presidente
assim? De um mandatário cuja boca proclamasse a necessidade de salvar vidas?
Que ressaltasse a necessidade de as ideologias político-partidárias
permanecerem em segundo plano em tempos de pandemia! Que estendesse a mão ao
invés de criticar! Que pedisse ajuda e colaboração de todos os brasileiros para
termos o mínimo de mortes possíveis!
Assisti muitas corridas
de Ayrton Senna pela Fórmula 1. Uma das temporadas mais memoráveis foi quando
ele, mesmo conduzindo um carro com rendimento abaixo dos demais, conseguia se
manter na liderança. Ayrton fazia verdadeiros milagres no asfalto. Tirava leite
de pedra. Chegava na frente. Sempre liderava.
T
odos sabem das condições
precárias do Sistema de Saúde Público Brasileiro. Algo caótico. Cheio de
remendos. Dificílimo de administrar. Um amontoado de problemas. Informações
desencontradas por toda parte. Problemas e mais problemas. Uma verdadeira torre
de babel. Para a maioria, uma imensa ameaça.
Para poucos, uma tremenda janela de oportunidades.
Eis o desafio. Um grande
desafio, aliás.
Como equipará-lo aos melhores
sistemas de saúde do mundo, apesar de suas grandes limitações? Como azeitá-lo
diante de tantos entraves? Como fazê-lo alçar grandes voos em meio a destroços? Como obter resultados
promissores contando apenas com paupérrimos
recursos?
B
olsonaro deixou passar
uma excelente oportunidade de mostrar liderança. Liderança em sua própria
equipe de Governo. Liderança diante de toda a classe política e empresarial nacional.
Liderança frente aos grandes estadistas e chefes de governo do mundo.
Ao final, arregimentou
contra si uma equação macabra. Por um lado, subtraiu e dividiu aliados. De
outro, adicionou e multiplicou opositores.
Como brasileiro, tomara que
não tenha que provar novamente do gosto amargo da fatídica derrota no mundial
de clubes.
Que Deus nos proteja!!!