segunda-feira, 26 de março de 2018

EMPRESA ESTATAL DEPENDENTE: CARACTERÍSTICAS

O conceito de empresa estatal dependente encontra-se no inciso III, art. 2º, da LRF. Nesse dispositivo há uma particularidade que merece ser destacada e que quase sempre passa desapercebida dos olhos dos leitores. 

O fato de ser uma empresa estatal dependente não significa, necessariamente, que ela não disponha de receitas próprias para custear suas despesas. O que acontece é que, muito embora haja recursos próprios, eles não são suficientes para cobrir todas as suas despesas. Há, portanto, um déficit entre as receitas e os dispêndios (próprios) que precisa ser fechado. A solução para esse problema vem do ente federado controlador que, lançando mão de suas próprias receitas, transfere recursos para a empresa controlada tornando-a dependente deste (financeiramente falando). 

Em situações mais extremas, é possível que a empresa controlada não disponha de nenhuma receita própria (fato raríssimo, mas que, em termos de probabilidade, é passível de ocorrer, mormente nos pequenos municípios). Em tais casos, o ente federado controlador se torna o principal mantenedor da empresa controlada. Sem essa assistência financeira, ela não conseguirá sobreviver. Nessa hipótese o grau de dependência será ainda maior, visto que não existirá nenhuma disponibilidade de recursos na empresa controlada. É evidente que nesse último cenário o ente federado terá que repensar o custo/benefício de sua política governamental em criar empresas estatais sem que elas caminhem com pernas próprias. Em tais circunstâncias, a empresa controlada funcionará à semelhança de uma secretaria, ou seja, dependerá inteiramente do tesouro central para tocar suas atividades. Isso poderá redundar na revisão da política adotada pelo ente federado quanto à criação e manutenção de suas empresas controladas, já que o modelo poderá estar onerando os cofres públicos levando-se em consideração a carga tributária incidente sobre a atividade empresarial. Por outro lado, é possível também que o modelo seja mantido dada a compatibilidade entre o custo e os benefícios daí decorrentes, aliado à essencialidade da atividade econômica desenvolvida. Tudo dependerá, certamente, das particularidades de cada caso. 

Uma dúvida: as receitas de uma empresa estatal dependente (se existirem) devem integrar o orçamento fiscal do ente controlador? Tomemos por referência o que dispõe o art. 5º da Lei nº 13.473/2017 – Lei das Diretrizes Orçamentárias da União para o exercício de 2018: “Os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social compreenderão o conjunto das receitas públicas, bem como das despesas dos Poderes, do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União, seus fundos, órgãos, autarquias, inclusive especiais, e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, das empresas públicas, das sociedades de economia mista e das demais entidades em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto e que dela recebam recursos do Tesouro Nacional, devendo a correspondente execução orçamentária e financeira, da receita e da despesa, ser registrada na modalidade total no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – Siafi”. O dispositivo dissipa qualquer dúvida. Portanto, as receitas das empresas controladas dependentes deverão integrar o orçamento fiscal e da seguridade social do respectivo ente controlador.

Clique AQUI  e veja a relação das empresas federais dependentes do governo federal. 

sábado, 10 de março de 2018

QUESTÃO DE CONCURSO PÚBLICO COMENTADA: CONTABILIDADE APLICADA AO SETOR PÚBLICO


(CESP-UNB/2012/Auditor/TCE-ES) A respeito das normas brasileiras de contabilidade aplicadas ao setor público, julgue o item a seguir.

O apoio à tomada de decisões em processos de compras ou de aluguel,  de produção ou de terceirização, a redução de custos e a melhoria dos gastos são objetivos do Sistema de Informação de Custos do Setor Público.

O Sistema de Informação de Custos do Setor Público é regulado pela Resolução CFC 1.366/11 (NBC T 16.11). O conteúdo da afirmativa está referenciado no tópico 3, alínea “c”, da norma. A preocupação com a mensuração dos custos no setor público foi uma das novidades introduzidas pela convergência da esfera governamental brasileira aos padrões internacionais de contabilização. Além do apoio à tomada de decisão, também constituem objetivos do Sistema:

1 - mensurar, registrar e evidenciar os custos dos produtos, serviços, programas, projetos, atividades, ações, órgãos e outros objetos de custos da entidade;
2 - apoiar a avaliação de resultados e desempenhos, permitindo a comparação entre os custos da entidade com os custos de outras entidades públicas, estimulando a melhoria do desempenho dessas entidades;
3 - apoiar as funções de planejamento e orçamento, fornecendo informações que permitam projeções mais aderentes à realidade com base em custos incorridos e projetados;
4 - apoiar programas de controle de custos e de melhoria da qualidade do gasto.

Afirmativa: correta.


QUESTÃO DE CONCURSO PÚBLICO COMENTADA: CONTABILIDADE APLICADA AO SETOR PÚBLICO


(CESPE/2016/Perito Criminal – Ciências Contábeis/Polícia Científica--PE)  Conforme o disposto nas Normas Brasileiras de Contabilidade aplicadas ao setor público, o objeto da CASP é
A) um conjunto de procedimentos administrativos que objetivam adquirir materiais, contratar obras e serviços, alienar ou ceder bens a terceiros, observando os princípios da administração pública.
B) a mensuração, a estruturação e as variações que geram reflexos no patrimônio público, além de apresentar temas específicos, como o sistema de custos.
C) determinar os valores pelos quais os elementos patrimoniais devem ser reconhecidos e apresentados nas demonstrações contábeis.
D) o conjunto de direitos e de bens, tangíveis ou intangíveis, onerados ou não, que seja portador ou represente um fluxo de benefícios, presente ou futuro, inerente à prestação de serviços públicos ou a exploração econômica por entidades do setor público e suas obrigações.
E) o orçamento público, contendo a discriminação da receita e da despesa de forma a evidenciar a política econômico-financeira e o programa de trabalho do governo. 

O objeto da Contabilidade Aplicada ao Setor Público é o patrimônio. A alternativa D reproduz o conteúdo do patrimônio das entidades do setor público públicas. Gabarito: D.


QUESTÃO DE CONCURSO PÚBLICO COMENTADA: CONTABILIDADE APLICADA AO SETOR PÚBLICO

CONTABILIDADE APLICADA AO SETOR PÚBLICO: CONCEITO, OBJETO, OBJETIVO, CAMPO DE ATUAÇÃO

(CESPE/2016/Auditor Fiscal de Controle Externo – Contabilidade/TCE--SC)  A respeito do campo de aplicação e dos objetivos da contabilidade pública, julgue o item a seguir.

Os objetivos da contabilidade aplicada ao setor público incluem informar os usuários da informação contábil relativa às mutações do patrimônio das entidades do setor público.

Como ramo da Ciência Contábil, o objetivo fundamental da Contabilidade Aplicada ao Setor Público é informar. Tendo em vista ser o patrimônio o seu objeto, obviamente que essa informação compreenderá as alterações (mutações) que nele ocorrerem para bem orientar os seus usuários. Gabarito: correta.

sábado, 3 de fevereiro de 2018

ESTÁGIO DA PREVISÃO DA RECEITA ORÇAMENTÁRIA: O QUE É?


Prever receitas orçamentárias significa tentar antever o volume de recursos que ingressará nos cofres públicos no exercício seguinte. A regra é a seguinte: se o orçamento se referir ao exercício de 2020, a previsão da receita deve ser realizada no exercício anterior, isto é, em 2019, ano em que será elaborada a proposta orçamentária para ser encaminhada ao legislativo (federal, estadual, distrital, municipal). A orientação é consequência do fato de em nosso País o período de vigência do orçamento público coincidir com o ano civil[1].   O ato de previsão não se mostra, assim, como uma tarefa fácil. É, antes de mais nada, atividade complexa e desafiadora, exigindo conhecimentos matemáticos, estatísticos e de conjuntura econômica, dentre outros. 

A Lei nº 4.320/64 fez referência a ele em seu art. 30, verbis:
a estimativa da receita terá por base as demonstrações[2] a que se refere o artigo anterior, a arrecadação dos três últimos exercícios, pelo menos, bem como as circunstâncias de ordem conjuntural e outras, que possam afetar a produtividade de cada fonte de receita.
O dispositivo assenta o ato de previsão da receita em duas bases: uma de natureza arrecadatória, relacionada ao volume de recursos arrecadados e uma segunda, de natureza circunstancial, em que deverão ser identificadas as variáveis que poderão concorrer para sua oscilação.

A respeito do volume dos recursos, o artigo determina que devem ser considerados não apenas o volume arrecadado no exercício em curso, mas também nos três últimos exercícios. A orientação visa primordialmente fazer com que o gestor possa ter elementos concretos acerca do nível arrecadado e se esse nível tem oscilado ao longo do tempo. Em caso afirmativo, deverá ser investigada qual foi a causa do movimento brusco, se ordinária ou extraordinária, isto é, se decorre de circunstâncias naturais ou não. Essa análise permitirá obter dados objetivos no tocante ao comportamento dos movimentos arrecadatórios que, por sua vez, serão muito úteis na projeção dos recursos a serem futuramente arrecadados.  As causas assim identificadas poderão ser, inclusive, de ordem conjuntural, consoante alude a parte final do dispositivo (inflação/deflação/preços estáveis, recessão/produção, câmbio estável/oscilante, política fiscal,  etc.) ou qualquer uma outra, considerada significativa e capaz de influenciar o ingresso dos recursos no futuro.     

Nesse contexto, a Lei Complementar nº 101/2000 conferiu mais concretude ao que  dispôs a Lei nº 4.320/64. Ela deu mais detalhes do que deve ser considerado no ato de prever receitas orçamentárias. Seu art. 12 determinou que as previsões da receita pública (i) observarão as normas técnicas e legais, (ii) considerarão os efeitos das alterações na legislação, da variação do índice de preços, do crescimento econômico ou de qualquer outro fator relevante e (iii) serão acompanhadas de demonstrativo de sua evolução nos últimos três anos, da projeção para os dois seguintes àquele a que se referem, e da metodologia de cálculo e premissas utilizadas.

Note que algumas variáveis não eram referidas explicitamente no corpo do texto da Lei nº 4.320/64, a exemplo do dever de observar as normas técnicas e legais ou do índice de preços. Assim, a nova disposição definiu melhor os procedimentos que deverão ser adotados pelo administrador público nessa importante fase da receita pública. Ele também inovou quanto à necessidade de projeção das receitas não apenas para o exercício em que vigorará a nova lei-de-meios, mas também para o imediatamente a seguir, computando, portanto, dois exercícios e não apenas um como até então era realizada.   

Por sua vez, o MCASP - 7ª Edição lembra que, no âmbito federal,

a metodologia de projeção de receitas orçamentárias busca assimilar o comportamento da arrecadação de determinada receita em exercícios anteriores, a fim de projetá-la para o período seguinte, com o auxílio de modelos estatísticos e matemáticos. A busca deste modelo dependerá do comportamento da série histórica de arrecadação e de informações fornecidas pelos órgãos orçamentários ou unidades arrecadadoras envolvidas no processo. A previsão de receitas é a etapa que antecede à fixação do montante de despesas que irão constar nas leis de orçamento, além de ser base para se estimar as necessidades de financiamento do governo.[3]

É evidente que a metodologia de previsão a ser utilizada dependerá da espécie de receita orçamentária que se pretende projetar, o que torna o processo de previsão da receita pública bem mais complexo. Dado o objetivo de nosso curso, não faremos maiores abordagens sobre o tema, ao mesmo tempo em que sugerimos ao leitor que, se desejar, aprofunde seus estudos a partir das fontes aqui referidas ou de outras julgadas pertinentes.

O estágio da previsão realiza-se por meio da publicação da lei orçamentária no órgão de imprensa oficial (diários oficiais). A publicação traz consigo dois efeitos: um jurídico e outro contábil que repercutirão, respectivamente, no mundo jurídico e no mundo contábil. Interessa-nos o último. Desta feita, no mundo contábil o ato será marcado por um  registro contábil correspondente, iniciando o processo de escrituração da receita orçamentária no setor governamental. A informação contabilizada será puramente de natureza orçamentária, movimentando contas das Classes 5 (Controles da Aprovação do Planejamento e Orçamento) e 6 Controles da Execução do Planejamento e Orçamento). Sinteticamente, esse estágio será marcado pelo seguinte registro contábil:

D- Previsão Inicial da Receita
C – Receita a Realizar  



[1] Art. 34 da Lei nº 4.320/64.
[2] As demonstrações às quais se refere o dispositivo correspondem às demonstrações mensais da receita arrecadada prevista no art. 29 do mesmo Diploma Legal.
[3] MCASP, p. 56.

NORMA-ORIGEM E NORMA-DERIVADA: O QUE É?



É sabido que o ordenamento jurídico corresponde ao conjunto das normas jurídicas (normas e princípios) de um país. Por outro lado, também é de conhecimento de todos que em seu interior as normas não estão dispostas ao acaso. Pelo contrário. O próprio ordenamento pressupõe a disposição de suas normas de maneira organizada, sistemática, daí, inclusive, o termo “ordenamento”, significando algo ordenado, isto é, disposto segundo uma ordem. Portanto, as normas que compõe um ordenamento jurídico não são dispostas a  esmo, de qualquer jeito. Elas seguem uma organização, uma disposição, de tal maneira que uma se compatibiliza com as demais formando um todo harmonizado.

Por sua vez, é imperioso destacar também que cada norma representa uma função no ordenamento jurídico. Não nos referimos propriamente à função de legislar sobre determinada matéria (direito financeiro, direito do trabalho, direito civil, etc.). Referimo-nos ao aspecto funcional mesmo de cada norma jurídica, isto é, à sua funcionalidade enquanto umas em relação às outras.  Nesse particular, ganha especial relevância a classificação das normas nos ordenamentos jurídicos e, dentro dessa classificação, merece acolhida a propositura do Prof. Tércio Sampaio Ferraz Júnior[1], construída a partir de critérios gerais sintáticos, semânticos e pragmáticos. Dentre esses critérios, é oportuna a classificação normativa de natureza sintática por levar em conta a comparabilidade entre as normas, tendo em vista justamente a função que cada uma desempenha no ordenamento jurídico.

Na classificação normativa de natureza sintática existe aquela que classifica as normas do ordenamento jurídico levando em consideração o aspecto da subordinação  entre as normas. Nessa modalidade classificatória distinguem-se as normas-origem e as normas-derivadas. Conforme as respectivas nomenclaturas fazem referência, as primeiras são a base das últimas enquanto estas decorrem das primeiras. Há uma certa dependência entre as duas categorias de normas. Na verdade, segundo o Prof. Tércio Júnior, há uma relação hierárquica entre ambas: as normas-origem são superiores às normas-derivadas. Em consequência dessa hierarquização as normas-derivadas não podem contrariar sua norma-origem, sob pena de serem consideradas inválidas.

No embate entre o Direito Material e o Direito Processual essa forma de pensar o Direito é muito útil.

Já é pacífico na Doutrina o fato de o Direito Processual funcionar como instrumento do Direito Material. Em última análise, a norma processual realiza a norma material, fazendo-a valer, na prática. Na verdade, o que há entre ambos é uma relação de completude. A regra processual completa a regra material formando um todo harmônico. Nessa forma de pensar o Direito, conquanto sejam ramos distintos da Ciência Jurídica, não há como negar o caráter derivado do Direito Processual. Gonçalves Marcus Vinícius Rios[2] já disse uma vez que “Os esforços dedicados à conquista da autonomia do processo civil levaram ao surgimento da ciência processual, ramo independente do direito. Mas alguns institutos de direito processual só são compreensíveis quando examinados à luz da relação que deve haver entre o processo e o direito material. É o caso, por exemplo, da ação e de suas condições. É impossível examinar a legitimidade ad causam dos litigantes, sem referência ao direito material alegado (grifamos).

Recorramos ao Instituto da curatela para melhor Ilustrar o que foi dito.

O Código Civil prevê o Instituto nos incisos I e II de seu art. 1.728, reconhecendo o Direito. Por sua vez, o Código de Processo Civil dispõe sobre os limites em que o Instituto poderá ser usufruído e como isso se dará. É a hipótese da tutela provisória de urgência (inciso I, parágrafo único, do art. 9º) que a norma processualística impede que sofra a  incidência da regra contida na norma cabeça[3] do mesmo dispositivo.

Portanto, de acordo com a classificação proposta, o Direito Processual é essencialmente uma norma-derivada enquanto o conteúdo do Direito Material é marcado por características de uma norma-origem. É bem verdade, porém, que não há exclusividade dessas matizes em cada um dos ramos apontados. Em outras palavras, aqui ou ali iremos encontrar elementos no Direito Processual que são mais de índole material que propriamente processual. O inverso também é verdadeiro no tocante ao Direito Material. Conquanto não perca suas características de norma-origem, vez ou outra alberga, em seu interior, distintivos  próprios do Direito Processual. Eu diria que a questão é mais de prevalência – e não de exclusividade - de uns elementos sobre os outros.

Cada um dos ramos mencionados comporta o que a Doutrina Jurídica nominou de Institutos Jurídicos.  Segundo Paulo Nader[4], o Instituto Jurídico é a reunião de normas jurídicas afins, que rege um tipo de relação social ou interesse e que se identifica pelo fim que procura realizar. Ihering chamou-os de corpos jurídicos, para distingui-los de simples matéria jurídica. Exemplo de Institutos Jurídicos no Direito Material seriam o “casamento”, “a posse”, “a falência” e o “domicílio”. Já “mandado de segurança” e “prisão provisória” são Institutos Jurídicos notadamente encontrados nas normas processuais. Nesse sentido, também os recursos previstos na norma processual seriam Institutos Jurídicos (apelação, agravo de instrumento, agravo interno, embargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, agravo em recurso especial ou extraordinário e embargos de divergência). Essa acepção está rigorosamente de acordo com a concepção proposta por Paulo Nader uma vez que os recursos (i) reúnem normas jurídicas afins (o capítulo que trata dos recursos nos códigos e nas leis ocupam compartimentos específicos dentro das normas onde são regulados); (ii) regem um tipo de relação social ou interesse (a relação se põe entre órgão julgador – que procura aplicar a norma jurídica/reapreciar a matéria já julgada  – e o recorrente) e (iii) que se identifica pelo fim que procura realizar (rediscussão e revisão da matéria já julgada). As “simples matérias jurídicas” referidas por Ihering dizem respeito, essencialmente, à operacionalidade dos Institutos Jurídicos. Elas, por assim dizer, colocam os Institutos em movimento, realizando-os no mundo jurídico. Ocupam, portanto, a parte periférica das relações jurídicas – conquanto não menos importante -, à maneira de satélites que orbitam em torno de um corpo celeste. Numa palavra: as matérias jurídicas adjetivam os institutos. É como se fossem normas-sujeito (os institutos) e normas-predicado (as matérias).      

É forçoso concluir, portanto, que há uma relação de dependência entre as matérias e os Institutos Jurídicos. Com efeito, não é razoável pensarmos em Institutos dissociados de suas respectivas matérias; e nem de matérias separadas de seus institutos. Ou seja, um depende do outro. Há também aqui, como outrora apontado na relação dos Direitos Material e Processual, uma relação de completude.  



[1] Professor Titular da Faculdade de Direito da USP.
[2] In Direito processual civil esquematizado-São Paulo: Saraiva,2011, p. 37.
[3] Art. 9o Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
[4] In Introdução ao Estudo do Direito”, Rio de Janeiro: Forense, 1998, 16ª ed., p. 100.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

O FILHO ÓRFÃO

(*) Texto publicado na minha Coluna Gestão no Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com)

Há muitos anos atrás vi um documentário sobre Pelé que chamou muito minha atenção. O documentário falava da genialidade dele, sua facilidade em lidar com a bola e fazer gols. Na oportunidade, foram entrevistados vários jogadores, cronistas esportivos e técnicos. Cada um deles falava sobre como viam Pelé, por que o consideravam como sinônimo de eficiência e perfeição. Um desses entrevistados foi o ex-jogador Gerson.

Segundo Gerson, Pelé foi o que foi pelo fato de ele “pensar uns 3 segundos na frente dos demais jogadores”. Por isso – dizia o canhotinha de ouro – Pelé foi tão bom.

É por aí.

Acontece o mesmo com as corporações empresariais mais eficientes do mundo. Elas não estão à frente das outras por acaso. Elas são como Pelé. Veem o futuro muito antes que ele se torne realidade. Por isso são o que são. Por isso elas são tão boas no que fazem.

As melhores corporações empresariais conseguem enxergar coisas que não são perceptíveis pela quase totalidade das demais. Por isso, distinguem nichos e movimentos nos mercados que não são capturados pelos olhos de  suas concorrentes. O resultado disso? Elevadas vendas, produtos de qualidade no mercado, ótimo conceito junto à sua clientela, são apenas alguns dos bons adjetivos que conseguem incorporar. Ou seja, elas dão o “bote” na hora certa, com precisão cirúrgica. 

Um dos poderosos aliados dessas corporações se chama ERP, sigla em inglês de Enterprise Resource Planning, ou, Planejamento dos Recursos Empresariais no bom Português. O nome, é bem verdade, não nos diz muita coisa. Por isso prefiro a sigla na língua nacional: SIGEM, que significa Sistema Integrado de Gestão Empresarial. O Sigem, conforme o próprio nome aduz, corresponde ao tratamento integrado das informações de uma corporação empresarial. Isso é tão importante no mundo empresarial que pode representar a vida ou a morte de uma organização. E o que é tratamento integrado de informações? 

Sabemos que no interior de uma empresa convivem inúmeras atividades. Mas sabemos também que qualquer que seja uma organização, seu tamanho e o segmento de mercado que atue, ela sempre irá ter que se preocupar com alguns blocos de informações que são questões bem primárias no mundo dos negócios: (i) quanto possuo em dinheiro? Seja em dinheiro vivo ou depositado nas casas bancárias; (ii) como estão minhas dívidas no curto e no longo prazo?; (iii) e, o que tenho para receber e quando isso ocorrerá? Afora essas questões, precisam também administrar outros blocos de informações paralelos, tais como, seu patrimônio, seu almoxarifado, sua responsabilidade perante o fisco, seus recursos humanos, seu orçamento, suas compras, dentre outras. 

Dependendo do tamanho da corporação, o gerenciamento de todas essas informações pode se tornar um problema já que serão muitas as frentes para coordenar. Certamente que isso não é tarefa fácil.

Mas ainda bem que a genialidade humana concebeu uma poderosa ferramenta que nos auxilia a lidar com problemas dessa natureza. Chama-se Tecnologia da Informação, popularmente conhecida como TI.

Na atualidade, a Tecnologia da Informação se incorporou de uma tal forma à nossa vida que é impossível vivermos sem ela. Agora mesmo, estou utilizando essa tecnologia diante de um computador para escrever esse texto. Se de uma hora para outra nos fossem  retirados todos os recursos que o mundo virtual nos proporciona talvez não sobreviveríamos, ou sobreviveríamos muito precariamente. Ou seja, não podemos mais viver sem TI. Ora, se isso é verdade para o mundo dos mortais, imagine para o mundo empresarial.

A TI inventou os softwares que são poderosos instrumentos capazes de fazer o que é humanamente impossível realizar. Os softwares suprimiram barreiras antes tidas como impossíveis de superar. Com eles e através deles podemos navegar para o infinito, visitando terrenos antes tidos como impossíveis de visitar. Pois bem. Para o mundo empresarial isso também foi um grande avanço. Eu diria, um avanço de proporções monumentais.

São os softwares que as auxiliarão no controle de todas as suas atividades, tais como suas contas a pagar e a receber, seu almoxarifado, recursos humanos, os bens e equipamentos que compõem o patrimônio empresarial, os custos e o consumo de materiais no processo produtivo, enfim, de tudo aquilo que diz respeito à tarefa de bem gerir o seu negócio.


Mas a adoção de softwares não é a solução de todos os problemas. Conquanto representem um avanço no trato e manejo das atividades empresariais, eles apenas superam uma primeira geração de problemas. Quem trabalha com diversos softwares em sua organização empresarial sabe que a FALTA DE COMUNICAÇÃO entre eles é uma pedra no seu sapato. E por que a ausência de comunicação entre os softwares atrapalha? Por que ela oportuniza tanto a ocorrência de  ERROS e a produção de FRAUDES? Preste atenção no diagrama a seguir:

Ele representa um banco de dados que não se comunica entre si. Possui quatro softwares, cada um cuidando de uma atividade (compras, almoxarifado, consumo, custo da produção), com quatro usuários inserindo informações pertinentes aos respectivos setores. Note que o fluxo de informação ocorre POR FORA DO BANCO DE DADOS, facilitando a ocorrência de ERROS e FRAUDES.

Há maior probabilidade da ocorrência de erros porque a estrutura não integrada requer o registro da mesma informação REPETIDAS VEZES nos sistemas. Ou seja, o mesmo dado é inserido no banco de dados mais de uma vez, por usuários distintos, justamente porque os softwares não se comunicam. Pensemos nos bens comprados. O primeiro registro é feito no sistema que gerencia as compras (usuário 1). Depois, é preciso incorporar a aquisição no almoxarifado, o que é realizado pelo segundo usuário. Posteriormente, tudo é novamente registrado para fins de uso do bem no processo produtivo (usuário 3). Por fim, o setor responsável pelos custos também faz um registro similar ao usuário três. Ora, sabemos que quanto maior for a participação humana no processo de registro das informações haverá maior probabilidade da ocorrência de erros. Até porque essa estrutura acaba favorecendo controles paralelos, mediante o uso de planilhas, p. exemplo, em Excel. Há dois momentos cruciais nessa estrutura. O registro da informação na planilha e sua alimentação posterior no sistema. Só aí já temos, pelo menos, 08 (oito) registros do mesmo dado no conjunto do sistema, uma vez que cada usuário registra duas vezes a mesma informação no seu ambiente de trabalho: em sua planilha e no próprio sistema. Mas o erro não é o pior de todos os males. Há outro bem mais perigoso: a fraude.     

Num ambiente desses os oportunistas de plantão encontram um terreno fértil para obter vantagens. Não é difícil concluirmos que um sistema não integrado favorece a manipulação de dados. A fraude é um erro intencional. E são muitos os que dela se utilizam. As organizações criminosas que o digam.  Nesse sentido, é possível o usuário 4 manipular os dados referentes aos custos empresariais, superavaliando-os, p. exemplo, para fugir à tributação. Esse tipo de manipulação, todavia, poderá ocorrer também nos outros três outros softwares.

Não nos esqueçamos, porém, que temos uma forte aliada que podemos e devemos contar em situações como essa. Mais uma vez ela, a Tecnologia da Informação. Muitas vezes não temos a noção do quanto ela poderá nos ser útil. E acabamos morrendo de fome diante de uma mesa farta. Aliás, ela já tem uma solução para esse tipo de ambiente. É o tal do SIGEM, o sistema integrado que me referi anteriormente.

A grande virtude do Sistema é integrar as informações, isto é, fazer com que todas as demais bases de dados conversem entre si, comunicando-se umas com as outras. Como assim? Vejamos como ficaria o nosso diagrama num ambiente integrado:

Note que a grande mudança consiste na AUTOMAÇÃO dos fluxos de informação. Eles não ocorrem mais por fora, MAS POR DENTRO DO SISTEMA, conforme apresentado no diagrama. Por se comunicarem, cada software replica, para o módulo seguinte, parte das informações nele registradas – as informações necessárias ao desempenho das atividades do próximo setor ou departamento.  É como se houvesse uma exportação de dados de um software para outro. Ou seja, a partir do primeiro registro, o próprio sistema faz o resto do trabalho. Com isso, reduz-se sobremaneira a interferência humana no registro das informações, reduzindo a ocorrência de erros, inibindo substancialmente a possibilidade de fraudes e imprimindo velocidade aos fluxos de informações. Num piscar de olhos, quase que instantaneamente, um dado registrado num módulo “salta” para outros compartimentos do sistema tornando-o disponível para ser usado. É nessa base de dados que as corporações empresariais mais eficientes do mundo estão assentadas. Elas usam e abusam dos sistemas integrados, pois já há muito tempo descobriram sua utilidade como poderosa ferramenta a auxiliá-las no complexo e duro jogo dos mercados onde atuam.

A seguir, apresentamos uma estrutura completa de um SIGEM: 


Mas o combate aos erros e às fraudes não é a única virtude de um sistema integrado. Há inúmeras outras. Duas outras delas são:

(i)                  O tratamento único e em tempo real das informações;
(ii)                A abrangência, pois compreende todos os sistemas (softwares) de uma organização (RH, Tesouraria, Contas a Pagar, Contas a Receber, cadastro de clientes e fornecedores, patrimônio, solicitações de compras e vendas, dentre outras) o que confere ao gestor uma visão panorâmica e ampla de todas as atividades de sua organização.

Dentre essas duas, uma é muito importante: o tratamento EM TEMPO REAL das informações. Ou seja, dispondo de um Sigem o empresário poderá contar com informações TEMPESTIVAS, isto é, como se diz no jargão popular, informações “fresquinhas”, que acabaram de ser produzidas, sempre atualizadas. Convenhamos, quem não gostaria de contar com uma base de dados que reúna essa qualidade? Por isso as grandes organizações empresariais estão à frente das outras. Elas não são grandes por acaso. Cercam-se das ferramentas de trabalho mais eficazes, que as projetam sempre para o alto e para frente, como uma catapulta. Como Pelé, elas enxergam muito antes das coisas acontecerem. São visionárias. 

E o setor público brasileiro? Será que poderia implantar um sistema integrado?
Olha, para quem não sabe, o SIGEM JÁ CHEGOU NO SETOR PÚBLICO BRASILEIRO. Ele foi gerado pela Lei Complementar nº 131/2009, conhecida como a Lei da Transparência. Vejamos o que diz o §  1º do art. 48 dessa Lei (que alterou a LC 101/2000): 

         § 1o   A transparência será assegurada também mediante:        

        I – (...);               
      II - liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público; e   
        III – adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A.                

Veja o que diz o inciso III do referido parágrafo. Trata-se do SIGEM no setor público. Ou seja, o dispositivo determina taxativamente sua adoção pelo setor governamental. Aliás, ele é uma das colunas que sustentam a transparência no Brasil. Uma segunda coluna gerada pela Lei foi o que se tornou conhecido entre nós como Portais de Transparência, mencionado no inciso II do mesmo parágrafo. Detalhe: esses dispositivos convivem conosco desde 28 de maio de 2009, quando o mencionado Diploma Legal foi publicado no Diário Oficial da União, isto é, já passados 8 anos e 8 meses aproximadamente de sua publicação. O problema é que, dos dois filhos gerados àquela época apenas um deles foi alimentado, tratado e cuidado: os portais de transparência. O outro permaneceu e permanece entre nós como um filho órgão, sem pai e sem mãe.

Nesses oito anos, muitas foram as ações em prol da construção dos portais de transparência. Eles se multiplicaram pelo País, fruto da atuação, ora dos órgãos incumbidos da fiscalização da transparência pública, ora de gestores comprometidos com a boa aplicação dos recursos públicos. Os portais ganharam a mídia nacional e o gosto da população e das instituições democráticas. Nada mais salutar. Sem dúvida alguma, foi (e está sendo) um avanço  gigantesco. Todos nós passamos a saber mais do que se passa no interior dos entes governamentais. Isso é inegável.

Agora, será que esse volume de informações é fidedigno? Será que os dados não estão sendo manipulados, resultados de erros e fraudes intencionais? O tamanho e a qualidade da informação contida nos bancos de dados públicos equivalem, em qualidade e em quantidade, àquelas disponibilizadas nos portais de transparência? A resposta? Olha, não podemos garantir.

Não é possível fazermos essa garantia pois o segundo dos filhos gerados pela Lei da Transparência – o tal sistema integrado - apenas nasceu. Até hoje ele permanece no berço, chupando o dedo. Foi esquecido ao longo de todos esses anos. É como se ele sequer tivesse existido. É essa a impressão que a gente tem.

E veja que paradoxo.

O inciso que deu à luz aos portais de transparência disse claramente que as informações disponibilizadas para a sociedade fossem EM TEMPO REAL. Ora, para quem não sabe, quase a totalidade dos portais de transparência dos municípios de todo o País são alimentados manualmente, principalmente nos pequenos municípios, que são a grande maioria deles. Essa realidade não muda muito no âmbito estadual e mesmo no contexto da União. A informação ainda está muito longe de ter um tratamento integrado. Ela ainda é gerada esfaceladamente, isto é, aos pedaços, em cada um dos sistemas adotados pelo poder público nacional. E são essas informações que migram para os portais de transparência, individualmente, de maneira não consolidada. Grosso modo, os dados contidos nos portais de transparência foram retirados do banco de dados ilustrado no primeiro dos diagramas que nos referimos anteriormente, com todas as suas limitações, isto é, sujeitos a uma infinidade de erros e um amontoado de fraudes. Não estamos aqui afirmando que os dados estão todos errados e/ou fraudados. O que queremos chamar a atenção é para a qualidade dessa informação, ante a ausência de comunicação entre os sistemas e suas naturais vulnerabilidades e limitações.

Curiosamente, a ferramenta que poderia solucionar esse problema foi deixada para trás. Ainda estamos dormindo em berço esplêndido quanto aos reclamos da Lei da Transparência no tocante à integração das informações.  

Vejamos os prazos que a própria Lei da Transparência deu aos entes federativos para implantarem o Sigem no setor público nacional. Eles estão referidos no art. 73-B:

 Art. 73-B.  Ficam estabelecidos os seguintes prazos para o cumprimento das determinações dispostas nos incisos II e III do parágrafo único do art. 48 e do art. 48-A:                
        I – 1 (um) ano para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios com mais de 100.000 (cem mil) habitantes;                   
        II – 2 (dois) anos para os Municípios que tenham entre 50.000 (cinquenta mil) e 100.000 (cem mil) habitantes;                     
        III – 4 (quatro) anos para os Municípios que tenham até 50.000 (cinquenta mil) habitantes.                      
        Parágrafo único.  Os prazos estabelecidos neste artigo serão contados a partir da data de publicação da lei complementar que introduziu os dispositivos referidos no caput deste artigo.                       

Ou seja, em 29 de maio de 2013 já era para que todos os entes integrassem seus sistemas. Mas até hoje, nada foi feito ou foi feito muito precariamente.

Para que alcancemos a desejada informação em tempo real no setor público seria preciso, primeiramente, que todos os entes federativos (União, estados, municípios) integrassem suas informações. Depois, que eles vinculassem a base de dados de seus respectivos sistemas aos portais de transparência, suprimindo a interferência humana em pontos cruciais no processamento das informações. Dessa forma, qualquer inserção, alteração ou retirada de dados do sistema (agora integrado) seria imediatamente registrado no portal de transparência do ente correspondente. Essa estrutura oportunizaria, por tabela, o tão sonhado acompanhamento e controle social em tempo real. 

Algo parecido com o seguinte diagrama:

Mas a Lei da Transparência não se limitou a dar à luz ao SIGEM no setor público nacional. Ela se preocupou com sua subsistência, provendo os recursos que ele necessitaria para sobreviver. E o fez na parte final do inciso III, § 1º, do art. 48:

       III – adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A.                

Ela fala a “padrão mínimo de qualidade”. E o que é isso? É que a integração das informações não poderá se dar de qualquer jeito. É preciso que o banco de dados reúna requisitos mínimos que assegure a fidedignidade das informações. Ou seja, não basta integrar os diversos bancos de dados. É preciso que o banco integrado possa ser confiável.  É dizer, é preciso que desde a entrada do usuário no sistema até sua saída, todos os seus passos sejam nele registrados, sem possibilidade alguma de serem apagados. Desta feita, o que for introduzido, retirado ou alterado no sistema poderá ser imediatamente rastreado. Ainda que sejam registradas novas informações, o sistema deverá ser capaz de conservar e disponibilizar  as informações alteradas para fins de consulta futura, a fim de confrontá-las com as registradas posteriormente. Só assim será possível avaliar se, de fato, as novas informações são lícitas ou ilícitas.  Isso é o que se chama de SISTEMA SEGURO E FIEL.   

Para tanto, o governo federal editou o Decreto nº 7.185/2010, publicado em 27 de maio de 2010 e que  reproduzo na íntegra: 



Dispõe sobre o padrão mínimo de qualidade do sistema integrado de administração financeira e controle, no âmbito de cada ente da Federação, nos termos do art. 48, parágrafo único, inciso III, da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI, alínea "a", da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 48, parágrafo único, inciso III, da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000,
DECRETA:
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS 
Art. 1o  A transparência da gestão fiscal dos entes da Federação referidos no art. 1º, § 3º, da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, será assegurada mediante a observância do disposto no art. 48, parágrafo único, da referida Lei e das normas estabelecidas neste Decreto.
Art. 2o  O sistema integrado de administração financeira e controle utilizado no âmbito de cada ente da Federação, doravante denominado SISTEMA, deverá permitir a liberação em tempo real das informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira das unidades gestoras, referentes à receita e à despesa, com a abertura mínima estabelecida neste Decreto, bem como o registro contábil tempestivo dos atos e fatos que afetam ou possam afetar o patrimônio da entidade.
§ 1o  Integrarão o SISTEMA todas as entidades da administração direta, as autarquias, as fundações, os fundos e as empresas estatais dependentes, sem prejuízo da autonomia do ordenador de despesa para a gestão dos créditos e recursos autorizados na forma da legislação vigente e em conformidade com os limites de empenho e o cronograma de desembolso estabelecido.
§ 2o  Para fins deste Decreto, entende-se por:
I - sistema integrado: as soluções de tecnologia da informação que, no todo ou em parte, funcionando em conjunto, suportam a execução orçamentária, financeira e contábil do ente da Federação, bem como a geração dos relatórios e demonstrativos previstos na legislação;
II - liberação em tempo real: a disponibilização das informações, em meio eletrônico que possibilite amplo acesso público, até o primeiro dia útil subseqüente à data do registro contábil no respectivo SISTEMA, sem prejuízo do desempenho e da preservação das rotinas de segurança operacional necessários ao seu pleno funcionamento;
III - meio eletrônico que possibilite amplo acesso público: a Internet, sem exigências de cadastramento de usuários ou utilização de senhas para acesso; e
IV - unidade gestora: a unidade orçamentária ou administrativa que realiza atos de gestão orçamentária, financeira ou patrimonial, cujo titular, em conseqüência, está sujeito à tomada de contas anual.
Art. 3o  O padrão mínimo de qualidade do SISTEMA, nos termos do art. 48, parágrafo único, inciso III, da Lei Complementar no 101, de 2000, é regulado na forma deste Decreto.
CAPÍTULO II
DOS REQUISITOS TECNOLÓGICOS
Seção I
Das Características do Sistema 
Art. 4o  Sem prejuízo da exigência de características adicionais no âmbito de cada ente da Federação, consistem requisitos tecnológicos do padrão mínimo de qualidade do SISTEMA:
I - disponibilizar ao cidadão informações de todos os Poderes e órgãos do ente da Federação de modo consolidado;
II - permitir o armazenamento, a importação e a exportação de dados; e
III - possuir mecanismos que possibilitem a integridade, confiabilidade e disponibilidade da informação registrada e exportada.
Art. 5o  O SISTEMA atenderá, preferencialmente, aos padrões de arquitetura e-PING – Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico, que define conjunto mínimo de premissas, políticas e especificações técnicas que regulamentam a utilização da Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) no Governo Federal, estabelecendo as condições de interação entre os Poderes e esferas de governo e com a sociedade em geral.
Seção II
Da Geração de Informação para o Meio Eletrônico de Acesso Público 
Art. 6o  O SISTEMA deverá permitir a integração com meio eletrônico que possibilite amplo acesso público, assegurando à sociedade o acesso às informações sobre a execução orçamentária e financeira conforme o art. 48, parágrafo único, inciso III, da Lei Complementar no 101, de 2000, as quais serão disponibilizadas no âmbito de cada ente da Federação.
Parágrafo único. A disponibilização em meio eletrônico de acesso público deverá:
I - aplicar soluções tecnológicas que visem simplificar processos e procedimentos de atendimento ao cidadão e propiciar melhores condições para o compartilhamento das informações; e
II - atender, preferencialmente, ao conjunto de recomendações para acessibilidade dos sítios e portais do governo brasileiro, de forma padronizada e de fácil implementação, conforme Modelo de Acessibilidade de Governo Eletrônico (e-MAG), estabelecido pela Portaria no 3, de 7 de maio de 2007, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Governo Federal.
Art. 7o  Sem prejuízo dos direitos e garantias individuais constitucionalmente estabelecidos, o SISTEMA deverá gerar, para disponibilização em meio eletrônico que possibilite amplo acesso público, pelo menos, as seguintes informações relativas aos atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução orçamentária e financeira:
I - quanto à despesa:
a) o valor do empenho, liquidação e pagamento;
b) o número do correspondente processo da execução, quando for o caso;
c) a classificação orçamentária, especificando a unidade orçamentária, função, subfunção, natureza da despesa e a fonte dos recursos que financiaram o gasto;
d) a pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento, inclusive nos desembolsos de operações independentes da execução orçamentária, exceto no caso de folha de pagamento de pessoal e de benefícios previdenciários;
e) o procedimento licitatório realizado, bem como à sua dispensa ou inexigibilidade, quando for o caso, com o número do correspondente processo; e
f) o bem fornecido ou serviço prestado, quando for o caso;
II - quanto à receita, os valores de todas as receitas da unidade gestora, compreendendo no mínimo sua natureza, relativas a:
a) previsão;
b) lançamento, quando for o caso; e
c) arrecadação, inclusive referente a recursos extraordinários.
CAPÍTULO III
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 8o  No prazo de cento e oitenta dias a contar da data de publicação deste Decreto, ouvidas representações dos entes da Federação, ato do Ministério da Fazenda estabelecerá requisitos tecnológicos adicionais, inclusive relativos à segurança do SISTEMA, e requisitos contábeis, considerando os prazos de implantação do Plano de Contas Aplicado ao Setor Público (PCASP), aprovados pela Secretaria do Tesouro Nacional.
Art. 9o  Este Decreto entra em vigor na data da sua publicação.

O Decreto nº 7.185/2010 foi complementado pela Portaria/MF nº 548, de 22 de novembro de 2010, que dispôs sobre o quesito da segurança do referido sistema em termos de TI, que também reproduzo na íntegra:

PORTARIA Nº 548, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2010

Estabelece os requisitos mínimos de segurança e contábeis do sistema integrado de administração financeira e controle utilizado no âmbito de cada ente da Federação, adicionais aos previstos no Decreto nº 7.185, de 27 de maio de 2010.

O MINISTRO DE ESTADO DA FAZENDA, no uso da atribuição que lhe confere o inciso II do parágrafo único do art. 87 da Constituição Federal, e tendo em vista o disposto no art. 8º do Decreto nº 7.185, de 27 de maio de 2010, resolve:

CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º O sistema integrado de administração financeira e controle utilizado no âmbito de cada ente da Federação doravante será denominado SISTEMA.
Parágrafo único. Para fins desta Portaria, entende‐se por:
I – usuário: é o agente que, após cadastramento e habilitação de acesso, realiza consultas e registros de documentos,  sendo responsável pela qualidade e veracidade dos dados introduzidos no SISTEMA.
II – administrador do SISTEMA: é o agente responsável por manter e operar o ambiente computacional do SISTEMA, sendo encarregado de instalar, suportar e manter servidores e bancos de dados.

CAPÍTULO II
DOS REQUISITOS DE SEGURANÇA DO SISTEMA

Art. 2º O SISTEMA deverá possuir mecanismos de controle de acesso de usuários baseados, no mínimo, na segregação das funções de execução orçamentária e financeira, de controle e de consulta.
§ 1º O acesso ao SISTEMA para registro e consulta aos documentos apenas será permitido após o cadastramento e a habilitação de cada usuário, com código próprio.
§ 2º O cadastramento de usuário no SISTEMA será realizado mediante:
I – autorização expressa de sua chefia imediata ou de servidor hierarquicamente superior; e
II – assinatura do termo de responsabilidade pelo uso adequado do SISTEMA.
§ 3º O SISTEMA deverá adotar um dos seguintes mecanismos de autenticação de usuários: Estabelece os requisitos mínimos de segurança e contábeis do sistema integrado de administração financeira e controle utilizado no âmbito de cada ente da Federação, adicionais aos previstos no Decreto nº 7.185, de 27 de maio de 2010.
I ‐ código e senha; ou
II ‐ certificado digital, padrão ICP Brasil. § 4º Caso seja adotado o mecanismo a que se refere o inciso I do parágrafo anterior, o SISTEMA deverá manter política de controle de senhas.
Art. 3º O registro das operações de inclusão, exclusão ou alteração de dados efetuadas pelos usuários será mantido no SISTEMA e conterá, no mínimo:
I ‐ código do usuário;
II ‐ operação realizada; e
III ‐ data e hora da operação. Parágrafo único. Para fins de controle, a consulta aos registros das operações a que se refere o caput estará disponível com acesso restrito a usuários autorizados.  
Art. 4º Caso seja disponível a realização de operações de inclusão, exclusão ou alteração de dados no SISTEMA via sítio na Internet, este deverá garantir sua autenticidade através de conexão segura.  
Art. 5º A base de dados do SISTEMA deverá possuir mecanismos de proteção contra acesso direto não autorizado.
§ 1º O acesso direto à base será restrito aos administradores responsáveis pela manutenção do SISTEMA e condicionado à assinatura de termo de responsabilidade específico.
§ 2º Fica vedado aos administradores referidos no § 1º, sujeitando à responsabilização individual:
I ‐ divulgar informações armazenadas na base de dados do sistema; e
II  ‐  alterar dados, salvo para sanar incorreções decorrentes de erros ou mal funcionamento do SISTEMA, mediante expressa autorização do responsável pela execução financeira e orçamentária, observado o art. 10 desta Portaria.
Art. 6º Deverá ser realizada cópia de segurança periódica da base de dados do SISTEMA que permita a sua recuperação em caso de incidente ou falha, sem prejuízo de outros procedimentos.

CAPÍTULO III
DOS REQUISITOS CONTÁBEIS DO SISTEMA

Art. 7º O SISTEMA deverá ser desenvolvido em conformidade com as normas gerais para consolidação das contas públicas editadas pelo órgão central de contabilidade da União, relativas à contabilidade aplicada ao setor público e à elaboração dos relatórios e demonstrativos fiscais e permitir:
I – compatibilizar, integrar e consolidar as informações disponíveis nos diversos Poderes, órgãos e entidades de cada ente da Federação;  
II – registrar e evidenciar todas as informações referidas no art. 7º do Decreto nº 7.185, de 27 de maio de 2010;
III – elaborar e divulgar as demonstrações contábeis e os relatórios e demonstrativos fiscais, orçamentários, patrimoniais, econômicos e financeiros previstos em lei ou acordos internacionais de que a União faça parte, compreendendo, isolada e conjuntamente, as transações e operações de cada órgão, fundo ou entidade da administração direta, autárquica e fundacional, inclusive empresa estatal dependente; e
IV – a identificação das operações intragovernamentais, para fins de exclusão de duplicidades na apuração de limites mínimos e máximos e na consolidação das contas públicas;
V – a evidenciação da origem e a destinação dos recursos legalmente vinculados à finalidade específica.
Art. 8º O SISTEMA deverá permitir o registro, de forma individualizada, dos fatos contábeis que afetem ou os atos que possam afetar a gestão fiscal, orçamentária, patrimonial, econômica e financeira.
Art. 9º O SISTEMA deverá conter rotinas para a realização de correções ou anulações por meio de novos registros, assegurando a inalterabilidade das informações originais incluídas após sua contabilização, de forma a preservar o registro histórico de todos os atos.
Art. 10. O SISTEMA, a partir dos registros contábeis, deverá:
I – gerar, em conformidade com o Plano de Contas Aplicado ao Setor Público aprovado pela Secretaria do Tesouro Nacional, o Diário, o Razão, e o Balancete Contábil;
II – permitir a elaboração das demonstrações contábeis, dos relatórios e demonstrativos fiscais, do demonstrativo de estatística de finanças públicas e a consolidação das contas públicas. Parágrafo único. Dos documentos de que trata este artigo, constarão a identificação do SISTEMA, a unidade responsável, a data e a hora de sua emissão.
Art. 11. Para fins do cumprimento do disposto no artigo anterior e em conformidade com os prazos previstos no § 3º do art. 165 da Constituição Federal e no § 2º do art. 55 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, o SISTEMA ficará disponível:
I  ‐  até 31 de dezembro, para registro de atos de gestão orçamentária, financeira e patrimonial relativos ao exercício financeiro;
II – até o último dia do mês para ajustes necessários à elaboração dos balancetes do mês imediatamente anterior; III – até 30 de janeiro, para ajustes necessários à elaboração das demonstrações contábeis do exercício imediatamente anterior.
§ 1º Ressalvado o disposto no art. 9º desta Portaria, o SISTEMA deverá impedir registros contábeis após o balancete encerrado.
§ 2º Deverão ser observadas, suplementarmente ao disposto nesta Portaria, as normas relativas a requisitos contábeis estabelecidas pelo órgão central de contabilidade de cada ente da Federação, inclusive quanto ao encerramento do exercício e ao estabelecimento de prazos inferiores aos definidos neste artigo.

CAPÍTULO IV
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 12. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação, gerando efeitos nos prazos aprovados pela Secretaria do Tesouro Nacional para a implantação do Plano de Contas Aplicado ao Setor Público (PCASP).

Destaque-se o Capítulo II da referida Portaria (Dos Requisitos de Segurança do Sistema). A meu ver, é o coração da norma.

Destaque-se, ainda, o disposto no art. 6º da mencionada norma, que exige a produção de CÓPIA PERIÓDICA DO BANCO DE DADOS DO SISTEMA. Vejamos:

Art. 6º Deverá ser realizada cópia de segurança periódica da base de dados do SISTEMA que permita a sua recuperação em caso de incidente ou falha, sem prejuízo de outros procedimentos.

Ora, um dos problemas crônicos que enfrentamos na virada de mandato dos prefeitos municipais é a constante perda de dados. Há casos de completa falta de informação. Eu mesmo soube de situações em que os computadores foram retirados da comuna (um absurdo!), o que prejudica a todos. A geração de cópias de seguranças periódicas – que poderiam ser, inclusive, guardadas em locais distintos, como nos tribunais de contas, nas casas legislativas ou  no próprio Ministério Público – resolveria de vez esse problema que se repete de quatro em quatro anos nas legislaturas municipais.

Não bastasse isso, toda a informação municipal dos municípios amazonenses (e do resto do Brasil, com raras exceções) estão nas mãos de softwares privados o que redobra a insegurança. Ora, as informações são públicas. Elas pertencem e são de interesse público. Devem ser armazenadas, portanto, em softwares de propriedade das prefeituras e câmaras e não da iniciativa privada.   Uma completa inversão de valores.

E aí? Nossa criança vai continuar na orfandade ou, finalmente, encontrará um lar?

ALIPIO REIS FIRMO FILHO

Conselheiro Substituto – TCE/AM