* Texto publicado também na minha coluna Gestão no Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com)
Há uma tabela que vem
circulando nas redes sociais que mostra o grau de letalidade da Covid-19 em comparação
com outras doenças infectocontagiosas como a tuberculose, o HIV e a febre
amarela. A tabela é a seguinte:
A partir de uma leitura
apenas superficial a conclusão óbvia é que a Covid-19 mata infinitamente menos
que a tuberculose e a hepatite B, p. exemplo. Ressalto, entretanto, que os
indicadores, da forma como estão apresentados, induzem a erro; pois alimentam a
falsa ideia de prevenção exagerada frente à Covid-19.
Já vi muitas afirmações
do tipo “cuidado com a histeria!!” (fazendo alusão às referidas taxas de
mortalidade). Evidentemente que condutas histéricas são condenáveis em qualquer
circunstância. O pânico é execrável em todas as suas formas. Mas isso não
impede que se tomem as medidas necessárias para enfrentar o mal.
Disse que a tabela leva a
conclusões errôneas porque, de todas as doenças listadas, a Covid-19 é a única
que não possui uma droga eficaz para enfrenta-la. Não tem um protocolo médico
definido. A comunidade científica ainda sabe muito pouco sobre como o vírus se
comporta no organismo e, principalmente, em ambientes externos. Há várias dúvidas. P. exemplo, é sabido que o
vírus é transmitido mais rapidamente em ambientes úmidos e frios. Já em
ambientes secos e frios as interrogações ainda persistem. Também não se sabe
exatamente quanto tempo o vírus sobrevive em algumas superfícies, como os
tecidos do vestuário. Ou seja, a comunidade científica ainda está “tateando no
escuro”, na base da tentativa e do erro, natural em pesquisas exploratórias.
Eles convivem poucos meses com o vírus. Aliás, o próprio vírus ainda está
circulando em várias regiões do planeta, algumas absurdamente diferentes
daquela onde ele começou a proliferar. Por
isso, ainda falta muito para que os protocolos médicos sejam fechados.
Portanto, qualquer
análise feita sobre a Covid-19 precisa levar em consideração tais particularidades. Do contrário, as conclusões
extraídas poderão ser equivocadas.
Outro aspecto que merece
ser melhor entendido é quanto ao número de idosos de um país como fator
estimulante de contágios, como o que vem acontecendo na Itália, p. exemplo. Muitas pessoas têm concluído que a alta
incidência do número de idosos por lá (a Itália é o país com maior número de
idosos em toda a União Européia e o segundo no ranking do mundo, perdendo
apenas para o Japão) explica a elevada incidência do vírus. Por algum motivo,
dizem alguns, as medidas de isolamento dos idosos foi deficiente e esse fator
alimentou a espiral ascendente do contágio e da mortandade. Isso, em parte, é
verdade.
Países com populações
mais idosas apresentam (potencialmente falando) altas taxas de contágio e
mortalidade. São mais vulneráveis, portanto. Seguindo essa premissa, as nações
mais jovens teriam melhores condições de lidar com o vírus, pois suas baixas
faixas etárias funcionariam como uma importante barreira.
O problema, contudo, não
é esse. Conquanto a presença de altas
taxas de populações idosas em um país influencie o grau de contágio e a
mortalidade pela Covid-19 elas não são determinantes para, por si só, estimularem
a proliferação da doença. Outros fatores podem anular essa tendência, a exemplo
do que acontece no Japão cuja população de idosos é a maior do planeta, com
seus 35,8 milhões de pessoas. Lá, o número de infectados acontece mais
lentamente em relação aos países que a Organização Mundial de Saúde tem
catalogados infectados. Sua taxa de mortalidade gira em torno de 2,9%,
inferior, à média mundial de 3,9%. O sucesso no enfrentamento do vírus pelo
Japão vem de suas ESTRATÉGIAS. São elas que realmente fazem a diferença. Aliás,
não apenas lá, mas em qualquer país do mundo. O sucesso no combate à pandemia
dependerá de como cada país irá enfrenta-la. Uma das estratégias japonesas é
testar todos os casos de pneumonia. Os casos graves são encaminhados para
hospitais, enquanto os sintomas leves vão para a casa sob orientação.
Portanto, o "X" da questão não é exatamente o percentual (alto/baixo) do número de idosos
num país. Também não consiste na maior incidência do vírus sobre os idosos e os
portadores de doenças crônicas (diabéticos, hipertensos, renais crônicos,
pessoas com câncer, etc.). O "X" da questão gira em torno de uma
equação simples em que comparece, de um lado, o número disponível de leitos em
UTIs e, de outro, a demanda por eles.
Em primeiro lugar, é importante assinalar que nenhum país do mundo dispõe
de UTIs em quantidade igual ou superior ao número de sua população idosa. Evidentemente
que estamos falando de UTIs para adultos. Ou seja, se de uma hora para a outra
todos os idosos de uma nação precisarem de um leito de UTI haverá um déficit
entre a demanda e a oferta. Esse quadro se agrava quando é somada à população
de idosos o número de doentes crônicos cujos sistemas imunológicos são igualmente
vulneráveis.
Só por aí se vê que todos os países do mundo convivem com um risco de
completa falta de assistência às populações mais vulneráveis. No caso da Covid-19,
pelo fato de não existir nenhuma droga capaz de detê-lo, a doença estimula a
demanda por assistência em UTIs do referido grupo, o que pode ocasionar seu
estrangulamento. É como colocar fogo em mato seco.
Como não há ainda nenhuma substância eficaz contra o vírus, o sistema
imunológico de cada paciente terá de lutar sozinho contra ele. Trata-se de uma
luta absurdamente desigual, pois os sistemas
imunológicos desses pacientes, como disse, já são vulneráveis por natureza.
Algo parecido como uma luta entre alguém de, digamos, 30 anos de idade, que
goze de perfeita saúde; e um ancião de 70 ou 80 anos de idade. Convenhamos: é
uma luta desproporcional, com amplas possibilidades para a derrota do paciente
(morte).
De acordo com a Associação de Medicina Intensiva Brasileira, no Brasil
há em torno de 27.709 leitos de UTIs para adultos (dados de dezembro de 2016). Nossa
população idosa é de 30 milhões de pessoas (com 60 anos ou mais). Segundo a
sociedade brasileira de infectologia, 5% dos infectados pelo vírus vão precisar
de tratamento intensivo em UTIs. Logo: 5% sobre 30 milhões = 1,5 milhões de
almas. Isso sem considerar o número de pessoas com doenças crônicas!
A grande preocupação da sociedade médica no Brasil (e no mundo) reside
exatamente aqui. Eis o nó da questão! Se houver uma taxa de contágio muito
acelerada, o risco de déficit em UTIs é grande (1,5 milhões de indivíduos para
uma oferta de 27.709 UTIs). O quadro levaria inevitavelmente ao ESTRANGULAMENTO
de todo o sistema de saúde no País, a tal ponto de, realmente, os médicos terem
que optar entre quem vai viver e quem vai morrer (sem drama!!). Isso sem considerar
que a distribuição de UTIs por região geográfica é desigual. As UTIs se
concentram mais nas regiões sul e sudeste ficando mais rarefeitas no norte e no
nordeste. Uma explosão de contágios no norte e nordeste seria catastrófico.
É importante ter em mente também que um paciente que precisa de cuidados
numa Unidade de Terapia Intensiva por motivo da Covid-19 exige, em média, duas
semanas para se recuperar, ou seja, catorze dias. Obviamente que quanto mais
idoso for o paciente mais tempo ele exigirá. Esse quadro também contribui para
reduzir ainda mais as disponibilidades de leitos de UTIs, agravando ainda mais o
problema. Isso tudo sem levar em consideração que parte dos 27,7 mil leitos de
UTIs disponíveis já estão ocupados por pacientes em tratamento de outros males
(acidente vascular cerebral, infarto, etc.). Ou seja, levando-se em
consideração tal contingente, o número de UTIs disponíveis é ainda mais
reduzido, agravando o quadro.
Portanto, como disse, a discussão principal em torno da Covid-19 não
gira propriamente em torno do número de idosos numa nação. Esse é um aspecto
apenas preliminar e periférico. Qual o papel da população mais jovem como fator
de prevenção do risco de déficit em UTIs? Um apenas: não funcionarem como
agentes transmissores. Em outras palavras: DEVEM SER MINIMAMENTE INFECTADOS.
Quanto menos essa população se expor ao contágio, melhor, pois não atuariam como
intermediários entre o vírus e a população mais vulnerável. Daí a necessidade
de ISOLAMENTO, inclusive, dessa população menos vulnerável.
Ou seja, a CAPACIDADE DE O SISTEMA DE SAÚDE RESPONDER AOS INFECTADOS QUE
PRECISAREM DE UTIs passa pela SAÚDE DA POPULAÇÃO MAIS JOVEM E/OU QUE NÃO ESTÃO
NO GRUPO DE RISCO. Além, é claro, da adoção de medidas igualmente eficazes no
combate à pandemia como TESTAGENS EM MASSA OU APENAS LOCALIZADAS (testagens
cirúrgicas), CONTROLE DA POPULAÇÃO DE INFECTADOS e TOMADA DE TEMPERATURAS DOS
INDIVÍDUOS em ambientes de grande circulação de pessoas como farmácias e supermercados; além,
evidentemente, dos cuidados básicos que todos os dias batem à nossa porta (lavar
as mãos, uso de álcool em gel, higienização de alguns compartimentos da casa e do
ambiente de trabalho, uso de máscaras, etc.).
Por fim, é importante mencionar alguns dados da Organização Mundial da
Saúde quanto à eficácia do isolamento no combate ao vírus. Em ambientes
socialmente isolados um agente infectado transmite o vírus para 2 ou 3 pessoas.
Já nos locais em que o isolamento social não fora adotado e que igualmente não
contam com outras medidas eficazes de combate ao vírus, o número de infectados
sobe para 6 por agente transmissor.
Em síntese, a luta contra a Covid-19 não admite divisões em “isolamento
vertical” ou “isolamento horizontal”. Isso é IRRELEVANTE no combate ao vírus e
PREJUDICIAL às ações de prevenção. TODOS TÊM A MESMA PARCELA DE
RESPONSABILIDADE, SEJA OS DO GRUPO DE RISCO OU NÃO.
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