Houve um tempo em que o
Judiciário nacional não censurava as decisões das bancas de concursos públicos.
Muitos magistrados diziam que as decisões das bancas eram intocáveis. Ao Poder
Judiciário falecia a competência para criticá-las. Apenas em situações isoladas
– mais ou menos, 10% das ações – é que um ou outro magistrado criticava a
decisão das bancas. Mas a regra não era essa. Vigorava a soberania das bancas.
O que elas dissessem, estava dito e ponto final.
Felizmente isso é coisa
do passado. A realidade mudou. As decisões das bancas já não passam tão ao
largo das críticas do Judiciário nacional. Muito pelo contrário! Nos últimos
anos a magistratura tem se debruçado cada vez mais sobre algumas condutas, no
mínimo, “estranhas” das bancas de concursos públicos.
Um dos que mais defendem
a competência do Judiciário para intervir nas decisões das bancas é o Ministro
do Superior Tribunal de Justiça, Herman Benjamin. Em Voto proferido na Segunda
Turma do STJ, no qual apreciava um mandado de segurança impetrado por um candidato
que rogava a nulidade de várias questões do concurso que havia participado, ao
argumento que o conteúdo exigido nas questões não fazia parte do conteúdo
programático do certame, o Ministro pontuou: cabe ao Judiciário “pôr algum freio” nesses casos excepcionais,
justamente para não dar margem à formação de uma “intocabilidade e
infalibilidade das comissões de concurso”. “Se não houver uma instituição
isenta, com conhecimento de causa, para limitar ou mitigar esses abusos, vamos
terminar, aí sim, em uma República de bacharéis, no sentido mais pernicioso da
expressão”. O caso foi objeto do Recurso em Mandado de Segurança nº
49.896, da Relatoria do Ministro OG Fernandes, acompanhado na íntegra pela
Segunda Turma do STJ. A firme jurisprudência do STJ considera que a censura é
cabível pois o ato praticado pelas bancas de concursos públicos não se
configura como um ato de mera gestão. Trata-se, segundo o STJ, de um “ato
típico de direito público, vinculando-se ao juízo jurídico- administrativo. Em
razão disso, deve observar os princípios que vinculam toda a Administração,
como a supremacia do interesse público, legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, eficiência e todos os demais”. É o que consta no excerto do
informativo de jurisprudência do STJ a seguir:
Em outro julgado (REsp
1689499 SC 2017/0189768-0), a Ministra Assusete Magalhães, também do STJ, perfilhando essa mesma linha de
entendimento destacou que “a jurisprudência pátria vem reconhecendo a
sindicalidade judicial de erro grosseiro verificando em enunciados de questões
de prova de concurso público (erro material primo ictu oculi), notadamente
porque a discricionariedade administrativa não se confunde com a arbitrariedade
ou a abusividade, sendo certo que conveniência e oportunidade não são conceitos
absolutamente isentos de análise judicial (...) Verificada a existência de erro
material no enunciado e no respectivo espelho de respostas da peça processual
relativos à segunda etapa do X Exame Unificado da Ordem dos Advogados do
Brasil, necessária se mostra a intervenção judicial, com a anulação dos
quesitos pertinentes, em homenagem aos princípios regentes do atuar
administrativo, em especial a proteção da confiança dos administrados”.
O Supremo Tribunal Federal
vai na mesma linha de entendimento do STJ. No Recurso Extraordinário nº 1178117
RS – Rio Grande do Sul, o Ministro Marco Aurélio Mello destacou que, “Em regra,
cabe ao Judiciário tão somente a análise do preenchimento dos requisitos legais
em relação às questões. Constatado que a questão possui ao menos duas respostas
corretas, é imperativa a anulação da questão”.
Por outro lado, o próprio
STF sumulou o tema por meio de sua Súmula 684: É inconstitucional o veto não
motivado à participação de candidato a concurso público. Ou seja, o candidato
que se sentir lesado em seu direito de continuar no certame, entendendo existir
veto não motivado, pode bater às portas do judiciário. A Súmula 684 reforça o
entendimento do STJ pelo qual o ato praticado pelas bancas tem o dever de
reunir todos os requisitos a ele inerentes, dentre os quais, o motivo. A
referida Súmula fundamentou Decisão Monocrática do Ministro Roberto Barroso no
RE 1.013.387.
Aliás, a Lei estadual nº
4.605/2018, que rege os concursos públicos realizados no Estado do Amazonas, no
inciso II de seu art. 2º, determina que os concursos públicos realizados no
âmbito do Estado do Amazonas deverá observar, dentre outros Princípios
constitucionais, também a MOTIVAÇÃO. Confira:
A partir dessas e outras
manifestações do STF e do STJ o judiciário vem reconhecendo, cada vez mais, o
direito dos candidatos em concursos públicos de recorrerem ao judiciário para
censurarem decisões das bancas de concursos públicos que abriguem elementos
irrazoáveis, bizarros e completamente alheios ao senso comum, todos traduzidos
por ERROS GROSSEIROS que jogam no lixo horas de estudos e, muitas vezes,
completa abstinência do convívio familiar e social, protagonizados por quem
decide pleitear uma vaga num concurso público. Eis alguns julgados:
Alguns exemplos de erros
grosseiros que comumente são objeto de queixa por parte dos candidatos a
concursos públicos: (i) mais de uma questão correta quando o edital previa
apenas uma opção do candidato; (ii) conteúdo cobrado na prova diferente do
exigido no Edital; (iii) critérios de correção das provas não previstos no
respectivo Edital do certame; (iv) juízo contraditório na avaliação de prova
discursiva.
Este que vos escreve
também teve o dissabor de ter sido prejudicado por decisão de uma banca de
concurso público quando participou, como candidato, à vaga que atualmente ocupa
no Tribunal de Contas do Estado do Amazonas. Na oportunidade, em uma das
questões discursivas, a Fundação Carlos Chagas solicitara dos candidatos que enumerassem
e descrevessem quatro princípios contidos no Regimento Interno que regulassem
os processos que tramitam no Tribunal. Um dos princípios por mim descritos foi
justamente os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa. Acho, inclusive,
que boa parte dos candidatos (se não todos) havia, como eu, lembrado dos tais
Princípios, dada a popularidade que eles desfrutam no meio acadêmico e
profissional. Para minha surpresa, a banca considerou a resposta incorreta.
Solicitei, então, revisão da decisão. Não adiantou. A banca manteve a decisão
dizendo que os princípios referidos não constavam no art. 62 da norma
regimental. De fato, não estavam, mas vejam a norma cabeça desse dispositivo:
“Art. 62. São princípios do processo, além dos princípios gerais aplicados à
Administração Pública, os seguintes (...)”. Ou seja, tratava-se de uma relação
apenas exemplificativa, não taxativa dos princípios ali enumerados. Dentro dos
princípios gerais aplicados à Administração Pública certamente comparecem os
Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa. Ou seja, houve erro grosseiro na
exegese do dispositivo por parte da banca examinadora. Não bastasse isso, o
mesmo dispositivo, em seu inciso II, faz referência expressa à conformidade do
processo com o Princípio do Devido Processo Legal cujos Princípios do
Contraditório e da Ampla Defesa são seus consentâneos. A propósito, ainda, do
ocorrido, o Regimento Interno do Tribunal separou um capítulo inteiro apenas
para tratar da aplicabilidade dos mencionados princípios nos processos que nele
tramitam. O capítulo mencionado, aliás, era intitulado justamente de “DO
CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA”, conforme arts. 81/88. A banca ignorou tudo
isso ancorada em decisão completamente desarrazoada e alheia às normas de boa
conduta no trato e manejo nos negócios públicos. À época, prevaleceu a ditadura da banca.
Em boa hora, portanto, o
Judiciário intervém nos decisórios das bancas de concursos públicos, a fim de
eliminar excessos que repetidas vezes sepultam sonhos de inúmeros candidatos a
concursos públicos.
Está de parabéns o
Judiciário nacional!!
Alipio
Reis Firmo Filho
Conselheiro
Substituto – TCE/AM e Doutorando em Gestão
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