Pessoal, hoje gostaria de propor a vocês uma reflexão. Não sei se vocês já pensaram num (sério) problema que hoje enfrentamos em nosso País: a forma como os diversos órgãos públicos conduzem os concursos públicos que patrocinam. Na verdade, existe uma grande lacuna no tocante a este aspecto. Lacuna no sentido de não haver, hoje em dia, nenhum regramento capaz de estabelecer normas capazes de não deixar o Poder Público tão "solto" quando decide realizar um concurso público.
Conforme é sabido por todos, nos últimos anos a via do concurso público passou a ser percorrida por uma substancial parcela de jovens e adultos, todos depositando seus sonhos e suas esperanças de um dia alcançar uma tão-sonhada estabilidade financeira/profissional. Nada mais que justo. Afinal de contas foi o atual Texto Constitucional que elegeu a seleção pública como única forma de ingresso no serviço público, com algumas raras exceções é evidente. Ocorre que isto impôs ao Poder Público, discretamente e sem maiores alardes, uma grande responsabilidade que, a meu ver, não vem sendo cumprida a contento: a de zelar pela forma como irão conduzir o processo seletivo. Razões não faltam nesse sentido. Enumeremos algumas:
1 - Os órgãos públicos não adotam um mesmo procedimento para estabelecerem DATAS para a realização das diversas etapas nas seleções públicas: uns são extremamente zelosos; outros, contudo, deixam muito a desejar. Há editais que, inclusive, sequer fixam datas para a homologação dos processos seletivos. Outros falham no cumprimento dos prazos de divulgação dos gabaritos, recursos etc;
2 – Inexistem parâmetros disciplinadores da forma como são escolhidos os profissionais responsáveis pela elaboração, correção e revisão das questões formuladas nos processos seletivos. Apenas confiamos na idoneidade/credibilidade da instituição contratada assim como do órgão/entidade patrocinadores do certame. Contudo, a meu ver essa, é muito pouco para a seleção de profissionais que irão compor os quadros da Administração Pública de nosso País.
3 - Os conteúdos programáticos impostos pelos patrocinadores dos processos seletivos exigem temas que, muitas vezes, não possuem qualquer relação com o exercício das funções do futuro servidor público. Tenho um exemplo claro nesse sentido aqui em meu Estado onde, no momento, realiza-se um concurso público para uma autarquia federal;
4 – Muitos órgãos/entidades públicas costumam dividir as disciplinas por eles propostas em gerais e específicas. Existem inúmeros editais espalhados por esse País em que o órgão/entidade/instituição contratada classifica como disciplina geral algo que, na verdade, deveria compor o universo das disciplinas específicas. Pior que isso: às vezes impõe PESOS menores a tais disciplinas;
5 - Não existem regras a serem observadas pelas diversas bancas de concursos quanto à elaboração das questões de prova, sejam objetivas, sejam discursivas. Não estamos falando aqui de se criar uma "camisa de força" para a elaboração das questões, mas tão-somente de se impor procedimentos que preservem a RAZOABILIDADE na elaboração das questões. Afinal de contas, por trás de um exame público encontram-se milhares de pessoas que, muitas vezes, abandonaram horas de lazer e descanso, abdicaram da companhia de seus familiares ou, ainda, investiram uma poupança construída com sacrifícios durante meses (ou anos), tudo em prol de um sonho: alcançar um emprego e uma remuneração justa. Nesse sentido, quantas questões BIZARRAS não foram construídas ao longo desses anos que acabaram por sepultar ou adiar um sonho, uma esperança? Quantas injustiças não foram geradas em razão da negligência perpetrada por um examinador (simplesmente em razão de o mesmo ser negligência na forma como elaborou a questão)? Quem já não se sentiu injustiçado - e teve de "engolir a seco" - uma decisão retrógrada, arbitrária e descompromissada de um julgamento num processo seletivo público? Desta forma, se tivessem um mínimo de RAZOABILIDADE na elaboração das questões certamente que evitariam um amontoado de efeitos danosos na vida particular do candidato;
6 - Também não existem regras que disciplinem a CORREÇÃO das respostas apresentadas pelos candidatos. Esse fato deixa, muitas vezes, o candidato literalmente "nas mãos" do examinador. Esta, aliás, é uma fase tanto ou mais importante que a primeira (a fase da elaboração das questões). Isto porque constitui-se no momento em que se avalia, efetivamente, o aprendizado do candidato além de proporcionar-lhe um momento único para se penitenciar de uma questão má elaborada e de se fazer justiça com quem provou possuir DOMÍNIO e CONHECIMENTO acerca do conteúdo proposto. Tenho certeza que existem inúmeros casos espalhados por esse País em que o gabarito apontava para uma alternativa quando, na verdade, a resposta era outra e o examinador teimou por manter o gabarito anteriormente divulgado, não obstante o flagrante ERRO na correção.
Por último, uma palavrinha acerca de como o Judiciário Nacional se comporta perante toda esta situação.
Conforme já deve ser de conhecimento de todos vocês, a jurisprudência dominante é no sentido de que não cabe ao Judiciário a reanálise do mérito das conclusões chegadas pelas bancas examinadoras quanto aos critérios de correção por ela adotados no processo seletivo. Um número reduzido de magistrados, felizmente, entende de forma diversa. Adentram ao mérito das questões. Contudo, são apenas ALGUNS. Em suma: ficamos nas mãos, ainda por esta via, do examinador, DE SUA DISCRICIONARIEDADE ÀS VEZES, SEM LIMITES. Creio que se houvessem regras definidoras das responsabilidades no âmbito dos processos seletivos públicos o recurso ao judiciário poderia ser uma via mais eficaz do que é hoje.
Essas são, meus amigos, apenas ALGUMAS das razões por que nós levantamos o presente tema. Vocês, concurseiros, tenho certeza, sabem e são testemunhas de inúmeras outras. Por tudo isso, não seria razoável que dispôssemos de uma LEI NACIONAL - válida, portanto, para as três esferas de governo - que nos protejam contra possíveis arbitrariedades grotescas, a exemplo das enumeradas acima? Não estaria na hora de termos uma LEI PARA SELEÇÃO PÚBLICA DE SERVIDORES da mesma forma que hoje temos uma LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS? Será que a escolha de um fornecedor de um bem ou serviço para a satisfação de necessidades do Poder Público exige maior ZELO (a ponto de possuir um Diploma Legal próprio) que a seleção de um SERVIDOR PÚBLICO, também um legítimo "fornecedor de serviço" já que é ele a principal mola propulsora na delicada e árdua função de bem prestar um serviço público? Para implementá-la temos o instrumento: a INICIATIVA POPULAR além, é claro, de um GRANDE PÚBLICO INTERESSADO capaz de satisfazer os requisitos mínimos apontados no Texto Constitucional Federal para este instituto (número mínimo de eleitores etc.). É bem verdade que a Iniciativa Popular não garantirá, por si só, que o Congresso Nacional aprove uma possível norma infra-constitucional nesse sentido. Ele, como sabemos, é autônomo para acatar ou não a propositura. Contudo, o levantamento da discussão nesse sentido, a meu ver, já é bastante salutar.
Reflitam sobre isso.