terça-feira, 8 de novembro de 2011

AÇÃO DE CONHECIMENTO

           
            O ser humano não é onipresente, isto é, não pode estar em dois ou mais lugares ao mesmo tempo. Ora, essa  particularidade impõe à raça humana uma série de limitações. Esse foi, a propósito, um dos motivos por que as pessoas jurídicas foram criadas: ao contrário de nós, pobres mortais, elas podem estar em dois ou mais lugares ao mesmo tempo. Pense, por exemplo, num banco que possui agências espalhadas por diversos lugares. Os bancos, através de suas agências ou matrizes, se fazem presente em diversos lugares simultaneamente. O mesmo ocorre com as demais pessoas jurídicas que possuem mais de um estabelecimento.   

Vamos dar duas situações e, em seguida, tirar algumas conclusões a partir delas:

1) imagine que dois veículos se choquem no trânsito. Os motoristas saem dos seus respectivos automóveis e começam a discutir. Um deles entende que a culpa da batida foi ocasionada pelo outro. Este, por sua vez, diz que a culpa é do primeiro. Como não há possibilidade de os dois resolverem, entre si, o conflito instalado, aguardam a chegada da perícia para a solução da lide;

2) um professor foi chamado a dar uma palestra para uma determinada instituição de ensino. Para tanto, cobrou pelos serviços prestados. A instituição  concordou em pagar o que ele pediu. Ao final do evento, contudo, ela não honrou o compromisso assumido, não obstante tenha emitido uma declaração na qual constava que os serviços foram efetivamente prestados pelo palestrante.  
  
Tanto na primeira quanto na segunda das situações apontadas há um CONFLITO DE ENTENDIMENTOS. Há, portanto, conforme dizem os profissionais do Direito uma LIDE, isto é, uma contenda. Para um e outro caso é possível que se recorra à via administrativa para a sua solução. Contudo, em razão do disposto no inciso XXXV do art. 5º do Texto Constitucional (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito) cada um dos interessados podem solicitar ao Judiciário  que solucione o problema, fixando - a favor de um ou de outro - o direito (de recebimento da indenização pelos danos causados no seu veículo – primeira situação; de recebimento pelos serviços prestados – segunda situação).

Para recorrer ao Judiciário, contudo, o interessado terá que DESCREVER O CONTEXTO EM QUE NASCEU A LIDE.  Em outras palavras: terá que DAR A CONHECER À AUTORIDADE JUDICIÁRIA COMO O PROBLEMA OCORREU. Para tanto detalhará aspectos como:

1) circunstâncias de tempo (o acidente ocorreu às “x” horas; a palestra ocorreu no dia “y”);

2) circunstâncias de lugar (a batida ocorreu na confluência das ruas “w” e “k”; a  palestra foi realizada no auditório “k”);

3) as pessoas envolvidas em cada situação, etc.

Por isso é que esse tipo de informação é chamada pelo Direito Processual de AÇÃO DE CONHECIMENTO já que é através dela que o Judiciário toma conhecimento da lide.  Sem descrever o ambiente onde nasceu a contenda a autoridade judiciária jamais poderá dizer com quem está a razão. Isto porque NÃO É ONIPRESENTE. Não esteve e nem poderia estar presente no momento em que ocorreu o acidente (situação 1) ou a realização da palestra (situação 2). Imagine os milhares de conflitos que ocorrem em nosso País (e porque não dizer no mundo) neste exato momento em que você está lendo este texto. Não é possível ao Judiciário saber de todos eles porque, repetimos, não tem o dom da onipresença. Se tivesse, não precisaria se munir de uma massa de conhecimento capaz de levá-lo a proferir a sua opinião sobre quem tem e sobre quem não tem direito na lide que se instalou. 

E ainda que, por acaso, presenciasse cada um destes acontecimentos, ainda assim não poderia agir já que o Poder Judiciário somente age, na quase totalidade das vezes, de forma PROVOCADA. Para que resolva os conflitos acima, portanto, é preciso que alguém  o provoque, isto é, é preciso que alguém peça, expressamente, que ele se manifeste sobre uma dada e específica situação.

A forma como  é dado a conhecer ao Judiciário os detalhes de como ocorreu o problema é chamada pelo Direito Processual de PETIÇÃO INICIAL Esta deverá ser feita observando os requisitos contidos nos arts.  282 e 283 do Código de Processo Civil-CPC. O primeiro deles relaciona os requisitos da FORMA da Petição Inicial enquanto o segundo requer que a petição seja acompanhada dos DOCUMENTOS que comprovem as informações nela contida. O Livro I do CPC (arts. 1º a 565) disciplina a Ação de Conhecimento muito embora seu título faça referência ao “Processo de Conhecimento”

terça-feira, 1 de novembro de 2011

PROCESSO E PROCEDIMENTO

           Quando falamos sobre as características dos direitos material e processual (vide artigo postado no mês de outubro) vimos que o Direito Material, a todo momento, entrega-nos alguns direitos, retira-nos outros ou tão-somente modifica os que já possuíamos.

Contudo, qualquer um de nós poderemos não estar satisfeitos com tais situações. É possível, p. exemplo, que não concordemos com o direito que nos fora retirado ou, ainda, com a modificação que nos foi imposta.

Também é possível que o direito que fora incorporado ao patrimônio de alguém imponha a nós o dever de realizá-lo. Nesse caso teremos duas saídas: ou cumprimos de livre e espontânea vontade a obrigação imposta ou, diversamente, optamos por não cumpri-la. Ora, quando resistimos a cumprir voluntariamente esta ordem imposta pelo Direito Material só restará ao titular do direito recorrer ao Judiciário para tentar realizá-lo direito através dele. Para tanto, será preciso acionar o Poder Judiciário, isto é, movimentá-lo por intermédio do que os processualistas chamam de AÇÃO. A Ação é, portanto, o instrumento pelo qual qualquer indivíduo, seja pessoa física, seja pessoa jurídica, tenta realizar um direito do qual entende que é titular, todas as vezes que não for possível vê-lo realizar-se voluntariamente por quem tem esse encargo.

É que o Judiciário funciona como um grande maquinário constituído por inúmeras engrenagens interligadas. Após acionado, cada engrenagem será responsável por movimentar outras que com ela se comunicam, tudo ocorrendo num movimento contínuo e permanente até o seu desfecho final: a expedição de uma SENTENÇA.  É por meio da Ação, portanto, que nós poderemos movimentar o grande jogo de engrenagens que é o Poder Judiciário.

As “engrenagens” que movimentam o processo estão descritas no CPC, a saber:

a) o Juiz;
b) o Ministério Público;
c) os advogados;
d) os auxiliares da justiça (escrivães, oficiais de justiça etc.).

O Juiz é a engrenagem principal ou “engrenagem-mãe” pois é a partir dele e através dele que se movimentam todas as demais.

Conforme dissemos, para movimentar esse conjunto de “engrenagens” o primeiro passo é interpor uma Ação. Essa Ação, por sua vez, irá percorrer um CAMINHO  que se chamará em Direito Processual de PROCEDIMENTO. O Procedimento é, portanto, um itinerário, um rumo, uma direção, um rito que uma Ação terá de cumprir. Entretanto, para percorrer esse caminho a Ação terá que tomar um “meio de transporte” que denominaremos de PROCESSO. O Processo é, portanto, o “veículo” que conduzirá a Ação até o seu destino final.

Vamos a algumas comparações que, guardadas as devidas proporções, servirão como parâmetros para melhor entendermos cada um destes conceitos.

Se você desejar ir de Porto Alegre a Fortaleza poderá optar por alguns itinerários. Dentre os itinerários possíveis você poderá escolher a via aérea, a via marítima ou a via terrestre. Dependendo da via que você escolher, o tempo de chegada poderá ser abreviado ou “esticado”. Assim, se escolher a via marítima é possível que gaste mais tempo para chegar a Fortaleza. Se, contudo, optar pela via aérea, certamente que irá atingir o seu destino num tempo bem mais curto. Entretanto, se preferir a via terrestre, provavelmente chegará a Fortaleza num tempo intermediário, isto é, mais longo que a via aérea e mais curto que a marítima.

Perceba, ainda, que a via escolhida será a responsável por determinar o tipo de veículo que você tomará para alcançar Fortaleza: avião (via aérea), automóvel/ônibus (via terrestre) ou navio (via marítima).

No Direito Processual as coisas se passam mais ou menos da mesma maneira.       

Quando você aciona o Poder Judiciário, na verdade, estará desejando chegar a um destino que, conforme dissemos, resume-se na expedição de uma Sentença. Para tanto, terá de tomar um veículo (o Processo) e deverá percorrer um caminho (um Procedimento). Dependendo do Procedimento a ser percorrido, a Ação poderá demorar mais ou demorar menos para ser concluída. Ora, da mesma forma que na viagem de Porto Alegre a Fortaleza, existem vários Procedimentos em Direito Processual, isto é, vários caminhos para alcançarmos o destino final (a Sentença). Há o Procedimento Comum, o Procedimento Executivo, o Procedimento Cautelar e o Procedimento Especial. O Procedimento Comum, de sua parte, se dividirá em Procedimento Comum Ordinário e Procedimento Comum Sumário.

sábado, 29 de outubro de 2011

RESOLUÇÃO DE EXERCÍCIOS DE CONTABILIDADE PÚBLICA


Para quem faz concursos públicos...

Em maio de 2011, o Chefe do Poder Executivo do Município de Azulão da Serra determinou que o responsável pela Contabilidade procedesse ao cálculo para apurar se havia recursos financeiros disponíveis para serem apontados para abertura de créditos adicionais, suplementares e/ou especiais. Nos termos da Lei Federal nº 4320/64, com os dados a seguir, extraídos do balanço patrimonial, referente ao encerramento ocorrido em 31 de dezembro de 2010, proceda ao exame para informar se ocorreu Superávit Financeiro e qual seu valor total a ser indicado para a abertura dos mencionados créditos adicionais.
Situação Patrimonial apresentada em 31 de dezembro de 2010:
C O N T A S                                                       Saldo Final R$31-12-2010
Caixa - Livre Movimentação                                                       5.000,00
Bancos - Livre Movimentação                                                245.000,00
Diversos Responsáveis                                                             40.500,00
Devedores Diversos                                                                 25.500,00
Bens Móveis                                                                          100.000,00
Bens Imóveis                                                                          250.000,00
Empréstimo a realizar vinculado a crédito especial aberto        100.000,00
Serviço da Dívida a Pagar                                                         22.500,00
Débitos de Tesouraria                                                               33.500,00
Depósitos de Terceiros                                                            12.500,00
Restos a Pagar                                                                         35.500,00
Créditos especiais transferidos do exercício anterior                150.000,00
Saldo a aplicar do empréstimo BID – recebido                         80.500,00

Após proceder aos cálculos pertinentes, pode-se concluir pela
(A) existência de Superávit Financeiro de R$ 75.000,00.
(B) existência de Superávit Financeiro de R$ 81.500,00.
(C) existência de Déficit Financeiro de R$ 81.500,00.
(D) existência de Superávit Financeiro de R$ 80.500,00.
(E) existência de Déficit Financeiro de R$ 33.500,00.

SOLUÇÃO

1 - Para o cálculo do resultado financeiro no balanço patrimonial sabemos que temos de subtrair o Passivo  Financeiro do Ativo Financeiro (parágrafo segundo, art. 43 da 4.320/64).
2 - O valor do Ativo Financeiro é de 316.000 (Caixa, Bancos, Diversos Responsáveis e Devedores Diversos).
3 - O valor do Passivo Financeiro é de 104.000 (Serviço da Dívida a Pagar, Débitos de Tesouraria, Depósitos de Terceiros, Restos a Pagar).
4- Subtraindo o PF do AF teríamos um superávit financeiro de 212.000.
5 - Dentro desse saldo existe um valor recebido, a título de empréstimo junto ao BID, no valor de 80.500. Portanto, esse valor não pode ser considerado como disponível. Devemos subtraí-lo do saldo de 212.000 e encontraremos 131.500.
6 - Temos mais duas outras importantes informações: um crédito especial transferido do exercício anterior (150.000). Parte dele (100.000) terá por fonte um empréstimo a realizar nesse valor. A diferença (50.000) é que deverá ser subtraída de 131.500 e encontraremos a resposta: 81.500 (superávit financeiro, alternativa B).
7 - Esse último cálculo decorre do disposto na parte final do parágrafo segundo do art. 43 da Lei 4.320/64 (...conjungando-se, ainda, o saldo dos créditos adicionais transferidos e as operações de crédito a eles vinculadas).

domingo, 23 de outubro de 2011

REFLEXÕES ACERCA DO PROCESSO DE LIQUIDAÇÃO DA DESPESA PÚBLICA

A Liquidação da Despesa corresponde ao segundo estágio de execução da despesa pública. Ela é tratada no Volume I do Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público[1].  O Manual invoca o conteúdo do caput do art. 63 da Lei n° 4.320/64 para caracterizá-la afirmando que a liquidação consiste na verificação do direito adquirido pelo credor, tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito. Também reproduz os parágrafos primeiro e segundo daquele dispositivo, nos quais estão descritas, respectivamente, a finalidade e os documentos que servirão de base ao processo de avaliação, conforme abaixo:

§ 1° Essa verificação tem por fim apurar:

I - a origem e o objeto do que se deve pagar;
II - a importância exata a pagar;
III – a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação

§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base:

I - o contrato, ajuste ou acôrdo respectivo;
II - a nota de empenho;
III – os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço”   

Nada obstante, é preciso deixar claro que o processo de liquidação das despesas públicas comporta três fases distintas. São elas:

a) a fase material;
b) a fase cognitiva;
c) a fase de aceite.

 A primeira delas – etapa material – dá início a todo o processo de liquidação da despesa. Corresponde ao momento em que o fornecedor (do bem, do serviço ou o executor da obra) entrega à Administração o que foi por ela solicitado.  Esta fase é chamada de fase material exatamente porque todo o processo é percebido pelos sentidos (especialmente o tato e a visão).

Na fase material, a Administração ocupa uma posição passiva concentrando-se tudo o mais nas mãos do fornecedor. Ela apenas recebe o bem, o serviço (ou parcela deste) ou a obra (ou sua parcela). A partir de então, a unidade administrativa recebedora passa a ser responsável pela guarda e conservação daquilo que lhe foi entregue, mas não poderá usá-lo na prestação dos serviços públicos uma vez que ainda restam duas fases para que todo o processo de  liquidação da despesa se aperfeiçoe em toda a sua integralidade (fases cognitiva e de aceite).

A Lei n. 8.666/93 distingue duas modalidades de recebimentos: o provisório e o defintivo[2]; fixando, ainda, hipóteses em que o recebimento provisório poderá ser dispensado[3]. Desta feita:

- caso a Admnistração tenha solicitado 100 (cem computadores) de seu fornecedor a fase material corresponderá à entrega dos computadores solicitados;

- na hipótese de a Administração haver contratado a limpeza de um terreno de sua propriedade, a fase material será manifestada pela entrega do terreno limpo por parte do prestador do serviço;

- se, contudo, a demanda da Administração for pela construção de uma quadra poliespotiva, a fase material realizar-se-á por meio da entrega da mesma. 

Mas não fará sentido algum se os computadores, o terreno limpo e a quadra construída não possam ser colocados à disposição do serviço público, isto é, não possam ser usados nas finalidades previstas. Para tanto, urge que, imeditamente após cada entrega, inicie-se a fase cognitiva, esta, sim, de inteira responsabilidade da própria Administração.

A fase cognitiva é marcada pelo momento em que a Administração debruça-se sobre o bem, serviço ou obra realizada no sentido de reconhecer ou apurar (§ 1° do art. 63 da Lei n. 4.320/64):

·         a origem do que se deve pagar;
·         a importância exata a pagar; e
·         o beneficiário da importância a ser paga.

Para tanto, a Administração analisará cuidadosamente toda a gama de documentos que suportaram o que lhe fora entregue (contrato, ajuste ou acordo respecitivo; a nota de empenho; os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço), consoante dispõe o § 1° do art. 63 da Lei n. 4.320/64.

A Lei n. 8.666/93 faz alusão a esta fase em algumas oportunidades:

“Art. 73.  Executado o contrato, o seu objeto será recebido:
I - em se tratando de obras e serviços:
a) provisoriamente (…);
b) definitivamente, por servidor ou comissão designada pela autoridade competente, mediante termo circunstanciado, assinado pelas partes, após o decurso do prazo de observação, ou vistoria que comprove a adequação do objeto aos termos contratuais, observado o disposto no art. 69 desta Lei.
II - em se tratando de compras ou de locação de equipamentos:
a) provisoriamente, para efeito de posterior verificação da conformidade do material com a especificação;
b) definitivamente, após a verificação da qualidade e quantidade do material e conseqüente aceitação.

É na fase cognitiva que a Administração convence-se que o que lhe foi entregue,  guarda inteira conformidade com aquilo que demandou. Nesta fase há um intenso trabalho de ordem intelectual por parte da contratante, a fim de identificar vícios, defeitos ou incorreções resultantes da execução ou de materiais empregados (art. 69 da Lei n. 8.666/93). Daí, a propósito, o seu nome[4]. Na etapa cognitiva a Administração adotará um comportamento preponderantemente ativo, em contraste com a fase manterial na qual, conforme dissemos, sua passividade será a tônica principal.

Essencialmente, a Administração verificará:

a) o cumprimento das normas sobre licitação ou documento formalizando a sua dispensa, ou comprovando a sua inexigibilidade;
b) a conformidade com o contrato, convênio, acordo ou ajuste, se houver; e
c) o conteúdo da nota de empenho avaliando-o com o da nota fiscal ou documento equivalente.

Identificada alguma falha que represente algum óbice, por mínimo que seja, ao reconhecimento do dever de pagar, o fornecedor deverá ser imediatamente contatato, a fim de reparar, corrigir, remover, reconstruir ou substituir, às suas expensas, no total ou em parte, o objeto do contrato (art. 69 da Lei n. 8.666/93). Se, ao contrário, o bem, o serviço ou a obra entregue for considerado adequado, em quantidade e em qualidade, a Administração dará o seu “de acordo”. Nesse momento, assumirá, juridicamente falando, o dever de pagar uma quatia financeira correspondente; ao mesmo tempo em que realizará a última fase do processo de liquidação da despesa, qual seja, o ateste. A partir de então, a unidade administrativa que até então assumira a responsabilidade de somente guardar e conservar o que lhe fora entregue, também poderá utilizá-lo na prestação dos serviços públicos.

Em síntese, o estágio da liquidação da despesa será iniciado com a fase material, submeter-se-á a uma fase cognitiva vindo, em seguida, a se aperfeiçoar mediante o ateste manifestado pela Administração. Somente após é que existirá, juridicamente, a obrigação de pagar, habilitando-se o fornecedor ao direito de receber a contrapartida financeira correspondente.    



[1] O Volume I do Manual dispõe sobre os Procedimentos Contábeis Orçamentários.
[2] Art. 73.
[3] Art. 74.
[4] Cognição corresponde a ato ou processo de conhecer, inclui estados mentais e processos como pensar, a atenção, o raciocínio, a memória, o juízo, a imaginação, o pensamento, o discurso, a percepção visual e audível, a aprendizagem, a consciência, dentre outras.

sábado, 22 de outubro de 2011

O RELATOR NOS TRIBUNAIS DE CONTAS

              Dependendo da esfera de governo onde atuem, temos quatro categorias de Tribunais de Contas no Brasil. Na esfera federal temos o Tribunal de Contas da União; no âmbito estadual os Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal; em algumas unidades federativas como os Estados do Pará e de Goiás, aparecem os Tribunais de Contas dos Municípios;  e, por fim, junto aos Municípios de São Paulo e Rio de Janeiro há o Tribunal de Contas do Município.

              Os tribunais de contas são órgãos administrados por um colegiado. No Tribunal de Contas da União cada membro desse colegiado é chamado de Ministro (nove Ministros); enquanto nos outros órgãos de contas temos os Conselheiros (sete Conselheiros). Tanto os Ministros quanto os Conselheiros possuem substitutos chamados de Auditores.

              Respeitadas as particularidades de cada estrutura, a relação entre os ministros/conselheiros e seus respectivos auditores (nos tribunais de contas) é a mesma existente entre os juízes titulares e seus juízes substitutos (na magistratura). Assim como os juízes substitutos atuam nas ausências do juiz titular (férias, afastamentos para tratamento de saúde etc.); os auditores também assumem as funções dos ministros e conselheiros nesses e em outros afastamentos. 

              Mas há ainda uma importante característica comum entre ministros/conselheiros e os auditores. Ambos relatam processos. E por assumirem essa função responsabilizam-se pelo seu saneamento, isto é, pela supressão de dúvidas e lacunas existentes no processo. O objetivo do saneamento é prepará-lo para ser  julgado pelo respectivo colegaido (Tribunal Pleno/Câmaras). Por isso são chamados de Relatores. Ser relator de um processo é, portanto, chamar para si a função de saneá-lo. O Relator é o presidente do processo (de prestação e tomada de contas, de admissões e concessões, de denúncias, de representações etc.). 

             Na função de relator os auditores produzem uma proposta de voto; enquanto os ministros/conselheiros proferem um voto. O voto (ou a proposta de voto) representam a conclusão do ministro/conselheiro (ou do auditor) sobre o processo. As propostas de votos formuladas pelos auditores podem ou não prevalecer. Tudo dependerá se os ministros/conselheiros concordarem com o ponto de vista dos auditores. Mas há duas situações em que os auditores formulam votos. A primeira é quando eles estão substituindo os ministros/conselheiros; a segunda é quando são convocados para compor quorum durante as sessões de julgamentos. No primeiro caso eles exercitam a judicatura plena; no último a judicatura restrita. 

              Quando estiverem no exercício da judicatura plena os processos distribuídos aos auditores serão por eles relatados na condição de ministro/conselheiro até o seu arquivamento. Ficarão permanentemente a eles vinculados.

              Dito de outra forma. 

            Todas as vezes que se manifestarem nesses processos  os auditores o farão como se fossem ministros/conselheiros. Terão, portanto, o mesmo "peso" dos titulares. Por isso mesmo, os ministros/conselheiros substituídos ficarão impedidos de votar na sessão de julgamento em que tais processos forem apreciados.

               Em síntese, poderíamos dizer:

               a) ministros, conselheiros e auditores presidem os processos que lhes forem distribuídos;
               b) por presidirem os procesos eles são chamados de relatores;
               c) o exercício da relatoria pelo auditor não depende de ele está ou não substituindo o ministro/conselheiro correspondente. Quando não está substituindo ministro/conselheiro o auditor preserva sua condição de relator;
               d) o auditor, assim como os ministros/conselheiros, é responsável pelo saneamento dos processos de sua relatoria. O saneamento é realizado pela supressão de dúvidas e/ou lacunas processuais preparando os autos para serem apreciados pelo órgão colegiado (Tribunal Pleno/Câmaras);
               e) nos afastamentos dos ministros/conselheiros (férias, etc.) os auditores exercem a judicatura plena. Nessa condição, proferem votos, de forma semelhante aos ministros/conselheiros substituídos;
               f) os auditores também exercem a jurisdição restrita, para fins de composição de quorum nas sessões de julgamento;
                g) quando não estão substituindo ministro/conselheiro os auditores proferem propostas de voto; quando exercem as jurisdições plena ou restrita,  manifestam votos.     

               

   

          

               
   

domingo, 16 de outubro de 2011

JULGAMENTO DAS CONTAS DE GESTOR JÁ FALECIDO: É POSSÍVEL?

             No dia de hoje (16/10/2011) a imprensa local deu destaque, talvez em tom de crítica, ao fato de o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas ter julgado as contas de alguém já falecido. Ainda que cause um certo desconforto, o fato é que o procedimento é perfeitamente possível. Pensemos na seguinte situação:

             Um gestor público apresentou sua prestação de contas no ano 2. As contas apresentadas foram relativas ao ano 1.  Foram identificadas algumas irregularidades nas contas, algumas delas ensejando a devolução de recursos. Chamado a se manifestar, o gestor apresentou suas justificativas.  Contudo, não conseguiu esclarecer os questionamentos formulados nem justificar parcelas de recursos gastos de forma irregular. Após as devidas análises, o processo finalmente foi a julgamento no ano 5. Infelizmente, o gestor faltoso veio a falecer no ano 4, mas após ter apresentado suas justificativas (ocorridas no ano 3). 

              Por expressa disposição constitucional o Tribunal terá de julgar suas contas, ainda que após seu falecimento. Do contrário, deixará de cumprir o disposto no inciso II do art. 40 da Constituição estadual e aí, sim, estará cometendo uma arbitrariedade. Portanto, a saída que nos pareceria mais plausível - arquivamento processual -, colide com o mandamento Constitucional.

                Apenas uma limitação lhe será imposta: a impossibilidade de aplicação de pena ao responsável falecido.  A razão, para tanto, decorre do inciso XLV do artigo 5º da Constituição Federal, ao determinar que nenhuma pena passará da pessoa do condenado. Ora, se somente o condenado é que poderá cumpri-la conclui-se, por óbvio, que a penalização de alguém falecido restará inócua. Daí a impossibilidade de penalizá-lo.

                   Mas isso não impedirá que o Tribunal julgue suas contas já que todas as etapas processuais foram observadas, isto é, houve pleno cumprimento do princípio do devido processo legal e todos os demais deles decorrentes (princípios do contraditório e da ampla defesa, dentre outros). No exemplo ilustrativo, havendo determinação para a devolução de recursos  a obrigação passará aos seus sucessores e contra eles também será executada, até o limite do valor do patrimônio transferido.  Essa disposição também encontra amparo na parte final do dispositivo federal mencionado.

           De se ressaltar, por último, que ao proferir o  julgamento pela irregularidade das contas de seus jurisdicionados não há que se falar em sanção, mas numa avaliação das contas anuais. É, por assim dizer, um juízo de valor que o Tribunal profere. Por isso ele poderá ser operado ainda que o responsável já tenha falecido, conforme descrito no exemplo dado.