No último ano de mandato de um governador ou prefeito é comum surgirem dúvidas quanto à possibilidade ou não de ele realizar uma contratação cuja vigência ultrapasse o último ano de governança e se estenda até o ano seguinte, em que a administração pública já estará debaixo de um novo governo. Quase sempre as dúvidas surgem do disposto no art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal:
Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.
Parágrafo único. Na determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do exercício.
Para a correta interpretação desse dispositivo, é preciso que sejam consideradas algumas particularidades. Do contrário, a administração pública poderá ser engessada no último ano de mandato. Certamente que essa não foi a pretensão do legislador.
No setor público podem ser ajustados duas espécies de contratos: os contratos para a entrega de bens e aqueles destinados à contratação de serviços incluídos, nesses últimos, os contratos para a realização de obra.
Se a vigência do contrato expirar no mandato do último gestor, a princípio, nenhum problema haverá, pois o financiamento das despesas ocorrerá à conta do orçamento corrente. Se, contudo, a vigência se estender até o próximo exercício, duas regras merecem ser observadas pelo mandatário que deixa o cargo, sob pena de infringência ao dispositivo mencionado.
Primeiramente, que todos bens e serviços fornecidos no último ano de seu mandato sejam pagos por ele ou, se preferir deixar em aberto algum pagamento gerado no seu mandato, que deixe a correspondente disponibilidade financeira no caixa ou na conta bancária do ente federativo. Há infração à LRF se ele, optando pela última solução, não reservar a quantia necessária para que seu sucessor quite a obrigação. Aliás, isso ocorrerá mesmo em relação aos contratos expirados em qualquer período de sua gestão e não apenas em relação àqueles ajustados nos últimos dois quadrimestres.
Quanto às parcelas contratuais que irão ser executadas no próximo exercício, é necessário que o mandatário inclua na proposta orçamentária para o exercício subsequente o valor correspondente aos gastos. Caso ele não adote esse procedimento, também haverá infração ao dispositivo, pois, o próximo mandatário, para solucioná-la, terá que remanejar dotações orçamentárias do seu primeiro ano de mandato deixando, consequentemente, de realizar alguma despesa, para encontrar recursos para financiar dispêndios gerados no mandato de seu antecessor.
As duas regras acima estão em conformidade com o Princípio da Anualidade do orçamento respeitando, pois, a competência de cada exercício financeiro.
Com efeito, a interpretação da regra de que o mandatário que deixa a governabilidade tem de reservar em caixa os recursos correspondentes às obrigações de competência do exercício seguinte, a meu ver, não é razoável, frente às considerações postas.
Trata-se de uma interpretação mais de caráter teleológico do que propriamente literal do dispositivo.