Ao contrário do que alguns mal informados pensam, não bastam apenas cursos e palestras para que a Lei da Transparência (Lei Complementar 131/2009) seja efetivamente implantada. Eu mesmo já tive a oportunidade de abordar (e continuo abordando) o tema várias vezes em sala de aula. Os cursos, seminários, palestras e similares são importantes, mas para um primeiro momento, isto é, quando o público está "cru" não conhecendo, portanto, nada da Lei; ou, ainda, quando o público possui apenas uma noção geral sobre o tema e deseja aprofundar seus conhecimentos.
Contudo, num segundo momento, é preciso que se abandone a retórica e se vá para a PRÁTICA. É necessário que se "meta a mão na massa", senão as coisas não irão acontecer. E "meter a mão na massa" não se limita a separar algumas horas/aula e dizer ao final: pronto! o meu gestor já está habilitado! Os problemas estão todos resolvidos! Já temos os pressupostos para que a Lei seja efetivamente implantada! Quem pensa assim ainda está na idade da pedra (não sei se da pedra lascada ou da pedra polida). Essa é somente a primeira parte do problema. Arriscaria mesmo a dizer que esse primeiro momento não é a melhor parte. A melhor parte vem depois, pois envolve a mudança de ROTINAS e PROCEDIMENTOS no âmbito dos entes federativos.
E quando se enfrenta o lado prático da Lei a coisa muda (muito) de figura. Alterar rotinas e introduzir novos procedimentos exigirá conhecimento de causa. Como fazer? Por onde começar? Vou dar-lhes um exemplo disso.
Aqui no Estado do Amazonas existem 62 (sessenta e dois) municípios. Tirando a capital, a quase totalidade deles processa a sua execução, financeira e contábil de forma terceirizada, por meio da contratação de escritórios localizados em Manaus. A informação é processada da seguinte forma: de tempos em tempos, as prefeituras e câmaras de vereadores encaminham suas informações para esses escritórios. Em seguida, eles as registram num sistema contábil (há muitos no mercado). Temos aqui um problema: caso as informações não sejam enviadas para esses escritórios os dados não são processados. (tenho conhecimento de prefeituras no interior de meu Estado que não emitiu nenhuma nota de empenho durante todo o ano de 2012!!). Mas o problema não é apenas esse. Há muitos escritórios que, muito embora de posse dessas informações, também não as registram. Resultado: fica um buraco no registro das informações contábeis, orçamentárias e financeiras da prefeitura/câmara. No último ano eleitoral, então, a coisa "pega" pois o novo prefeito municipal irá se deparar com uma completa falta de informação. Com a Lei da Transparência, contudo, essa situação tende a mudar.
O que o Diploma pede é que os entes federativos adotem um Sistema Integrado de Administração Financeira e Controle (vide art. 1º da Lei). Isso muda muito, especialmente em se tratando dos municípios amazonenses.
Os escritórios que até então eram responsáveis pelo registro das informações passam a ser apenas um COADJUVANTES nesse processo e não mais o ator principal. E quem irá assumir esse papel principal? os próprios servidores dos entes federativos!! São eles que irão registrar as informações e não mais os escritórios terceirizados. Eles (os servidores) irão ser o principal vetor em todo o contexto das mudanças. É assim que acontece no governo federal e em muitos outros entes federativos, especialmente nos estados e grandes municípios. São os seus servidores, nos próprios lugares onde exercem suas atividades, que registram as informações nos sistemas informatizados (emissão de empenho, liquidação de uma despesa, pagamento das obrigações, etc.).
Mas sabemos que isso não é tarefa fácil. Primeiramente, porque os servidores nunca realizaram esse papel. Além disso, a mudança exige que alteremos, conforme dissemos, as ROTINAS e os PROCEDIMENTOS internos do ente. As novas rotinas e procedimentos têm de ser simples, de fácil assimilação. Afinal de contas, estaremos tratando com pessoas, muitas vezes, não especializadas no assunto. Teremos de prepará-las para, p. exemplo, emitirem empenhos, liquidarem despesas, registrarem um pagamento ou darem baixa/incorporarem um bem. Isso é um grande desafio! Especialmente em se tratando de pessoas que nunca fizeram isso. Exatamente aqui reside o papel dos tribunais de contas.
Muitos poderiam argumentar que esse papel seria exercido pelo órgão de controle interno. De fato. Mas... e quanto aos municípios que ainda não contam com um órgão de controle interno estruturado como é o caso dos municípios interioranos amazonenses? Caberá ao tribunal de contas respectivo assumir esse papel. Pesará sobre os órgãos de controle externo a responsabilidade por dar a assistência necessárias a tais municípios (nesse processo de mudanças), ainda que em grau de supervisão. Até porque ele será um dos beneficiários diretos dessas mesmas mudanças.
Ora, particularmente aqui no interior do Amazonas, o trabalho será imenso, a começar pelas grandes distâncias que separam boa parte dos municípios amazonenses da capital, Manaus. Mas esse não será o principal desafio.
Será preciso que o gestor redefina todo o seu fluxo de informação interno, a fim de compatibilizá-lo com o (novo) sistema integrado de administração financeira e controle exigido pela Lei Complementar 131/2009. Ora, se isso não é tarefa fácil para quem já convive com sistemas de grande porte (a União possui o SIAFI, o Estado do Amazonas possui o AFI a Prefeitura de Manaus conta com o AFIM), imagine, então, para um ente que nunca teve essa experiência. Será que algumas horas/aulas - como querem alguns dirigentes de órgãos de controle externo - bastam??? Duvido muito!!!