sábado, 26 de setembro de 2015

RECEITA EXTRAORÇAMENTÁRIA E PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE

Entre os iniciantes no aprendizado das finanças públicas tenho notado que há uma grande confusão na interpretação de alguns conceitos adotados na  Contabilidade Pública e também tratados pela disciplina  Orçamento Público.  Um deles é quando nos referimos às receitas extraorçamentárias.  

Receita extraorçamentária e Orçamento Público

A rigor, quando o assunto é orçamento público, não há como admitirmos a existência das  receitas extraorçamentárias. E por que não há? Por uma razão simples: o conceito colide frontalmente com o Princípio da Universalidade da Receita Pública: a lei orçamentária anual de cada ente federado deverá conter todas as receitas e despesas de todos os poderes, órgãos, entidades, fundos e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público (art. 3º da Lei 4.320/64). Ora, se todas as receitas devem estar contidas na lei orçamentária, não há plausabilidade alguma para a existência de receitas paralelas, isto é, fora da previsão orçamentária. Portanto, o reconhecimento da existência (ou mesmo a coexistência) das receitas extraorçamentárias (no contexto orçamentário) conduz a um certo desconforto e até mesmo leva a um contrassenso.  

Mas é importante destacar que a própria Lei 4.320/64 admite que nem toda receita dos entes federativos se resume às receitas orçamentárias. Existem uma gama de recursos que não compõem a previsão orçamentária. Ela mesma relaciona quais são esses recursos (parágrafo único do art. 3º da Lei 4.320/64):


a) as operações de credito por antecipação da receita;
b) as emissões de papel-moeda; e
c) outras entradas compensatórias, no ativo e passivo financeiros. 

Seriam esses recursos as receitas extraorçamentárias? Certamente.

É importante ter em conta que o Princípio da Universalidade – no que tange às receitas públicas – incide sobre todos os valores destinados a financiar os gastos de governo (folha de pagamento, despesas com a manutenção da estrutura estatal, construção de obras públicas, etc.). Desta feita, os recursos que ingressam nos cofres públicos mas que não se destinam ao financiamento das despesas governamentais estão fora do seu raio de incidência. A partir dessa premissa, existem duas modalidades de recursos que chegam ao caixa do governo ao longo de cada ano:

1 – recursos que não serão destinados ao financiamento dos gastos governamentais; 

2 – recursos que serão aplicados no pagamento das despesas públicas.

Os Mestres Aliomar Baleeiro e Régis Fernandes de Oliveira chamam o primeiro grupo de Movimentos de Caixa; e o segundo de receitas propriamente ditas.

Para ambos, os movimentos de caixa representam entradas com destino de saídas. Mas essas saídas não se destinariam ao financiamento das despesas públicas. Nessa categoria estariam as cauções em dinheiro oferecidas por algum licitante para garantir a execução de seu contrato, os depósitos judiciais, as antecipações de receitas orçamentárias, dentre outras. Todos eles ingressariam nos cofres públicos mas lá não permaneceriam em definitivo. O Estado não seria o seu titular e seu destinatário final. Por isso mesmo, deverão ser entregues ao seu real proprietário no futuro. É o caso também das consignações em folha. Tais recursos apenas transitariam temporariamente pelos cofres públicos.

Não é o que acontece com a segunda modalidade de ingressos. Esses seriam, efetivamente, receitas públicas já que representariam entradas definitivas, não transitórias. Destinar-se-iam ao pagamento dos gastos públicos. Em razão disso, têm de integrar, necessariamente, a previsão orçamentária, em respeito ao Princípio da Universalidade. Abrangeriam três grupos de recursos: as receitas originárias, derivadas e transferidas. As originárias, provenientes da exploração do próprio patrimônio público (receita patrimonial e outras). As derivadas, coletadas no patrimônio dos particulares (receitas tributária e de contribuição). As transferidas compreendendo as transferências constitucionais e legais.    

Receita extraorçamentária e Contabilidade Pública

Assim como o orçamento público, também a Contabilidade Pública utiliza o termo “receitas extraorçamentárias”. Tanto aqui como ali o critério é o mesmo. São ingressos não definitivos nos cofres públicos. Todavia, o registro contábil ajuda a diferenciá-los dos ingressos orçamentários. Vejamos:

1 – Registro contábil das receitas extraorçamentárias:

D – Caixa ou Equivalente de Caixa (Classe 1 do PCASP)
C -  Passivo (Classe 2 no PCASP)

2 – Registro contábil das receitas orçamentárias:

2.1 – Para as receitas que não passam pela etapa do Lançamento: Fato modificativo aumentativo

D – Caixa ou Equivalente de Caixa (Classe 1 do PCASP)
C – Variação Patrimonial Aumentativa (Classe 4 do PCASP)

2.2 – Para as receitas que passam pela etapa do Lançamento: Fato permutativo

D - Caixa ou Equivalente de Caixa (Classe 1 do PCASP)
C – Créditos a Receber (Classe 1 do PCASP)

Note que o registro contábil 1 traduz contabilmente a característica principal das receitas extraorçamentárias: a sua não definitividade de permanência nos cofres públicos (regra geral, pois em certas circunstâncias tais receitas perdem essa característica vindo a incorporar-se, em definitivo, aos cofres públicos). Há, portanto, um passivo (exigível) sendo creditado representando ser este o verdadeiro destinatário da receita registrada. Futuramente, quando lhe for devolvido o valor será feito o seguinte registro contábil:

D – Passivo
C – Caixa ou Equivalente de Caixa

É importante destacar ainda que os doutrinadores recorrem aos termos ENTRADAS ou INGRESSOS para se referirem genericamente a todo e qualquer valor que entra nos cofres públicos. Uma parte dessas entradas ou ingressos são representadas pelas receitas públicas propriamente ditas, enquanto a outra parte é composta pelas receitas extraorçamentárias. Ambas são, portanto, espécies daquelas.    


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