(*) Artigo publicado na Coluna Gestão do Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com)
Passado o fuzuê em torno do Excelentíssimo Senhor presidente da República, fiquei cá pensando com meus botões: quanto vale um mandato presidencial? Melhor: quanto vale um pedaço de mandato presidencial?
O Poder é algo envolvente. É tão
envolvente que muitos dão a própria vida por ele. E não somente a própria vida.
Também a dignidade, o respeito, o apreço, a urbanidade, a honra, o caráter e a
ética. Vale tudo pelo Poder.
No plano do razoável, quando
trocamos uma coisa por outra é porque há uma certa equivalência entre ambas.
Equivalência que pode ser traduzida por valores, monetários ou não. Alguém já
disse um dia que uma venda não acontece por acaso. Envolve muitas variáveis. As
disposições de quem compra e de quem vende devem coincidir. Do contrário, o
negócio não se realiza. É como uma corrente elétrica. A presença de um
interruptor já inibe a transmissão da energia. A regra é a seguinte: quem dá em
troca sente-se satisfeito com o que recebe em contraprestação. Nutrido por seus
valores, cada negociador, a seu modo, apazigua-se. O negócio prospera, evolui e
ponto final.
Os fatos envolvendo o presidente
Temer deixaram marcas. Impregnaram-se indelevelmente na História do País. Muitos
vão ficar perpetuamente guardados na memória do povo brasileiro. Outros irão
submergindo aos poucos até desaparecer por completo.
Desde a visita de Joesley Batista
ao Palácio do Jaburu a política brasileira não é a mesma. É verdade que ela vem
sacudindo o País já há algum tempo. Delações
e ligações telefônicas foram o estopim de muita coisa. Mas agora era a
autoridade máxima de um País que ganhava as lentes da mídia nacional. Se já
tínhamos uma certa ojeriza por nossos representantes políticos, parece que ela
ficou mais evidente, mais palpável, mais viva na nossa retina.
Veio a votação na influente Comissão
de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Nunca as diferenças entre
política e politicalha ficaram tão nitidamente definidas. O próprio Ruy
Barbosa, se vivo estivesse, talvez duvidasse do que presenciasse. Do alto de
sua estatura intelectual proclamava em alto e bom som que a política “é a arte de gerir o Estado, segundo princípios
definidos, regras morais, leis escritas, ou tradições respeitáveis”. Consiste
ela “no exercício normal das forças de
uma nação consciente e senhora de si mesma”. Evidentemente que nada disso
se viu na CCJ.
Com mão de ferro e à maneira de
um implacável rolo compressor, o Governo
usou todas as suas fichas. Jogou com todas as suas cartas. Não reconheceu
limites. Estendeu seus braços até onde achava que podia estender.
Em rede nacional, presenciamos um
presidente sedento pelo Poder. Um presidente que pouco ou nada se importou com
a opinião pública que, boquiaberta, assistia um governante escolher seus
próprios juízes. Tivemos uma aula (explícita) de como alterar resultados. Mais
tarde, no Plenário da Câmara dos Deputados, não foi diferente. Os cofres
públicos é que o digam. Foram cifras bilionárias a serviço do primeiro presidente
denunciado no curso do mandato.
Ministros temporariamente
exonerados para ajudar na tropa de choque. O que aprendemos na academia acerca
da finalidade do ato administrativo foi jogado no lixo. Não contou. Foi
descartado como descartamos tubos de
pastas de dente.
Nossos representantes
parlamentares deram as costas para o seu eleitorado. Não se importaram nem um
pouco com 94% deles que reprovaram o atual mandatário presidencial. Foram
insensíveis aos apelos e aos reclamos populares.
Quanto vale mesmo um pedaço de
mandato presidencial?
Alguns defendem que a permanência
do presidente foi melhor para o País, pois ele estava colocando a economia nos
eixos. Mas não foi justamente para isso que ele assumiu a Presidência? Não foi
para cuidar dos interesses nacionais? Então, a estabilidade econômica de uma
Nação pode servir como moeda de troca? Evidente que não. Eu não aceitaria ser
governado por um governo que dialoga com empresários cuja reputação e histórico
se entrelaçam com o crime, em troca de um controle inflacionário.
Acredito que o dispositivo
constitucional que condicionou o julgamento de um presidente da República à
autorização da Câmara dos Deputados não teve por objetivo blindá-lo de processos
investigativos. A prerrogativa visou oferecer ao Órgão Legislativo a
oportunidade de refletir sobre o teor da acusação e, a partir daí, decidir pela
autorização ou não. Não deveria haver interferência externa nesse processo
cognitivo. Mas tal não se viu. Explicitamente, o resultado foi influenciado. Me
veio à memória agora a hipótese de anulabilidade do negócio jurídico no plano
civil quando algumas variáveis concorrem para traçar um cenário meio que turvo
da realidade que suportou a avença (art. 171 do Código Civil). Obviamente que a regra civil não se aplica ao
caso. Mas isso não descarta a possibilidade de fazermos alguns paralelos.
Ao que tudo indica, as regras do
jogo político são muito diversas das demais. Parece que são mundos totalmente separados.
O que é razoável e prudente a um nada tem a ver com o outro. E nos acostumamos
a raciocinar prudentemente diante de algumas situações. Achamos que a causa e o
efeito serão os mesmos em qualquer ambiente. Não no terreno da política. Na
política, tudo vale, tudo é possível. Até o bizarro.
Penso que em casos tais, dada a
gravidade dos fatos, caberia à população decidir se autorizaria ou não o
processo contra o presidente da República no Judiciário. Afinal, é ela a fonte
originária do Poder, conforme traduz a Magna Carta. Não saberíamos exatamente
qual seria o desfecho de tal medida, mas certamente teríamos mais instrumentos
para trabalhar um resultado o mais próximo possível dos anseios populares.
Fiquemos com o magistério do
saudoso Ruy Barbosa cujo descanso deve ter estremecido com os discursos
inflamados de nossos representantes na Câmara dos Deputados: “a politicalha é a
indústria de explorar o benefício de interesses
pessoais”.
ALIPIO REIS FIRMO FILHO
Conselheiro Substituto – TCE/AM