Nos dias
04, 05 e 06 deste mês participei do IV Encontro Nacional dos Tribunais de
Contas. Este ano o Encontro foi realizado em Fortaleza - CE. Estavam ali
reunidos os tribunais de contas de todo o Brasil.
Muitos
foram os temas discutidos, todos, de grande importância para o fortalecimento e
desenvolvimento dessas importantes instituições. Infelizmente, as propostas de
mudanças ainda estão sendo formuladas por um número reduzido de membros dos
tribunais (ministros, conselheiros, ministros substitutos, conselheiros
substitutos, servidores). Falo isso em relação ao universo potencial de
participantes (temos 34 tribunais de contas em todo o Brasil). Nada obstante, os
avanços têm sido significativos.
Ao término
do evento foi editada a Declaração de Fortaleza, que sintetiza os principais pontos
debatidos e decididos no Encontro. Ainda que a Declaração não seja de observação
obrigatória pelos tribunais de contas, ela serve como um importante balizador
de suas ações. É uma carta de intenções em que a Atricon (Associação dos
tribunais de contas do Brasil) solenemente manifesta o seu entendimento acerca
de como ela deseja que seus membros conduzam suas ações. É bem verdade que uma
efetiva mudança na estrutura e organização dos TC’s passa por uma mudança na Constituição
Federal. Em seus quase 26 anos de idade o texto constitucional necessita de
reparos em muitos de seus dispositivos, a fim de adequá-los às novas realidades.
O capítulo que trata dos tribunais de contas certamente que se insere nesse
contexto. O capítulo nunca sofreu qualquer alteração desde a promulgação da
chamada constituição cidadã em 05/10/1988.
Mas
enquanto essas mudanças não chegam, vamos proclamando aos quatro cantos as
propostas de mudanças dentro do modelo atual. Ao todo, a Declaração de
Fortaleza destacou 19 pontos, cada um deles chamando a atenção para a
importância de as instituições de contas de todo o Brasil mudarem sua forma de atuar.
Três destes pontos me chamaram
particular atenção. São os pontos 2, 3 e 10.
Os dois primeiros estão ligados à composição e forma de
indicação e escolha dos ministros (do TCU) e conselheiros (dos TCE’s). O último
ponto traça diretrizes sobre a forma de fiscalizar dos tribunais de contas.
Vejamos mais detalhadamente o conteúdo de cada um deles.
O ponto 2 exige que os indicados para a composição dos tribunais
de contas do Brasil preencham os requisitos constitucionais e que atendam às
condições consagradas pela “Lei da Ficha Limpa”, manifestando a determinação de
não se dar posse àqueles que, eventualmente, não se enquadrem nos requisitos
mínimos fixados pela Constituição Federal (idoneidade moral e reputação ilibada; notórios
conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de
administração pública; mais de dez anos de exercício de
função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos
mencionados no inciso anterior). Conforme todos sabem, tais requisitos sempre
foram relegados no processo de escolha, nomeação e posse dos futuros ministros
e conselheiros. Isso sempre ocorreu. O que a Atricon deseja é que, doravante,
os tribunais de contas efetivamente cobrem do agente escolhido que comprovem
esses predicados, sob pena de não tomarem posse.
O ponto 3 ressalta a
importância de que o processo de escolha possa ser o mais amplo possível,
podendo qualquer cidadão dele participar desde que, evidentemente, preencham os requisitos para a
nomeação. A meu ver, essa mudança representa um avanço significativo na
sistemática de escolha dos futuros ministros e conselheiros já que ela fere de
morte as escolhas motivadas muitas vezes por troca de favores. Além disso, ela
oportuniza a participação de qualquer cidadão no processo de escolha,
atualmente restrita a parlamentares ou outros agentes políticos (secretários,
presidentes e diretores de entidades governamentais, etc.). Se efetivamente implementada,
haverá uma verdadeira “eleição” para ministros e conselheiros nas futuras
indicações. Isso é um aspecto bastante positivo que merece ser destacado.
Já
o ponto 10 tem a ver como a forma de atuar dos tribunais de contas.
Historicamente
falando, os tribunais de contas sempre fiscalizam os órgãos depois de as coisas
acontecerem, isto é, após o encerramento de cada ano. Todavia, o que temos
notado é que essa forma de fiscalizar não tem dado lá muitos resultados. Há uma
enxurrada de multas e glosas (determinação para que os gestores públicos
devolvam o dinheiro mal aplicado) aplicados pelos tribunais de contas mas que
não tem representado quase nada em termos de melhora na prestação dos serviços
públicos. A cada dia, o que se vê é o
dinheiro saindo pelo ralo, tomando um rumo incerto e ignorado. Falta dinheiro para tudo: para a merenda
escolar, para a compra de medicamentos, para o pagamento do funcionalismo
público, para a infraestrutura urbana. A gritaria dos gestores inescrupulosos é
que precisariam de mais recursos para atenderem aos reclamos da população.
Conversa fiada. Minha experiência tem demonstrado que não faltam recursos. O
que falta é zelo e cuidado na aplicação do dinheiro público. Não há
compromisso, não há planejamento, inexiste programação de gastos. Ou seja,
qualquer dinheiro adicional que ingressar nos cofres públicos certamente que não será suficiente.
Um verdadeiro saco sem fundo. Continuam gastando mais do que arrecadam. Essa é
a realidade.
Através
do ponto 10 os tribunais de contas são chamados a colaborarem na mudança desse
quadro. Como? Realizando fiscalizações durante o ano, isto é, no momento em que
as coisas estão acontecendo e não apenas seis ou oito meses após ele ter
finalizado. A palavra de ordem é a prevenção de erros, de fraudes, de critérios
e decisões tendenciosas de gestores inescrupulosos. Depois, não adianta chorar
o leite derramado. Ou seja, o ponto 10 convida as instituições de contas a
atuarem no início do processo de gestão, muito antes que o dinheiro seja mal
aplicado e não depois. A experiência nos tem mostrado que mais de 95% dos
recursos glosados pelos tribunais de contas não retornam aos cofres públicos.
Uma fiscalização no fim de cada semestre já seria de bom termo, ainda que fosse
para examinar setores específicos dos órgãos públicos (convênios, recursos
humanos, patrimônio, licitações e contratos, etc.). Seria uma avaliação
preliminar que muito ajudaria na prevenção de desvio dos recursos públicos. Um
contrato tendencioso e que futuramente representasse sangria indevida dos
cofres públicos poderia ser imediatamente questionado. Não se aguardaria o
término do exercício para (despois do prejuízo realizado) serem tomadas as
providências de praxe (julgamento pela irregularidade das contas,
inelegibilidade, denúncia por improbidade administrativa, etc.). Todas essas
ações são muito positivas, mas elas não irão repor o estoque de medicamentos e
de merenda escolar desviados das prateleiras dos postos de saúde, hospitais, escolas e creches.
Sinceramente, espero que os pontos contidos na Declaração de Fortaleza (em especial, aqueles aqui comentados) “peguem”. Do contrário, a sociedade continuará nos considerando como organismos inoperantes que só representam gastos desnecessários.
(*) Artigo publicado simultaneamente na coluna Gestão do Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com)