segunda-feira, 28 de outubro de 2019

O JUDICIÁRIO E AS BANCAS DE CONCURSOS PÚBLICOS


Houve um tempo em que o Judiciário nacional não censurava as decisões das bancas de concursos públicos. Muitos magistrados diziam que as decisões das bancas eram intocáveis. Ao Poder Judiciário falecia a competência para criticá-las. Apenas em situações isoladas – mais ou menos, 10% das ações – é que um ou outro magistrado criticava a decisão das bancas. Mas a regra não era essa. Vigorava a soberania das bancas. O que elas dissessem, estava dito e ponto final.

Felizmente isso é coisa do passado. A realidade mudou. As decisões das bancas já não passam tão ao largo das críticas do Judiciário nacional. Muito pelo contrário! Nos últimos anos a magistratura tem se debruçado cada vez mais sobre algumas condutas, no mínimo, “estranhas” das bancas de concursos públicos.

Um dos que mais defendem a competência do Judiciário para intervir nas decisões das bancas é o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Herman Benjamin. Em Voto proferido na Segunda Turma do STJ, no qual apreciava um mandado de segurança impetrado por um candidato que rogava a nulidade de várias questões do concurso que havia participado, ao argumento que o conteúdo exigido nas questões não fazia parte do conteúdo programático do certame, o Ministro pontuou: cabe ao Judiciário “pôr algum freio” nesses casos excepcionais, justamente para não dar margem à formação de uma “intocabilidade e infalibilidade das comissões de concurso”. “Se não houver uma instituição isenta, com conhecimento de causa, para limitar ou mitigar esses abusos, vamos terminar, aí sim, em uma República de bacharéis, no sentido mais pernicioso da expressão”. O caso foi objeto do Recurso em Mandado de Segurança nº 49.896, da Relatoria do Ministro OG Fernandes, acompanhado na íntegra pela Segunda Turma do STJ. A firme jurisprudência do STJ considera que a censura é cabível pois o ato praticado pelas bancas de concursos públicos não se configura como um ato de mera gestão. Trata-se, segundo o STJ, de um “ato típico de direito público, vinculando-se ao juízo jurídico- administrativo. Em razão disso, deve observar os princípios que vinculam toda a Administração, como a supremacia do interesse público, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e todos os demais”. É o que consta no excerto do informativo de jurisprudência do STJ a seguir:


Em outro julgado (REsp 1689499 SC 2017/0189768-0), a Ministra Assusete Magalhães,  também do STJ, perfilhando essa mesma linha de entendimento destacou que “a jurisprudência pátria vem reconhecendo a sindicalidade judicial de erro grosseiro verificando em enunciados de questões de prova de concurso público (erro material primo ictu oculi), notadamente porque a discricionariedade administrativa não se confunde com a arbitrariedade ou a abusividade, sendo certo que conveniência e oportunidade não são conceitos absolutamente isentos de análise judicial (...) Verificada a existência de erro material no enunciado e no respectivo espelho de respostas da peça processual relativos à segunda etapa do X Exame Unificado da Ordem dos Advogados do Brasil, necessária se mostra a intervenção judicial, com a anulação dos quesitos pertinentes, em homenagem aos princípios regentes do atuar administrativo, em especial a proteção da confiança dos administrados”.

O Supremo Tribunal Federal vai na mesma linha de entendimento do STJ. No Recurso Extraordinário nº 1178117 RS – Rio Grande do Sul, o Ministro Marco Aurélio Mello destacou que, “Em regra, cabe ao Judiciário tão somente a análise do preenchimento dos requisitos legais em relação às questões. Constatado que a questão possui ao menos duas respostas corretas, é imperativa a anulação da questão”.

Por outro lado, o próprio STF sumulou o tema por meio de sua Súmula 684: É inconstitucional o veto não motivado à participação de candidato a concurso público. Ou seja, o candidato que se sentir lesado em seu direito de continuar no certame, entendendo existir veto não motivado, pode bater às portas do judiciário. A Súmula 684 reforça o entendimento do STJ pelo qual o ato praticado pelas bancas tem o dever de reunir todos os requisitos a ele inerentes, dentre os quais, o motivo. A referida Súmula fundamentou Decisão Monocrática do Ministro Roberto Barroso no RE 1.013.387.
Aliás, a Lei estadual nº 4.605/2018, que rege os concursos públicos realizados no Estado do Amazonas, no inciso II de seu art. 2º, determina que os concursos públicos realizados no âmbito do Estado do Amazonas deverá observar, dentre outros Princípios constitucionais, também a MOTIVAÇÃO. Confira:



A partir dessas e outras manifestações do STF e do STJ o judiciário vem reconhecendo, cada vez mais, o direito dos candidatos em concursos públicos de recorrerem ao judiciário para censurarem decisões das bancas de concursos públicos que abriguem elementos irrazoáveis, bizarros e completamente alheios ao senso comum, todos traduzidos por ERROS GROSSEIROS que jogam no lixo horas de estudos e, muitas vezes, completa abstinência do convívio familiar e social, protagonizados por quem decide pleitear uma vaga num concurso público. Eis alguns julgados:




Alguns exemplos de erros grosseiros que comumente são objeto de queixa por parte dos candidatos a concursos públicos: (i) mais de uma questão correta quando o edital previa apenas uma opção do candidato; (ii) conteúdo cobrado na prova diferente do exigido no Edital; (iii) critérios de correção das provas não previstos no respectivo Edital do certame; (iv) juízo contraditório na avaliação de prova discursiva.

Este que vos escreve também teve o dissabor de ter sido prejudicado por decisão de uma banca de concurso público quando participou, como candidato, à vaga que atualmente ocupa no Tribunal de Contas do Estado do Amazonas. Na oportunidade, em uma das questões discursivas, a Fundação Carlos Chagas solicitara dos candidatos que enumerassem e descrevessem quatro princípios contidos no Regimento Interno que regulassem os processos que tramitam no Tribunal. Um dos princípios por mim descritos foi justamente os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa. Acho, inclusive, que boa parte dos candidatos (se não todos) havia, como eu, lembrado dos tais Princípios, dada a popularidade que eles desfrutam no meio acadêmico e profissional. Para minha surpresa, a banca considerou a resposta incorreta. Solicitei, então, revisão da decisão. Não adiantou. A banca manteve a decisão dizendo que os princípios referidos não constavam no art. 62 da norma regimental. De fato, não estavam, mas vejam a norma cabeça desse dispositivo: “Art. 62. São princípios do processo, além dos princípios gerais aplicados à Administração Pública, os seguintes (...)”. Ou seja, tratava-se de uma relação apenas exemplificativa, não taxativa dos princípios ali enumerados. Dentro dos princípios gerais aplicados à Administração Pública certamente comparecem os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa. Ou seja, houve erro grosseiro na exegese do dispositivo por parte da banca examinadora. Não bastasse isso, o mesmo dispositivo, em seu inciso II, faz referência expressa à conformidade do processo com o Princípio do Devido Processo Legal cujos Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa são seus consentâneos. A propósito, ainda, do ocorrido, o Regimento Interno do Tribunal separou um capítulo inteiro apenas para tratar da aplicabilidade dos mencionados princípios nos processos que nele tramitam. O capítulo mencionado, aliás, era intitulado justamente de “DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA”, conforme arts. 81/88. A banca ignorou tudo isso ancorada em decisão completamente desarrazoada e alheia às normas de boa conduta no trato e manejo nos negócios públicos.  À época, prevaleceu a ditadura da banca.

Em boa hora, portanto, o Judiciário intervém nos decisórios das bancas de concursos públicos, a fim de eliminar excessos que repetidas vezes sepultam sonhos de inúmeros candidatos a concursos públicos.

Está de parabéns o Judiciário nacional!!
 
Alipio Reis Firmo Filho
Conselheiro Substituto – TCE/AM e Doutorando em Gestão  
 


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