segunda-feira, 18 de abril de 2022

A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 109/2021 E A DEVOLUÇÃO DE DUODÉCIMOS POR PARTE DOS DEMAIS PODERES, MINISTÉRIO PÚBLICO E DEFENSORIAS PÚBLICAS

A Emenda Constitucional n. 109/2021 trouxe uma importante novidade envolvendo as relações financeiras entre os poderes. Mediante inserção do  § 2o. no art. 168 da CF, determinou expressamente que "O saldo financeiro decorrente dos recursos entregues na forma do caput deste artigo deve ser restituído ao caixa único do Tesouro do ente federativo, ou terá seu valor deduzido das primeiras parcelas duodecimais do exercício seguinte". 

O dispositivo se refere aos repasses de duodécimos previstos no caput do referido art. 168: Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º. 

Na prática, o novel dispositivo diz que, caso haja sobra de recursos de duodécimos recebidos do Poder Executivo por parte de qualquer dos demais poderes - inclusos ministério público, tribunais de contas e defensorias - o resíduo terá que ser devolvido aos cofres do tesouro (federal, estadual ou municipal). 

Entendo que o novel dispositivo constitucional merece maiores reflexões à luz do que estabelece alguns dos princípios que fundamentam a autonomia e a separação dos poderes. A preocupação é legítima, pois, se de alguma forma tais princípios forem mitigados, então se impõe a inconstitucionalidade do mencionado § 2o. 

Vejamos.  

No que diz respeito às relações entre os Poderes, a Carta Constitucional ressalta algumas características. 

Logo em seu  art. 2º define que:   “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Mais adiante, em seu art. 18 pontua:  "A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição". O inciso III, do § 4º, do art. 60, por sua vez, reafirma o Princípio da Separação dos Poderes como intocável por emendas à Constituição (cláusula pétrea).

Em primeiro plano, há que se questionar qual o alcance e o significado dos termos “independência” e “autonomia”.

Alguns autores os tomam por sinônimos, a exemplo De Plácido e Silva. Outros, entretanto, conquanto reconheçam muitas semelhanças entre ambos, entendem que a independência possui significado mais amplo que a autonomia, reconhecendo que esta última integra a primeira sendo, portanto, um de seus requisitos. Entre esses últimos está o festejado magistério de José Maurício Conti.

De fato. O termo “independência” remete à ausência de qualquer comando ou autoridade sobre aquilo que é considerado independente. Por outro lado, a autonomia se refere ao poder de se autogovernar, de definir sua própria conduta. Nesse sentido, ambos os termos se situam praticamente no mesmo ambiente. Discursões à parte, os dois termos não admitem qualquer interferência externa no trato e manejo dos negócios de uma instituição ou de uma pessoa.

A respeito do significado do termo “independência” – considerado em relação ao Poder Judiciário - Clèmerson Merlin Clève assinala que ela se manifesta por meio de duas características fundamentais: (i) a autonomia institucional e (ii) a autonomia funcional. Para estes nossos comentários, a primeira nos interessa mais de perto.

Segundo o mesmo autor, a autonomia institucional se revela por meio (1) do autogoverno, (2) da autoadministração, (3) da inicialidade legislativa e (4) da autoadministração financeira.

Em sentido lato, a autonomia financeira pode ser concebida como a capacidade de uma entidade ou instituição de cumprir seus compromissos por meio de seus próprios fundos. Também pode ser vislumbrada quanto à participação dessa entidade ou instituição na administração de seus recursos. Por outro lado, a limitação da autonomia financeira traz prejuízos ao autogoverno e à autoadministração, uma vez que para várias situações aquela é corolário dessas últimas. Ex: a gestão dos benefícios distribuídos entre os colaboradores de uma instituição depende grandemente da disponibilidade financeira. Sem esta é impossível alcançar aquela. Em outras palavras, sem plena autonomia financeira não há como haver plena autonomia administrativa e de governo.     

Ora, fazendo-se um paralelo entre tais considerações e o disposto no parágrafo segundo introduzido  pela EC/2021, algumas importantes conclusões podem ser extraídas.

A primeira é de que a obrigatoriedade de devolução das sobras de recursos de duodécimos por parte dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Pública e Defensoria Pública, conforme exige o mencionado dispositivo, traz prejuízos à autonomia financeira desses órgãos e poderes e, por arrastamento, infringe princípios constitucionais irremovíveis (art. 2º c/c art. 18; e inciso III, § 4º, art. 60). Como dispor de autonomia funcional se lhes faltam a autonomia financeira? Da forma como foi redigido, o novel dispositivo reduziu os demais  órgãos e poderes a meras unidades gestoras do Poder Executivo!! Como se lhe tivesse de pedir as bençãos ou integrassem sua estrutura administrativa!! Uma completa inversão de valores!!

Nunca é demais ressaltar que a natureza jurídica dos repasses realizados pelo Poder Executivo aos demais poderes e ao Ministério Público e à Defensoria Pública são juridicamente diferentes dos repasses feitos aos seus próprios órgãos (ministérios, secretarias estaduais e municipais, autarquias, fundações públicas e empresas estatais dependentes).

A uma, porque, em relação a esses últimos, as transferências têm por finalidade realizar programas de governos que são da titularidade do Chefe do Poder Executivo, portanto, de sua inteira responsabilidade; o que não acontece com a finalidade dos repasses realizados sob a forma de duodécimos. É oportuno destacar que no que diz respeito a estes, o Tesouro (federal, estadual, municipal) funciona como mero agente arrecadador dos recursos e não como seu titular. Algo semelhante às receitas arrecadadas pela União e repassadas para os estados e municípios à conta dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios que o STF reconheceu como sendo da titularidade desses entes federativos e não da União.

O § 2º introduzido pela EC 109/2021 transmuda completamente essa ordem de coisas. Transforma em recursos do Poder Executivo o que a Constituição Federal determinou que fosse entregue aos órgãos e demais poderes.    

Por outro lado, da forma como está, o citado dispositivo estimula a ineficiência no manejo dos duodécimos, infringindo o Princípio da Eficiência previsto no caput do art. 37 da CF.

É que pela regra do dispositivo, eventual economia de recursos realizada pelos ordenadores de despesas dos demais órgãos e poderes resultarão em sobras de recursos que, indubitavelmente, lhe imporá a obrigatoriedade de devolvê-los ao tesouro, como se fizessem parte da estrutura do Poder Executivo respectivo.  Ou seja, estimula-se o gasto desenfreado ao final do exercício, justamente para se fugir à obrigatoriedade da devolução.  

Por fim, vale ressaltar o teor da ADIn 2.238-5 cuja medida cautelar foi deferida pelo STF por unanimidade, suspendendo o § 3º do art. 9º da LC n. 101/2000, que autorizava o Poder Executivo a proceder à limitação de empenho (segundo os critérios definidos na lei de diretrizes orçamentárias), caso os demais poderes e o ministério público não o fizessem no prazo estipulado. Conquanto a referida ação de inconstitucionalidade ainda não tenha sido julgada pela Suprema Corte, a medida cautelar concedida, de uma certa forma, deixa transparecer que os recursos financeiros dos poderes e do ministério público estão acobertados por sua autonomia financeira e orçamentária.

Considerando, pois, todo o exposto, o  § 2º introduzido pela EC n. 109/2021 no art. 168 da CF merece ser discutido com mais amplitude, a fim de se averiguar sua natureza constitucional que, em meu breve entendimento, não se revela sólido o suficiente se analisado à luz dos Princípios da Autonomia e Separação dos Poderes. 

Para nossa reflexão.

 

Alipio Reis Firmo Filho

Conselheiro Substituto – TCE/AM   

  

 

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segunda-feira, 4 de abril de 2022

POSSO INSCREVER DESPESAS DO PRÓXIMO ANO EM RESTOS A PAGAR?

Ao término do exercício não é raro a inscrição em restos a pagar de parcelas de contratos que somente vencerão no próximo ano e não no exercício corrente. Isso está correto???Acompanhe o raciocínio. 

Um organismo público possui um contrato de natureza contínua que começou a vigorar em agosto de um determinado ano. A vigência do contrato foi fixada em 5 anos, ou seja, 60 meses, a contar do mês de agosto do ano 01. Admitamos que o valor da parcela contratada seja de $ 1.000 por mês. Ou seja, o valor inicialmente contratado foi de $ 60.000. Em dezembro do corrente ano, no entanto, o contador decide inscrever em restos a pagar todas as parcelas que vencerão no exercício 02, isto é, 12 parcelas, que corresponderão a $ 12.000.   

A questão é: isso é possível??? Em absoluto!! Se realizada essa operação, haverá quebra do Princípio da Anualidade orçamentária, previsto no Manual de Contabilidade Aplicado ao Setor Público. Em outras palavras, só poderá ser inscrito em restos a pagar qualquer uma das parcelas de competência do ano 01 (agosto a dezembro) e que não foram pagas nesse exercício. As demais deverão ser empenhadas à conta do novo orçamento e somente as doze parcelas seguintes, pois as demais deverão ser empenhadas à conta dos respectivos orçamentos (ano 03, ano 04, ano 05). 

Para cumprir esse procedimento recomenda-se que o gestor governamental coloque na proposta orçamentária para o ano 02 o valor das 12 parcelas que vencerão nesse exercício. Posso colocar 13 parcelas na proposta orçamentária? Não!! Também não pode!! Esse procedimento também ferirá o Princípio da Anualidade. 

Em síntese: CADA MACACO NO SEU GALHO!!

Prof. Alipio Reis Firmo Filho   

sábado, 27 de novembro de 2021

VIDEOCONFERÊNCIA: TABELA DE EVENTOS

INFORMO À TURMA QUE HOJE (27/11), AS 10:00, ESTAREI ABORDANDO O TEMA "TABELA DE EVENTOS". É UM TEMA LIGADO À CONTABILIDADE APLICADA AO SETOR PÚBLICO. SERÁ UM PAPO MUITO INTERESSANTE.


  QUEM DESEJAR E PUDER PARTICIPAR O LINK DE ACESSO ESTÁ A SEGUIR. 


CUMPRIMENTOS, 


LINK: VIDEOCONFERÊNCIA - TABELA DE EVENTOS

PROF. ALIPIO FILHO

sábado, 23 de outubro de 2021

LINK PARA VIDEOCONFERÊNCIA: COTA, REPASSE E SUB-REPASSES NO CONTEXTO DO ORÇAMENTO GOVERNAMENTAL

Comunico que às 10:00 de hoje (HORÁRIO MANAUS), sábado (23/10/2021)  irei abordar os temas "COTA, REPASSE E SUB-REPASSES NO CONTEXTO DO ORÇAMENTO GOVERNAMENTAL". O link para ingressar na Conferência está em anexo. 

Todos estão convidados!!

LINK: VIDEOCONFERÊNCIA (COTA, REPASSE E SUB-REPASSE)

Prof. Alipio Filho

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

O QUE SÃO AS VACINAS DE DNA? COMO ELAS PODEM AJUDAR NO COMBATE À COVID-19, AO CÂNCER E OUTRAS DOENÇAS?

 A ÍNDIA ESPERA que uma nova abordagem de vacinação lhe dará uma chance melhor de combater a covid-19 . Em 20 de agosto, o regulador de medicamentos do país concedeu a aprovação para uso emergencial do ZyCoV-D⁠ - a primeira vacina de DNA do mundo a ser autorizada para humanos. Zydus Cadila, o desenvolvedor da vacina, disse que planeja fazer até 120 milhões de doses por ano, com as primeiras injeções licenciadas previstas para serem administradas no próximo mês. As vacinas de DNA também podem contribuir para o combate a outras doenças, como câncer e HIV. Então, como elas funcionam e quão diferentes são as vacinas de DNA de outras já existentes no mercado?

As vacinas convencionais atuam virando um vírus contra si mesmo. Uma forma significativamente enfraquecida ou inativada do vírus é injetada no corpo, treinando o sistema imunológico para agir rapidamente contra o vírus vivo, caso ele ataque. Mas cultivar grandes quantidades de um vírus e enfraquecer ou extrair partes dele pode ser complicado e trabalhoso, especialmente se ele continuar sofrendo mutações. A partir do final do século 20, os cientistas tentaram conceber uma maneira mais simples de ensinar o corpo a lutar contra uma doença. Isso levou a uma nova geração de imunização: vacinas genéticas. A maioria destes sendo usados contra covid-19, como as vacinas desenvolvidas pela Pfizer e Moderna, usam o ácido ribonucléico mensageiro (mRNA), molécula que carrega instruções de como fazer uma proteína a partir do DNA de uma célula no núcleo para as fábricas moleculares. Mas as vacinas de DNA, como ZyCoV-D, começam um passo atrás no processo. Os desenvolvedores começam encontrando o DNA que desenvolverá a proteína spike (a parte do vírus que o ajuda a se ligar ao hospedeiro) e o carregará para dentro da célula. O DNA é então transcrito em mRNA, que instrui a célula a produzir a proteína viral alvo, preparando o sistema imunológico.


Ambas as vacinas de DNA e mRNA têm registros de segurança robustos e custos de produção muito mais baixos do que as convencionais. Eles também podem ser facilmente adaptados para lidar com as mutações do vírus. Mas as vacinas de DNA têm uma vantagem sobre suas contrapartes de mRNA. Eles são mais convenientes para transportar e armazenar, tornando-os muito mais fáceis de distribuir em países pobres com infraestrutura fraca. ZyCoV-D é armazenado entre 2 ° C e 8 ° C, mas mostrou boa estabilidade em temperaturas de 25 ° C por pelo menos três meses. O Pfizer, no entanto, é armazenado em temperaturas tão baixas quanto -80 ° C. Os resultados provisórios de um ensaio clínico de fase III na Índia mostraram que a vacina ZyCoV-D foi 66,6% eficaz na prevenção de casos sintomáticos. Isso é menor do que algumas outras vacinas covid-19, como a Pfizer, quando testada contra a variante Delta, mas ainda oferece proteção útil.

A aprovação do ZyCoV-D ocorre em um momento em que alguns países lutam para garantir doses suficientes da vacina covid-19. As vacinas de DNA desbloquearam outra classe de vacinação para experimentar na luta contra o covid-19 e outras doenças. Mais em breve chegarão ao mercado. A Inovio, uma empresa americana de biotecnologia, tem sua própria vacina em fase final de testes, assim como a Universidade de Osaka com a AnGes e a Takara Bio, duas empresas japonesas. E as vacinas genéticas estão sendo apontadas como tratamentos potenciais para outras doenças como o câncer, onde as vacinas turbinariam o sistema imunológico ao fornecer informações genéticas que o ensinam a reconhecer antígenos tumorais. Uma vacina de mRNA projetada para combater o HIVcomeçará os testes em breve. A pandemia acelerou esses métodos inovadores de vacinação, que antes não tinham recursos para chegar aos braços das pessoas. Seu financiamento agora pode ter implicações para outras doenças, muito depois de o covid-19 deixar de ser uma ameaça grave.


Fonte: The Economist (THE ECONOMIST EXPLICA)