No Brasil, o critério para a avaliação das contas
públicas é estabelecido pelo art. 70 da Constituição Federal. Segundo esse
dispositivo, as prestações de contas das administrações públicas serão
avaliadas segundo os critérios da legalidade, legitimidade e economicidade.
Arrisco dizer que em cerca de 90% dos casos, o critério da legalidade é o único
parâmetro utilizado. Poucas vezes os tribunais de contas e os órgãos de
controle interno recorrem à legitimidade e/ou economicidade para certificarem
se um ato administrativo foi bem ou mal executado. Quando comparecem na
avaliação, os parâmetros da legitimidade e/ou economicidade são quase sempre
utilizados como critérios subsidiários, ou seja, parâmetros que apenas reforçam
a irregularidade de um ato já fartamente caracterizado como ilegal. Não podemos perder de vista, porém,
que as dimensões da legitimidade e da economicidade dos atos administrativos
são valores autônomos e que, portanto, têm “peso próprio” no processo de
avaliação da gestão governamental. Em outras palavras, não basta que nos
satisfaçamos que os atos administrativos sejam praticados cumprindo todo o rito
legal. Ainda que o façam, cabe criticá-los sob o ponto de vista dessas duas
outras dimensões (legitimidade/economicidade). Somente depois que passarem por
esse crivo é que, efetivamente, a gestão deverá ser reputada como regular.
Afora essa discussão, uma
outra, tão ou mais importante, se põe.
É que no Brasil a avaliação das contas públicas ainda
não leva em consideração a dimensão
da EFETIVIDADE do ato administrativo. A efetividade é uma dimensão de
avaliação que irá mensurar se
determinada iniciativa surtiu ou não os benefícios (sociais, econômicos,
ambientais, etc.) que se esperavam. Um exemplo nos dará uma melhor
idéia.
Um ente federativo
construiu um terminal pesqueiro. A obra cumpriu rigorosamente todos os
requisitos legais. Não houve crítica alguma quanto à legalidade do ato.
Todavia, concluída a obra, verificou-se que os benefícios inicialmente
projetados não foram atendidos a contento: o
terminal simplesmente não funciona. Com isso,
ficaram comprometidos os benefícios econômicos perseguidos,
ou seja, o terminal não poderá ser usado para a finalidade para a qual ele foi
construído. Parece paradoxal! Mas não é! Esse problema é mais comum do que
muita gente pensa. A comunidade, que ansiosamente aguardava pelo terminal,
permaneceu refém de uma lacuna. Pior: irá permanecer nessa condição por tempo
indeterminado, pois é incerto seu funcionamento. O mesmo se diga de um
hospital, de uma escola ou de uma
lixeira que, após construídos, não funcionam ou não funcionam a contento. A
idéia é a seguinte: tanto o hospital, quanto a escola e a lixeira foram
construídos para atenderem a uma necessidade pública (saúde, educação,
ambiental). Mas isso não foi conseguido, conquanto as construções tenham
observado todo o rito legal e podem até terem cumprido o critério da
economicidade. Entretanto, nas situações apontadas não houve efetividade.
Consequentemente, a meu ver, não há como as contas serem aprovadas.
Trazendo
esse contexto para a estrutura de avalição das contas públicas no Brasil, ainda
não temos como desaprovar uma prestação de contas de gestores públicos que se
encontrem nessa situação. Simplesmente porque o critério da efetividade não
existe como parâmetro norteador no âmbito dos processos de avaliação das
prestações de contas. Poder-se-ia até criticar o ato sob o ponto de vista de sua
legitimidade. Ocorre que o conceito de legitimidade é tão amplo e tão sem forma
que, objetivamente falando, fica difícil sustentar algo nesse sentido.
Urge,
portanto, que repensemos os parâmetros de avaliação das contas públicas no
Brasil. Precisamos dotar os órgãos de controle (tribunais de contas/ órgãos de
controle interno) de instrumentos capazes de aquilatar os reais anseios da
sociedade.
OBS: Texto publicado na minha Coluna Gestão no FATO AMAZÔNICO