Art. 70. A
fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da
União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade,
legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas,
será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo
sistema de controle interno de cada Poder.
Passados quase 36 anos da
Promulgação da atual Carta Magna, parece que ainda não extraímos
suficientemente o significado e o alcance do dispositivo em tela. Talvez
reescrevendo-o fique mais claro o que quero dizer:
Art. 70. A
fiscalização (da gestão) contábil, (da gestão) financeira, (da
gestão) orçamentária, (da gestão) operacional e (da gestão) patrimonial
da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade,
legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia
de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo,
e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Note que a introdução do termo
“gestão” tornou mais compreensível a extensão e o significado do dispositivo em
causa. O legislador constituinte preferiu não se referir a ele explicitamente.
Deixou a cargo do operador do direito e dos destinatários da norma (a saber, o
órgão legislativo, os tribunais de contas juntamente com os órgãos de controle
interno) essa tarefa.
É que o termo “fiscalização”
pressupõe condutas. Só faz
sentido falar em fiscalizar algo se este algo estiver vinculado a alguma
conduta ou atitude de uma terceira pessoa. Trata-se aqui de uma modalidade de
controle de condutas. Então existem 05 modalidades de gestão: a gestão
contábil, a gestão financeira, a gestão orçamentária, a gestão operacional e a
gestão patrimonial. Cada modalidade encerra uma natureza de ato. Assim, existem
os atos de gestão de natureza contábil, os atos de gestão de natureza
financeira, os atos de gestão de natureza orçamentária, os atos de gestão de
natureza operacional e os atos de gestão de natureza patrimonial. Por outro
lado, cada natureza de ato irá constituir um subconjunto de atos de gestão.
Cada subconjunto, por sua vez, abrangerá uma determinada esfera de
responsabilização cuja configuração seria a seguinte:
Ao se debruçar sobre cada esfera,
a fiscalização irá poder avaliar se ela se deu de maneira boa (regular),
mediana (regular com ressalvas) ou má (irregular). Da conjugação dessas cinco
modalidades fiscalizatórias (ou avaliativas) é que se extrairá se as contas
anuais serão consideradas, boas, medianas ou ruins. Retomarei essa linha de
raciocínio mais tarde.
Antes, contudo, de darmos
continuidade aos nossos comentários, tenho uma importante observação a fazer. É
que 12 anos depois da Promulgação da Carga Magna, mais precisamente no ano de
2000, surgiu a sexta modalidade de fiscalização: a fiscalização da gestão
fiscal, inaugurada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.
101/2000). Essa modalidade fiscalizatória difere-se das demais, pois seu
conteúdo é genuinamente político e não administrativo. Agregando-a ao quadro
anterior, teríamos:
Recorrendo à dicotomia “atos de
governo” e “atos de gestão” eu diria que os atos de governo encerram a gestão
fiscal, normalmente às voltas com discussões envolvendo temas como dívida
pública, equilíbrio entre receitas e despesas primárias, despesas e receitas
previdenciárias, carteira da dívida ativa, dentre outros. Todas as demais
modalidades fiscalizatórias (contábil, financeira etc) podem ser agrupadas
debaixo dos “atos de gestão”, pois sua natureza é puramente administrativa e
não política.
No presente artigo me limitarei a
analisar tão-somente as modalidades fiscalizatórias referidas no artigo 70.
Mas... o que é gestão? Qual o seu
significado?
Gestão é
o processo de planejar, organizar, liderar e controlar os recursos de uma
organização para alcançar objetivos específicos. A gestão consiste em
trabalhar com os recursos disponíveis da forma mais eficiente possível para
atingir os objetivos esperados com o mínimo de despesas (https://g4educacao.com)
Note que a gestão encerra,
portanto, quatro tipos básicos de atitudes por parte do gestor: planejar,
organizar, liderar e controlar. Todas elas buscam, a um só tempo, alcançar
objetivos com o mínimo de despesas ou custos e explorando eficientemente o
máximo dos recursos disponíveis. Sim. Este é o significado de gestão.
Dessa forma, a avaliação realizada
sobre cada modalidade de gestão (contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial) procurará verificar a presença ou não, parcial ou
total de todos aqueles componentes. Se presentes, a avaliação será positiva. Se
ausentes, a avaliação apontará falhas podendo reprovar a gestão anual como um
todo.
Tentemos ser mais pragmáticos. Na
prática, quais as principais tarefas a cargo de cada gestor dentro de cada
esfera de responsabilização? Em outras palavras, que competências os gestores
terão de desenvolver no interior das esferas de responsabilização?
A Lei federal n. 10.180/2001 pode
nos ajudar nessa tarefa. Ela instituiu quatro importantes sistemas
administrativos para o Poder Executivo federal: o sistema de planejamento e
orçamento federal, o sistema de administração financeira, o sistema de contabilidade
federal e o sistema de controle interno do Executivo federal. Desconsideremos
este último, pois não nos interessa nesses nossos comentários.
Na prática, a referida lei impõe
competências de natureza orçamentária, financeira e contábil aos gestores que
integrarem os respectivos sistemas administrativos. Vejamos mais detalhadamente
como tais competências foram delineadas.
No interior do sistema de planejamento e
orçamento (arts. 7º/8º), dentre outras, caberá ao gestor executar ações
voltadas: elaborar e supervisionar a execução de planos e programas nacionais e
setoriais de desenvolvimento econômico e social; assegurar que as unidades administrativas
responsáveis pela execução dos programas avaliem sua programação; manutenção de
sistema de informações relacionados a indicadores econômicos e sociais; e propor
medidas que objetivem a consolidação das informações orçamentárias das diversas
esferas de governo.
Por sua vez, caberá aos gestores
do sistema de administração financeira (art. 12) conduzirem tarefas
relacionadas à administração dos haveres mobiliários e financeiros do Tesouro
Nacional; a formulação da política de financiamento da despesa pública, administrar
as operações de crédito sob a responsabilidade do Tesouro Nacional; e promover
o acompanhamento, a sistematização e a padronização da execução da despesa
pública.
Por fim, as responsabilidades
impostas aos gestores contábeis envolverão os registros contábeis dos
orçamentos vigentes, seus créditos adicionais, as receitas prevista e
arrecadada, a despesa empenhada, liquidada e paga, a situação patrimonial e
suas variações, a renúncia de receitas de órgãos e entidades federais e manter
e aprimorar o Plano de Contas Aplicado ao Setor Público e o processo de
registro padronizado dos atos e fatos da administração pública, dentre outras
ações.
Quanto às ações relacionadas à
gestão patrimonial e operacional, elas envolvem, no contexto patrimonial, a
aquisição, a guarda, a distribuição, o uso, a conservação e o desfazimento de
bens de consumo e permanentes, seu controle patrimonial e físico, a emissão de termos de responsabilidade por
parte dos usuários, a adequação dos bens a padrões patrimoniais etc. Quanto à
gestão operacional, ela se debruçará sobre questões relacionadas ao
funcionamento do órgão/entidade. Nesse contexto, avaliará a eficácia, a
eficiência, a efetividade e a economicidade das competências impostas por leis
e regulamentos.
Em síntese, conforme disse
anteriormente, a avaliação anual dos órgãos/entidades decorrerá de avaliações
parciais conduzidas dentro de cada esfera de responsabilização. Para
que uma gestão seja reputada como regular, será preciso que essa condição se
faça presente em cada esfera de responsabilização (contábil, financeira,
orçamentária, patrimonial, operacional) ou, ao menos, prevaleça majoritariamente.
Exemplifiquemos:
Admitamos que as esferas de
responsabilização de um determinado gestor tenha sido a seguinte para um ano
qualquer:
- Gestão contábil: regular com
ressalvas
- Gestão financeira: regular com
ressalvas
- Gestão orçamentária: irregular
- Gestão operacional: regular
- Gestão patrimonial: regular com
ressalvas
Note-se que a tendência é
considerar a avaliação anual desse gestor como “regular com ressalvas”, pois
foi a modalidade que mais prevaleceu, considerando todas as suas esferas de
responsabilização. Admitamos, por outro
lado, a seguinte situação:
- Gestão contábil: irregular
- Gestão financeira: regular
- Gestão orçamentária: irregular
- Gestão operacional: regular com
ressalvas
- Gestão patrimonial: irregular
Nessa hipótese, a avaliação anual
das contas apontaria para a irregularidade, uma vez que foi a modalidade
prevalecente, considerando-se as cinco esferas de responsabilização.
Perceba que essa forma de
enxergar a gestão pública é mais objetiva e sistematizada, pois resgata todas
as principais matizes que circundam o ato de gerir, sem desconsiderar qualquer
dos cinco círculos de responsabilização previsto e exigido no corpo do art. 70
da CF.
A própria estrutura dos
relatórios de auditoria poderia está dividida de acordo com essa
disposição, a saber:
Com efeito, conforme dito
anteriormente, a avaliação geral das contas anuais resultaria, diretamente,
de suas respectivas avaliações parciais. Assim procedendo, seria
possível extrair o máximo de elementos em cada esfera de responsabilização,
sempre pautando-se nas exigências/parâmetros impostos pelo conceito de GESTÃO.
Postos dessa maneira, entendo que, ao mesmo
tempo em que estaríamos realizando com mais efetividade o desejo do legislador
constituinte de 1988 quanto a uma efetiva, ampla e profunda avaliação das
contas públicas; também nos aproximaríamos de uma avaliação anual mais justa,
pois cobriríamos os principais quadrantes de atuação dos gestores
governamentais. De se ressaltar que à frente de todas as esferas de
responsabilização estaria, indubitavelmente, o ordenador de despesas, porém,
ladeado por outras autoridades, igualmente responsáveis por “tocar” os negócios
públicos em cada natureza de administração considerada (contábil, financeira,
orçamentária, operacional, patrimonial). A avaliação seria por faixas de
atuação, impedindo que uma faixa “invadisse” o território de outra. Daí sua importância, objetividade, limites e
alcance, uma vez que cada faixa se restringiria à natureza dos atos de gestão
contábil, financeiros, orçamentários etc.
Prof. Alipio Reis Firmo Filho