Por Alipio Reis Firmo Filho (Texto publicado na Coluna Gestão do Fato Amazônico)
As coisas pareciam ir tão
bem e no rumo certo. Tudo de acordo com nossos anseios por justiça e mudanças. Muitos “peixes graúdos” na cadeia.
Gente que nunca imaginou estar atrás das grades agora amargava a experiência de
ver o sol nascer quadrado, igual a qualquer ladrão de galinha. Pessoas que se
colocavam acima do bem e do mal, de uma hora para outra, protagonizavam cenas
que mais pareciam filmes de ficção científica. Realidades nunca antes
imaginadas, de repente, eram estampadas nos meios de comunicação de todo o
País. Grampos telefônicos revelavam a verdadeira face do crime, de como eram
engendrados, tramados e costurados. Uma teia sem fim de interesses escusos,
guardados a sete chaves, mas que a perspicácia de alguns teimou e conseguiu
revelar.
Figurões que costumavam
bater no peito como defensores árduos do fraco e do pobre. Políticos,
empresários e administradores públicos influentes, agora eram identificados
como os verdadeiros traidores da Pátria. Gente mesquinha. Gente ardilosa.
Profissionais da mentira. Finalmente, parece que as coisas haviam entrado nos eixos. Bastava
manter o ritmo e... pronto. Tínhamos a esperança de chegarmos a sermos o País
sério, ordeiro e disciplinado que qualquer cidadão do primeiro mundo estava
acostumado a vivenciar.
Engano nosso. Triste
engano.
Parece que acabamos de
acordar de um grande sonho. Um sonho maravilhoso que há anos sonhávamos em
sonhar. O tempo acaba de fechar e parece que as nuvens escuras tomaram conta de
nosso céu de brigadeiro.
O cidadão de bem acaba de
ser esfaqueado. Foram duas estocadas certeiras, profundas e com consequências
incalculáveis.
No último dia 24/09
protagonizamos algo surrealista. O
bandido, o ladrão, o que assalta, o sanguinário, o que mata e o que rouba
aplaudiram, de pé, a mais uma barbárie cometida contra o cidadão de bem. A Câmara dos Deputados derrubou 18 dos 36
vetos presidenciais à recém aprovada lei de abuso de autoridade. Aliás, muitos
juristas, magistrados, promotores de justiça e procuradores da República
defendiam veementemente que a recente lei fosse vetada integralmente pelo
presidente; tal era o teor de veneno que carregava em seus dispositivos.
Infelizmente, isso não ocorreu. A solução presidencial foi retirar apenas 36
dispositivos do texto da lei. Tudo bem, pelo menos isso.
Sobre a aprovação da referida lei, estava mais
para proteger bandidos do que salvaguardar direitos contra eventuais excessos.
Na verdade, as organizações criminosas
não poderiam ficar de braços cruzados. Tinham que fazer algo para se
defenderem de quem lhes ameaçava puxar o tapete. A solução veio por meio de um
projeto de lei que pune juízes, procuradores e promotores por abuso no
exercício de suas funções. Com a aprovação do texto quem decretar a prisão de
bandidos que saqueiam os cofres públicos terá que ter suas cautelas. Poderá vir
a responder por “abuso de autoridade” (imagine!!). Ou seja, na prática,
colocaram uma arma nas mãos das milícias para atirarem sempre que se sentirem
ameaçadas de largarem o osso. Algo bizarro, absurdo e descabido!!
Interessante notar que o texto da lei não prevê
nenhuma punição contra aqueles que soltam graciosamente os gatunos, por meio de
decisões desarrazoadas, tacanhas, sem pé e sem cabeça como, aliás, temos
testemunhado diariamente nos meios de comunicação. Ou seja, incriminam quem
prende e deixam de lado quem solta. Bela equação!!
A segunda punhalada veio ontem, protagonizada
pelo nosso Pretório Excelso. Reunidos, os Ministros do Supremo Tribunal Federal
praticamente bateram o martelo a favor da tese que pode anular 143 das 162
sentenças proferidas na Operação Lava-Jato. Pior: boa parte delas podem ser
alcançadas pela prescrição já que os autos voltam ao estágio da instrução
inicial. Ou seja, muitos tubarões podem ficar livres da cadeia apenas pela ação
do tempo. Bingo!!
O entendimento firmado pelo STF foi no sentido de
que o réu delatado deverá ser o último a falar no processo. Isso não ocorreu na
maior parte das sentenças proferidas. Eu fico cá pensando: mas esses mesmos
réus não tiveram a oportunidade de falar o que queriam nos infindáveis recursos
que moveram logo após a sentença
condenatória? Não se trata de apenas uma filigrana jurídica?? E o Princípio da
Instrumentalidade das Formas onde é que fica?? Será que, realmente, há
necessidade de voltar no tempo e apagar o que já foi arduamente escrito?? E
bota árduo nisso!! Foi difícil, muito difícil, colocar esse povo todo na
cadeia!! Haja noites mal dormidas!! Haja desgaste emocional!! Haja criatividade
para não cair nas armadilhas processuais e se desviar das brechas legais!!
Mas... manda quem pode!! Obedece quem tem juízo!!
Reescrevo aqui o que disse em minha rede social:
"Sinais estão sendo dados. Basta interpretá-los. Ontem foi a derrubada dos
vetos presidenciais; hoje uma decisão que fere de morte algo tão caro para a
maioria dos brasileiros (a Operação Lava-Jato). Amanhã, o que será??? Algo está
errado com a democracia brasileira ou, como
prefiro, com a democracia à brasileira. Eu, sinceramente, gostaria que
tivéssemos a força dos protestos de Hong Kong. No mínimo, este País deveria ser
tomado por protestos nas ruas exigindo respeito das autoridades constituídas.
Aliás, não há como respeitá-las. Roubar, matar e destruir continua valendo a
pena neste País, com as bênçãos de quem carrega sobre os ombros o dever de
lutar contra o mar de lama que tomou conta do setor público nacional.
Vigora no Brasil a ditadura do crime. Não, senhores, a-b-s-o-l-u-t-a-m-e-n-t-e, isto não é democracia. Foi para isso que lutamos tanto por liberdade de expressão??? Serve qualquer argumento??? Mesmo aquele que nos oprime, nos humilha e nos aniquila???
Como brasileiro, só me resta o luto"