EVIDENTEMENTE, QUE O MUNDO AGUARDA, ANSIOSAMENTE, POR UMA VACINA CONTRA A COVID-19. SEM ELA, ESTAREMOS COM OS PÉS E AS MÃOS ATADOS E UMA GRANDE ESPADA SOBRE A CABEÇA.
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sexta-feira, 14 de agosto de 2020
SOBRE A VACINA RUSSA CONTRA O NOVO CORONAVÍRUS
O TAL VÍRUS CHINÊS
(*) Texto publicado na Coluna Gestão (do autor) no Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com)
Nesse tempo de pandemia
já vi de tudo. Desde opiniões e teses muito bem elaboradas a declarações sem fundamento
e sem ligação alguma com a realidade ou com o bom senso. Aqui no Brasil, boa
parte delas, movidas por preferências políticas. Infelizmente, ainda
reverenciamos nossas autoridades como se fossem celebridades. O que elas
disserem está dito. Colocamos figuras políticas acima dos interesses nacionais,
como se tudo que falassem ou fizessem fosse irretocável, perfeito e acabado. Algo
como um semideus (ou como um deus?). Outras vezes, demonizamos opiniões
alheias, divorciadas de nossas próprias preferências políticas, como se elas
nunca acertassem ou acrescentassem algo de bom.
A prudência e o bom
senso nos aconselham a evitarmos qualquer extremo. O meio-termo é sempre muito
bem-vindo. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. O ponto médio é preferível a
qualquer um deles.
Uma das declarações
mais comuns refere-se à origem do novo coronavírus. No Brasil e na comunidade internacional
correu a notícia de que ele teria sido fabricado em laboratórios chineses e que
a China seria, portanto, a grande vilã da pandemia mundial.
É bem verdade que em
muitos recantos do território chinês existem verdadeiras caixas-pretas. Pouco
se sabe ou superficialmente as conhecemos. Principalmente quando envolvem
relações políticas, dada à forma de governo por lá adotada. Mas o cenário
sombrio não pode funcionar como um cheque em branco. Algo como um dogma diante
do qual só teríamos duas opções: acreditar ou desacreditar cegamente. Sem
nenhuma conjectura cognitiva.
Em terrenos tão incertos,
a razão e o conhecimento científico sempre serão bons conselheiros.
Sobre a suposta
origem laboratorial do novo coronavírus em terras chinesas, há algumas questões
que precisam ser levadas em consideração.
A primeira delas,
diz respeito à estrutura genética do próprio vírus. A maioria dos cientistas
que estudaram sua estrutura afirmam que ele não foi geneticamente modificado.
Segundo matéria publicada no Sciensealert (www.sciencealert.com)
em 17/07/2020 “A composição genética ou
"genoma" do SARS-CoV-2 foi sequenciada e compartilhada publicamente milhares de vezes por cientistas em todo o
mundo. Se o vírus tivesse sido geneticamente modificado em um laboratório,
haveria sinais de manipulação nos dados do genoma”. Em outras palavras,
estruturas genéticas manipuladas sempre deixam “cicatrizes”, como se fossem “pegadas
na areia”.
O novo coronavírus
faz parte de uma família de vírus. Todos os demais membros da família –
inclusive o próprio – apresentam genomas com pontos semelhantes que indicam a
evolução natural a partir de animais (morcegos, camundongos, animais domésticos).
Evidentemente que a comunidade
científica internacional não é unânime em admitir considerações dessa natureza,
mas a grande maioria as admite. Ademais, diante da obscuridade em torno do vírus,
é natural que existam opiniões divergentes. O certo é que, afirmações no
sentido de “decretar” a origem laboratorial do vírus terá que responder, ainda
que minimamente, às considerações expendidas, inspiradas na estrutura genética
do novo coronavírus. Do contrário, não passarão de suposições, sem base
científica alguma, semelhantes às que admitem a existência de marcianos no
planeta marte.
Não bastasse considerações
no campo da biologia, as leis da economia também oferecem preciosos subsídios.
Todos, na mesma direção.
Se o vírus realmente
foi fabricado pelos chineses então, pela primeira vez, desde quando inaugurou
sua mais que exitosa reforma econômica em 1978, o grande dragão deu um tiro no
próprio pé. A ideia pode ter sido a pior estratégia – economicamente falando –
dos últimos 42 anos da China. Um erro primário. Elementar. Digno de um
fracassado. Quiçá, a pior opção, quando comparada às estratégicas econômicas de
seus principais concorrentes no mercado internacional (EUA, Japão, União
Europeia).
A prevalecer a tese,
a China foi duplamente ferida de morte.
Segundo dados do
Fundo Monetário Internacional, toda a riqueza produzida pela China em 2019 correspondeu
a 14,38 trilhões de dólares (ou, 77,22 trilhões de reais, ao câmbio atual). Em
2018, esse valor estava representado por 13,61 trilhões (ou, 73,08 trilhões de
reais, também ao câmbio atual). A diferença de 0,77 trilhões de dólares que
separam os dois anos equivale ao crescimento do PIB chinês em 2019 em relação a
2018.
De acordo, ainda,
com o FMI, a previsão de crescimento do PIB chinês em 2020 será de apenas 1%,
ou seja, 0,14 trilhões de dólares, se comparado ao PIB de 2019, ou seja, muito
abaixo do crescimento experimentado em 2019 (em relação a 2018). Será o mais
baixo crescimento da economia chinesa nos últimos 25 anos.
Já ouvi muita gente
dizendo que o grande negócio da China foi lançar o vírus no mundo e depois
faturar com a vacina que, supostamente, também já estaria pronta (já que o
vírus fora fabricado por eles). Poucas vezes vi afirmações tão absurdas. Matematicamente e economicamente falando afirmações dessa
natureza não possuem o mínimo fundamento.
Basta fazermos as
contas.
No mundo somos 7,5
bilhões de pessoas. Quanto custaria a dose de uma vacina contra a Covid-19? Jason Schwartz, professor assistente de
políticas de saúde na Escola de Saúde Pública de Yale (EUA), afirma que muito
provavelmente o preço não será o mesmo no mundo. Nos EUA poderá custar
200 dólares, mas nos 50 ou 60 países de
renda mais baixas no mundo poderá girar em torno de 3 ou 4 dólares. Segundo
ele, o custo menor é explicado pela ajuda internacional promovida pelos países
mais ricos.
Qualquer que seja o preço considerado – 3, 4 ou 200 dólares –
o valor bruto faturado com a venda da
vacina aos 7,5 bilhões de almas oscilaria entre 22,5 bilhões de dólares (ao
custo de 3 dólares) e 1,5 trilhões de dólares (ao custo de 200 dólares).
No tocante a este último cenário – o mais positivo deles - é
preciso levar em consideração, entretanto, que muitos governos ao redor do mundo
estão subsidiando as pesquisas, assumindo custos, a fim de obter a vacina e
distribui-la gratuitamente entre seus residentes. Isso “puxará para baixo” o
custo final de uma dose. Sendo assim, dificilmente a dose da vacina custará o equivalente
a duas centenas de dólares aos 7,5 bilhões de humanos.
Ademais, a China não é a única na corrida para fabricar uma
vacina. Juntamente com as três vacinas chinesas que atualmente
estão na fase mais avançada das pesquisas (fase III de quatro fases), há mais
três concorrentes que também se encontram na mesma fase: uma inglesa, uma
americana e outra alemã. Portanto, a fatídica ideia de vender vacinas para faturar
com ela não passa de um grande engodo. Não haverá exclusividade chinesa e,
ainda que houvesse, os valores faturados nem sequer chegariam perto dos
prejuízos sofridos pela economia chinesa com a pandemia conjugados com as perdas
que atingiram seus parceiros comerciais em todo o mundo.
Não bastasse isso, a
pandemia apanhou em cheio todos os países que consomem produtos chineses ou
vendem para a China. A pandemia deixou (e continua deixando) um rastro de
desgraça por toda parte onde ela pisou. Há choro e ranger de dentes em todos os
recantos do mundo.
Segundo o FMI, pela
primeira vez, todas as regiões do globo estão em recessão. A previsão para a Zona do Euro é uma queda de
-10,2%, América Latina e Caribe de -9,4%, Oriente Médio e Ásia Central de -4,7%
e África Subsaariana de -3,2%. A China, que desde 1999 registra taxas de
crescimento acima de 6%, crescerá apenas 1% em 2020. Entre as economias
avançadas, apenas o Japão terá a menor queda: -5,8%. Os demais: -8% (EUA),
-7,8% (Alemanha), -12,5% (França), -12,8% (Itália), Espanha (-12,8%), -10,2%
(Reino Unido), -8,4% (Canadá). Entre as economias emergentes e em
desenvolvimento, o cenário não muda muito: -4,5% (Índia), -6,6% (Rússia), -9,1%
(Brasil), -10,1% (México), -6,8% (Arábia Saudita), -5,4% (Nigéria) e -8,0%
(África do Sul). Na África Subsaariana – composta por 48 países – a renda per
capita cairá 5,5% em 2020, apresentando níveis de 10 anos atrás. Ou seja, tudo
o que foi construído na última década virará fumaça. Talvez, o nível de renda
duramente construído nos últimos dez anos precisará outra de década (ou mais
anos) para alcançar o patamar atual. Em síntese: um retrocesso brutal.
Ou seja, o tal vírus
chinês teria a “virtude” de matar todas as suas galinhas de ovos de ouro...
Em síntese, não
apenas a economia chinesa amargou grandes prejuízos com a pandemia, mas também
todos os países que fornecem produtos para ela e/ou compram seus produtos
Em outras palavras:
seria razoável admitirmos a atitude de um estabelecimento comercial que
decidisse acabar, de uma hora para a outra, com todos aqueles que compram seus próprios produtos? Isso não representaria sua
própria ruína? Seria lógica uma atitude assim? Sinceramente, é o tipo da equação
que não dá para fechar. As variáveis não batem e a solução muito provavelmente nunca será alcançada.
Alipio Reis Firmo Filho
Conselheiro Substituto – TCE/AM e Doutorando em Gestão
sábado, 25 de julho de 2020
CONSELHEIROS SUBSTITUTOS NOS TRIBUNAIS DE CONTAS: UMA FORÇA EM DESEQUILÍBRIO
terça-feira, 21 de julho de 2020
CHINA: ESSE GIGANTE DA ECONOMIA MUNDIAL
(*) Artigo publicado na Coluna Gestão, do autor, no Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com)
Talvez nem mesmo
Deng Xiaoping, inspirador e condutor da reforma econômica chinesa, iniciada em
1978, tinha uma ideia da dimensão que ela alcançaria 42 anos depois. Na
verdade, durante os 20 primeiros anos o mundo ocidental sequer se dava conta da
silenciosa revolução econômica chinesa já que ela praticamente passou
despercebida nas primeiras duas décadas. Quando o mundo se deu conta, já era
tarde. A economia chinesa transformara-se num gigante. Um verdadeiro rolo
compressor. Seu PIB passou de 149,5 bilhões de dólares em 1978 para 14,38
trilhões em 2019. Menor apenas que a economia americana e três vezes maior que
o PIB japonês, terceira maior economia do planeta.
Segundo Wong K. Shin,
autor de “A China Explicada para Brasileiros”, o crescimento econômico chinês possui
três pilares: direção, sentido e continuidade. Muitos países e instituições
conseguem até imprimir direção e sentido aos seus negócios, mas a maioria
naufraga no último deles. Não há continuidade. Os planos de desenvolvimento se
transformam em eternos começos e recomeços. No setor público, é muito comum um governante fazer seus próprios planos (quando
fazem!) e descartar o que resta do último ou, simplesmente ignorá-lo. Cada um
deseja deixar a sua marca. A sua “logo”. As suas digitais. Não há compromisso
com o País. O único compromisso é consigo mesmo, com seus aliados políticos e
com a próxima candidatura.
A China fez
diferente. Muito diferente. Na verdade, ela deu continuidade ao que já fazia
parte de seu quotidiano desde 1953: os planos quinquenais. Mas incorporou um
elemento novo: a abertura econômica. Mas não foi fácil.
Quando Deng Xiaoping
manifestou a ideia de a China conjugar o sistema socialista com conceitos
capitalistas durante a Terceira Sessão do 11º Congresso do Partido Comunista,
realizado em dezembro de 1978, recebeu duras críticas de alas conservadoras
chinesas marxistas, de simpatizantes de Mao Tsé-Tung e de outros que lutavam
para manter seus nichos de poder. Somente
dez anos depois é que Deng Xiaoping finalmente conseguiu consolidar suas
ideias, impulsionando a economia chinesas a níveis jamais vistos.
A estratégia de
abertura econômica, no entanto, manteve nas mãos do Estado setores
estratégicos. Por meio deles o Governo chinês consegue enxergar o rumo de tudo
o que acontece no País. Ao mesmo tempo, oportuniza grandes investimentos
privados que fizeram com que o Produto Interno Bruto chinês decolasse forte nos
últimos 30 anos.
Dois terços da
economia chinesa foi entregue à iniciativa privada. No entanto, a terceira
parte é representada pela forte indústria chinesa, que permanece nas mãos do
Estado. Exploram três principais
segmentos: utilidade pública, indústria pesada e recursos energéticos. Juntamente
com a agricultura, a indústria é responsável por 60% do PIB chinês e 2/3 de sua
força de trabalho. Outro setor que é fortemente controlado pelo Estado é o das
instituições financeiras. 98% das ações de instituições financeiras pertencem
ao governo chinês. Dentro do sistema financeiro há um gigante chamado Banco
Popular da China que, além de realizar as funções clássicas de um Banco
Central, também é responsável por administrar as contas dos organismos públicos, além de administrar seus
recebimentos/pagamentos. Financeiramente falando, é por meio dessa complexa
estrutura que o Estado chinês sabe tudo o que está acontecendo não apenas no
setor público, mas também no setor financeiro privado.
O Banco também
controla o comércio exterior. É por meio dele que são realizadas
remessas/recebimentos de recursos do/para (o) exterior. Nenhuma entrada/saída
de recursos do País, portanto, permanece à revelia do Banco estatal e, por
extensão, do governo chinês.
Ao lado do Banco
Popular da China há outros gigantes financeiros: o Banco de Desenvolvimento, o
Banco Agrícola, o Banco Chinês de Construção e o Banco Industrial e Comercial
da China que atuam em setores específicos, canalizando e direcionando linhas de
créditos para irrigar a economia chinesa em pontos estratégicos. Todos eles
controlados pelo poderoso braço estatal.
Conquanto controlada
pelo Estado chinês, a economia chinesa foi flexibilizada em aspectos
nevrálgicos o que a possibilitou respirar o suficiente para se exercitar,
ganhar massa muscular e crescer. Foi isso que ela fez e vem fazendo nos últimos
anos. Os números da economia chinesa são impressionantes.
De 1999 a 2019 ela
cresceu acima de 6%. Em 2007 alcançou sua maior taxa de crescimento: 14,2%. Apenas
para se ter uma ideia, naquele mesmo ano o PIB mundial cresceu 5,2%. Ou seja, a
China cresceu três vezes mais que a média mundial.
É o País que mais
exporta no mundo e o segundo que mais importa. Em 2019 as exportações chinesas
alcançaram 2,499 trilhões de
dólares. 49% desse valor chegou aos países asiáticos; 20,1% aos EUA e 19,9% à
Europa. O restante foi pulverizado entre a África, América Latina e Oceania.
Para a África e América Latina as exportações foram, praticamente, no mesmo valor,
respectivamente, 4,5% e 4,2%.
Exportações
dessa magnitude produziram também reservas cambiais fabulosas. A chinesa gira atualmente
em torno de 3,1 trilhões de dólares. Apenas a título de comparação, as reservas
cambiais brasileiras fecharam 2019 com 356,88 bilhões de dólares. Ou seja, as
reservas chinesas equivalem a, aproximadamente, nove vezes mais que as do
Brasil.
Por
outro lado, por ser pobre em recursos naturais, a China importa muitas commodities do resto do mundo. Isso
ajudou a impulsionar muitas economias ao redor do planeta, ricas em recursos
naturais como a economia brasileira. Ou seja, parte das promissoras taxas de
crescimento econômico experimentadas pelo Brasil entre 2002 e 2010 podem ser
creditadas ao forte consumo da indústria chinesa. Sem ela, muito provavelmente
não teríamos crescido tanto ou chegado aos níveis de crescimento que havíamos chegado.
Em 2019 a China
apresentou um superávit comercial de 429,6 bilhões de dólares, um número abaixo
do registrado em 2015 (593,9 bilhões), mas 19,6% superior a 2018 (359,2
bilhões).
Segundo a prestigiada
revista inglesa The Economist, a maioria dos iPhones fabricados no mundo são
provenientes da China. Ou seja, de cada 2 iPhones produzidos no mundo, 1 foi
fabricado pela economia chinesa.
É bem verdade que o mundo
ainda olha com certa desconfiança para a China. Principalmente para seu Governo
socialista. Muitos acusam o governo chinês de “esconder o jogo”, guardar muitos
segredos, revelar aquilo que é oportuno para ele, enfim, consideram o
território chinês uma verdadeira caixa preta.
Nada obstante, é
importante ter em conta, porém, que o salto dado pela economia chinesa,
especialmente nas últimas duas décadas, deve nos convidar à reflexão. Como ela,
outros países do mundo decidiram fazer diferente em determinado momento de suas
Histórias. Japão e Coréia do Sul estão entre eles. Todos que fizeram essa opção
obtiveram ganhos de produtividade e melhoraram significativamente o padrão de
vida de suas populações.
A dúvida é: quando o
Brasil tomará a sua própria decisão? Quando mudaremos o curso de nossa
História? Quando optaremos pelo coletivo? Quando pensaremos menos nos cargos
públicos eletivos e mais (muito mais) na população? Quando nossos planos de
desenvolvimento e crescimento econômicos sairão do papel e encarados com
seriedade? Quando esses mesmos planos servirão, efetivamente, de instrumento
para geração de emprego, renda e bem estar social? Quando pensaremos o País
para 20, 40, 50 ou 60 anos na frente, ao invés de um ou dois mandatos eletivos?
Permanecem estes e outros
questionamentos. Permanece o exemplo chinês que, ainda que segurado pelas
amarras de um governo altamente conservador, conseguiu dar passos gigantescos e
mudar o curso de sua própria História.
Alipio
Reis Firmo Filho
Conselheiro
Substituto – TCE/AM e Doutorando em Gestão
quarta-feira, 8 de julho de 2020
GESTÃO CONTÁBIL: O QUE É?
O art.
70 da Constituição da República é quem
regula o controle das contas públicas no Brasil. Segundo esse dispositivo:
Art. 70. A fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da
administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade,
economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida
pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle
interno de cada Poder.
Parágrafo
único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada,
que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores
públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma
obrigações de natureza pecuniária.
O alcance e a profundidade do dispositivo
ficariam melhor compreendidos se lhe fosse acrescentada uma “palavrinha mágica”:
gestão. Ficaria assim: “A
fiscalização da gestão contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da
União (...)”. O acréscimo do termo à disposição constitucional não lhe imprimiria
propriamente um novo significado. Serviria para lhe explicitar seu real sentido.
Gerir significa orientar pessoas debaixo
de uma cultura organizacional. Cada entidade tem sua própria cultura
organizacional. A cultura de uma organização é sua identidade. O fator que a
diferencia de todas as demais. Grosso modo, a personalidade de um indivíduo
está para ele assim como a cultura está para a organização que a cultiva.
A missão de uma entidade, seus valores e
seus objetivos expressam, de uma maneira geral, sua cultura. Com efeito, todas
as decisões por ela tomadas, assim como as motivações, avaliações e
reavaliações de seu capital intelectual têm
por fim, única e exclusivamente, orienta-lo no sentido de realizar sua cultura
da organização.
A gestão tem por foco as pessoas, mas se preocupa
também com a sinergia entre elas e os demais recursos postos à disposição do
gestor (materiais, financeiros, tecnológicos).
Pois bem. Trata-se da configuração pretendida
pelo legislador constituinte originário. A busca pela eficiência na gestão está
nele representada. Do contrário, não faria sentido algum avaliar as condutas
dos administradores públicos como regular, regular com ressalvas ou irregular
pelos tribunais de contas.
Dentro desse contexto, a primeira conduta
a ser avaliada refere-se à gestão
contábil.
É comum ouvir de muitos contadores
públicos, assim como muitos escritórios contábeis que prestam serviços para o
setor público - prefeituras e câmaras de pequenos municípios, principalmente – quando
questionados sobre a prática de determinadas irregularidades envolvendo
balanços e rubricas contábeis, o seguinte jargão: “eu não posso ser
responsabilizado. Não sou gestor. Não administrei dinheiro ou manipulei bens
públicos. Quem tem que responder por isso é o ordenador de despesas”.
Esse tipo de argumento não tem fundamento,
ante às disposições do art.70 do Texto Constitucional.
Nele, há três naturezas de elementos
geridos: dinheiros, bens e valores
públicos. A responsabilidade do
contador público (ou daqueles que prestam serviços de contabilidade para os
organismos públicos) funda-se no último desses elementos, qual seja, os valores
públicos.
Numa acepção bem ampla, os valores
públicos compreendem qualquer elemento de gestão não representados propriamente
por dinheiros ou bens. Nessa categoria estão, p. exemplo, os títulos públicos,
emitidos para captar recursos no mercado privado e/ou servir de instrumento de
política monetária, a fim de debelar surtos inflacionários. Contam-se, ainda,
qualquer papel ou nota que incorporam e representam valores públicos, como contratos e documentos comerciais. Também
podem ser representados pelas cédulas e moedas estrangeiras tutelados pelos organismos
públicos que, muito embora não possam servir de moeda nas transações comerciais
dentro do Território Nacional – uma vez que não possuem valor comercial segundo
norma do Banco Central – incorporam, na sua essência, o conceito de valores
públicos. Pensemos também nos metais preciosos como o ouro e equivalentes que
igualmente se enquadram nessa modalidade de objetos geridos.
Pois bem. Conforme visto, há uma infinidade
de elementos geridos que podem ser classificados como valores públicos e que,
por extensão, estão sujeitos à fiscalização dos tribunais de contas.
A
responsabilidade na gestão contábil nasce precisamente do dever de os serviços
de contabilidade representarem, FIELMENTE, o patrimônio governamental, em qualidade
e em quantidade. Nesse sentido, a representação contábil do patrimônio público
deve ser um espelho do conteúdo real (dinheiros + bens).
Qualquer
discordância entre eles conduzirá, fatalmente, à leitura errônea do conteúdo
governamental pela sociedade (cidadãos e instituições) e, consequentemente, à
responsabilização cível e penal do profissional que lhe deu causa, inclusive,
com a comunicação ao seu Conselho Regional para a tomada de providências no
âmbito disciplinar. Essa providência, contudo, não exime a responsabilidade
perante os tribunais de contas, com todas as consequências decorrentes de sua
conduta faltosa (aplicação de multas, condenação solidária pela devolução de
recursos, inabilitação para participar de licitações, impedimento para assumir
cargos de comissão no setor público). Nessa linha de entendimento, o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas,
por meio da Resolução/TCE nº 15/2013, equiparou aos funcionários públicos os
contabilistas e as organizações contábeis que prestam serviços para os
municípios amazonenses, nos seguintes termos:
Art. 19. Os contabilistas
ou organizações contábeis que prestem serviço ou assessoria contábil aos entes
públicos municipais serão equiparados a funcionários públicos, conforme § 1o do art. 327 do Código
Penal e responsabilizados administrativa, civil e penalmente nos termos das
legislações específicas e outras especiais, respeitadas as jurisdições
inerentes a cada caso, pelos atos que tenham, de alguma forma, influenciado ou sido
determinante para transgressão da lei ou para a concretização do dano ou
prejuízo ao erário.
Parágrafo
único. Além das providências administrativas adotadas pelo TCE e CRC, não
exclui a representação ao MPE, a fim de que se proceda ao ajuizamento da ação
penal cabível, quando da prática de ato configurador de ilícito penal.
A
reprimenda é bastante oportuna. Principalmente agora quando os ventos da
transparência pública sopraram forte sobre o setor público nacional
(Lei n. 12.527/2011 e Lei Complementar n. 131/2009). Com efeito, os signos
contábeis devem estar perfeitamente sintonizados com os signos patrimoniais. Os
primeiros têm que expressar, rigorosamente, o conteúdo dos últimos, sob pena de
responsabilização de quem lhe deu causa, a saber, primeiramente, os
responsáveis pela escrituração contábil e também os ordenadores de despesa. Mas
a cadeia de responsabilidade pode ser ainda maior, vindo a alcançar todos
aqueles que, direta ou indiretamente, concorreram para a má gestão dos valores
públicos, representados aqui pelas rubricas e balanços governamentais.
Nesse sentido, é
importante fazer remissão à Norma Brasileira de Contabilidade, NBC TSP Estrutura
Conceitual, de 23 de setembro de 2016, do Conselho Federal de Contabilidade que,
em seu Capítulo 3, pontua, exaustivamente, as características qualitativas que a
informação contábil deve reunir. São elas: a relevância, a representação
fidedigna, a compreensibilidade, a tempestividade, a comparabilidade e a
verificabilidade. Vejamos, em linhas gerais, quais as características de cada
uma delas.
Relevância:
é relevante a informação quando ela puder confirmar
ou predizer algo. Se reunir qualquer uma dessas características ou as duas
concomitantemente, deverá ser objeto de registro contábil.
Representação
fidedigna: é
uma das qualidades mais importantes da informação contábil. Segundo ela, os
registros têm que corresponder exatamente aos contornos do fenômeno econômico
ou qualquer outro fato digno de ser representado pela Contabilidade. Para
tanto, segundo a mesma norma, a informação deve estar completa, neutra e
livre de erro material tanto quanto possível.
Compreensibilidade:
a informação deve ser facilmente assimilada
pelos usuários.
Tempestividade:
essa qualidade é particularmente invocada e
reforçada pela Lei da Transparência (Lei Complementar n. 131/2009), que exige a
informação EM TEMPO REAL no setor público. Não serve a informação contábil que
demora a ser produzida, pois desgarra-se, no tempo, dos fenômenos que motivam
seu registro. Tornam-se informações obsoletas carecendo de utilidade. Não
servem para a tomada de decisão ou qualquer outra forma de uso que os usuários
possam dela extrair.
Comparabilidade:
a informação contábil deve ser produzida de
tal forma que possa ser comparada com outras. Para tanto, é primordial a adoção
de padrões que possam acomodar realidades distintas.
Verificabilidade:
os registros contábeis não devem ser um fim em
si mesmos. Eles devem estar suportados por evidências. São as evidências que
conferem à informação contábil essa qualidade.
Se a informação contábil
incorporar todos esses elementos, a conduta do gestor contábil estará muito
próxima do esperado. Todavia, faltando-se um, alguns ou todos os elementos
apontados, não haverá outra saída senão responsabilizá-lo, como, aliás, são
responsabilizados todos os demais gestores (gestores orçamentários, financeiros,
patrimoniais e operacionais). Nem mais,
nem menos.
Com efeito, o registro contábil
do valor de dinheiros e bens públicos acima ou abaixo de seu verdadeiro valor
atrai a responsabilização do gestor contábil. Não somente dele, mas de todos quanto com ele,
direta ou indiretamente, concorreram para a irregularidade na gestão.
Não bastasse isso, também a Lei n. 4.320/64 já impunha deveres aos serviços de contabilidade na gestão dos valores públicos.
O art. 87 já determinara ao contador que mantivesse o controle contábil dos direitos e obrigações oriundos de ajustes ou contratos em que a administração pública fosse parte. Por sua vez, o art. 88 impõe o dever de os débitos e créditos serem escriturados com individualização do devedor ou do credor e especificação da natureza, importância e data do vencimento, quando fixada. Também o art. 89 determina que a contabilidade evidencie os fatos ligados à administração orçamentária, financeira patrimonial e industrial. Por último, o artigo 85 observa que os serviços de contabilidade deverão ser organizados de forma a permitirem o acompanhamento da execução orçamentária, o conhecimento da composição patrimonial, a determinação dos custos dos serviços industriais, o levantamento dos balanços gerais, a análise e a interpretação dos resultados econômicos e financeiros.
Sobre este último mandamento, entendo que o imperativo legal é dirigido tanto aos profissionais à frente da gestão contábil quanto aos próprios ordenadores de despesas. Quanto a estes últimos, são eles que, originariamente, são os responsáveis por dotarem tais serviços das condições necessárias para bem servir aos propósitos públicos. Omissões nessa conduta ou atitudes negligentes ensejam, portanto, sua responsabilização.
Além dos referidos dispositivos, todos os demais (arts.90/106) devem igualmente ser considerados quando da avaliação da gestão contábil pelos tribunais de contas.