Entre os iniciantes no aprendizado das finanças públicas tenho notado que há uma grande confusão na interpretação de alguns conceitos adotados na Contabilidade Pública e também tratados pela
disciplina Orçamento Público. Um deles é quando nos referimos às receitas
extraorçamentárias.
Receita
extraorçamentária e Orçamento Público
A
rigor, quando o assunto é orçamento público, não há como admitirmos a
existência das receitas
extraorçamentárias. E por que não há? Por uma razão simples: o conceito colide
frontalmente com o Princípio da Universalidade da Receita Pública: a lei orçamentária anual de cada ente
federado deverá conter todas as receitas e despesas de todos os poderes,
órgãos, entidades, fundos e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público
(art. 3º da Lei 4.320/64). Ora, se todas as receitas devem estar contidas na
lei orçamentária, não há plausabilidade alguma para a existência de receitas
paralelas, isto é, fora da previsão orçamentária. Portanto, o reconhecimento da
existência (ou mesmo a coexistência) das receitas extraorçamentárias (no
contexto orçamentário) conduz a um certo desconforto e até mesmo leva a um contrassenso.
Mas
é importante destacar que a própria Lei 4.320/64 admite que nem toda receita
dos entes federativos se resume às receitas orçamentárias. Existem uma gama de
recursos que não compõem a previsão orçamentária. Ela mesma relaciona quais são
esses recursos (parágrafo
único do art. 3º da Lei 4.320/64):
a) as operações de credito por antecipação da
receita;
b) as emissões de papel-moeda; e
c) outras entradas compensatórias, no ativo e
passivo financeiros.
Seriam
esses recursos as receitas extraorçamentárias? Certamente.
É
importante ter em conta que o Princípio da Universalidade – no que tange às
receitas públicas – incide sobre todos os valores destinados a financiar os
gastos de governo (folha de pagamento, despesas com a manutenção da estrutura
estatal, construção de obras públicas, etc.). Desta feita, os recursos que
ingressam nos cofres públicos mas que não se destinam ao financiamento das
despesas governamentais estão fora do seu raio de incidência. A partir dessa
premissa, existem duas modalidades de recursos que chegam ao caixa do governo
ao longo de cada ano:
1
– recursos que não serão destinados ao financiamento dos gastos governamentais;
2
– recursos que serão aplicados no pagamento das despesas públicas.
Os
Mestres Aliomar Baleeiro e Régis Fernandes de Oliveira chamam o primeiro grupo
de Movimentos de Caixa; e o segundo de receitas propriamente ditas.
Para
ambos, os movimentos de caixa representam entradas com destino de saídas. Mas
essas saídas não se destinariam ao financiamento das despesas públicas. Nessa
categoria estariam as cauções em dinheiro oferecidas por algum licitante para
garantir a execução de seu contrato, os depósitos judiciais, as antecipações de
receitas orçamentárias, dentre outras. Todos eles ingressariam nos cofres
públicos mas lá não permaneceriam em definitivo. O Estado não seria o seu
titular e seu destinatário final. Por isso mesmo, deverão ser entregues ao seu
real proprietário no futuro. É o caso também das consignações em folha. Tais
recursos apenas transitariam temporariamente pelos cofres públicos.
Não é o que acontece com a segunda modalidade de ingressos. Esses seriam, efetivamente, receitas públicas já que representariam entradas definitivas, não transitórias. Destinar-se-iam ao pagamento dos gastos públicos. Em razão disso, têm de integrar, necessariamente, a previsão orçamentária, em respeito ao Princípio da Universalidade. Abrangeriam três grupos de recursos: as receitas originárias, derivadas e transferidas. As originárias, provenientes da exploração do próprio patrimônio público (receita patrimonial e outras). As derivadas, coletadas no patrimônio dos particulares (receitas tributária e de contribuição). As transferidas compreendendo as transferências constitucionais e legais.
Receita
extraorçamentária e Contabilidade Pública
Assim
como o orçamento público, também a Contabilidade Pública utiliza o termo “receitas
extraorçamentárias”. Tanto aqui como ali o critério é o mesmo. São ingressos
não definitivos nos cofres públicos. Todavia, o registro contábil ajuda a diferenciá-los dos ingressos orçamentários. Vejamos:
1 – Registro contábil
das receitas extraorçamentárias:
D
– Caixa ou Equivalente de Caixa (Classe 1 do PCASP)
C
- Passivo (Classe 2 no PCASP)
2 – Registro contábil
das receitas orçamentárias:
2.1 – Para as receitas
que não passam pela etapa do Lançamento: Fato modificativo aumentativo
D
– Caixa ou Equivalente de Caixa (Classe 1 do PCASP)
C
– Variação Patrimonial Aumentativa (Classe 4 do PCASP)
2.2 – Para as
receitas que passam pela etapa do Lançamento: Fato permutativo
D
- Caixa ou Equivalente de Caixa (Classe 1 do PCASP)
C
– Créditos a Receber (Classe 1 do PCASP)
Note
que o registro contábil 1 traduz contabilmente a característica principal das
receitas extraorçamentárias: a sua não definitividade de permanência nos cofres
públicos (regra geral, pois em certas circunstâncias tais receitas perdem essa
característica vindo a incorporar-se, em definitivo, aos cofres públicos). Há,
portanto, um passivo (exigível) sendo creditado representando ser este o
verdadeiro destinatário da receita registrada. Futuramente, quando lhe for
devolvido o valor será feito o seguinte registro contábil:
D
– Passivo
C
– Caixa ou Equivalente de Caixa
É
importante destacar ainda que os doutrinadores recorrem aos termos ENTRADAS
ou INGRESSOS para se referirem genericamente a todo e qualquer valor que entra
nos cofres públicos. Uma parte dessas entradas ou ingressos são representadas pelas
receitas públicas propriamente ditas, enquanto a outra parte é composta pelas receitas
extraorçamentárias. Ambas são, portanto, espécies daquelas.