É comum vermos os tribunais de contas
dirigindo recomendações aos órgãos/entidades públicos para que observem esta ou
aquela legislação. Há recomendações de todo gênero: para que não realizem
despesas sem prévio empenho; para que realizem concursos públicos; para que não
incorram em fracionamentos de despesa, etc.
Refletindo sobre esse procedimento, vejo que
precisamos evoluir nesse terreno.
Nos quinze anos que passei no Tribunal de
Contas da União sempre aprendi que recomendações e determinações não se
confundem. São institutos distintos. Aliás, muito distintos! A começar pelas
definições de um e de outro instituto nos dicionários.
Os dicionaristas costumam definir o termo recomendar
como sinônimo de “aconselhamento” ou,
ainda, “encarregar (alguém) insistentemente para que cumpra uma
tarefa ou atividade”.
Bastam estas duas exemplificações para
concluirmos que o termo (recomendar) carrega consigo um forte conteúdo de voluntariedade. Em outras palavras,
quem recebe uma recomendação poderá ou não acatá-la visto que se
trata apenas de um aconselhamento, isto é, algo sujeito à esfera da
discricionariedade de seu destinatário. Nesse caso, o não acatamento do que foi
recomendado não poderá ser censurado por quem proferiu a recomendação uma
vez que seu destinatário optou (legitimamente) por uma das duas únicas
soluções postas à sua disposição, qual
seja, a de não acatar o que foi a ele recomendado. Afinal de contas, trata-se tão-somente
de uma recomendação. Nada mais.
O mesmo não podemos afirmar das determinações.
Ao contrário das recomendações, elas encerram
um conteúdo genuinamente imperativo.
Não haveria saída para seus destinatários: apenas cumpri-las e pronto. Eventual
descumprimento conduziria a alguma crítica, penalidade, restrição ou coisa do
gênero. A omissão (ou ação) estaria sujeita, portanto, a reprimendas.
Quando transporto essa concepção para o
universo de atuação dos tribunais de contas, a distinção ganha singular
importância. Aqui, as consequências jurídicas merecem uma maior reflexão.
Recomendações
encerram conselhos dirigidos à omitimização da gestão, possui um caráter menos
obrigatório, na qual, a Administração poderá
se valer de juízo de conveniência e oportunidade na aplicação das
condutas recomendadas. É o que diz, acertadamente, a Consultoria Zênite ao
analisar um questionamento vazado nos seguintes termos: qual a diferença prática e também teórica entre as determinações e as
recomendações expedidas pelo Tribunal de Contas da União? (Ano XVI, n. 179,
Janeiro 2009).
É preciso ter em
mente que as recomendações estão relacionadas à adoção de critérios de conveniência
e oportunidade por parte dos administradores públicos. Ou seja, as recomendações devem ser formuladas (pelos
tribunais de contas) sempre que o ato de
gestão avaliado tratar-se de atos
discricionários. Talvez alguns exemplos sejam mais claros:
Situação 1: o tribunal de contas vai a campo e ao analisar os atos de
gestão de seus jurisdicionados conclui que seria bastante oportuno que um
deterinado órgão ou entidade adotasse um planejamento estratégico, pois isso
certamente poderia coibir a proliferação de certas e determinadas
irregularidades. Como tudo se resove no plano das possibilidades (a adoção do
planejamento estratégico poderá ajudar não sendo certo, contudo, que isso de
fato irá acontecer) a recomendação seria a ferramenta mais legítima a ser
dirigida ao jurisdicionado, nestes termos: recomendar ao órgão/entidade “X” que
avalie a possibilidade de adoção do planejamento estratégico como ferramenta de
gestão.
Nessa situação
específica, a adoção da recomendação, ao invés de uma determinação, pressupõe que o planejamento estratégico não está definido na legislação do ente fiscalizado como de adoção compulsória por seus administradores públicos. Ele é apenas mais
uma ferramenta de gestão posto à disposição do setor público para alcançar os
seus objetivos, melhorar a prestação dos serviços públicos, e assim por diante.
É evidente que se houver uma legislação prevendo, de forma imperativa, que os
gestores adotem o planejamento estratégico como instrumento de gestão, então,
na hipótese dada, não haverá espaço para uma recomendação, mas para uma
determinação.
Situação 2: outro bom exemplo é quando um tribunal de
contas recomenda a aprovação/desaprovação das contas do governador.
Todos sabem que são
os legislativos estaduais que possuem competência para julgarem as contas
apresentadas pelo governador. Em sua análise, certamente que as assembleias
legislativas levarão em consideração as observações oferecidas pelo tribunal de
contas respectivo. Tais observações, todavia, não possuem natureza imperativa,
mas opinativa. Conquanto emanem de um organismo especializado, não possuem
natureza determinativa. Por isso situam-se no plano das recomendações.
Já deu pra perceber
que diante das recomendações o gestor público possui uma grande margem de
escolha. A recomendação mostra-se apenas como um indicativo, uma sugestão de
direção a ser tomada. Nada mais. Caberá ao cada administrador tomar a sua
própria decisão, acatando ou não a recomendação proposta.
Isso não se dá com as
determinações. Conforme outrora dito, sua natureza é determinativa. Seu
destinatário não terá qualquer condição de optar. Ou cumpre, ou cumpre. Vejamos
duas hipóteses que ilustram muito bem esse contexto:
Hipótese 1: o tribunal vai a campo e constata que um
órgão costuma adotar tomadas de preços no lugar de suas concorrências. Ora,
sabemos que essa conduta é vedada pela lei de licitações e contratos uma vez
que ela restringe o caráter competitivo do certame. Nesta hipótese o ato é
vinculado. Não há margem para discricionariedade. Havendo viabilidade de
competição e se não for caso de dispensa de licitação, o gestor deverá adotar a modalidade da concorrência (desde que, obviamente, o valor do objeto
licitado se situe dentro da faixa autorizativa dessa modalidade
licitatória).
Hipótese 2: o tribunal vai a campo e constata que um
determinado órgão/entidade não realiza o inventário anual de seus bens. Também
aqui se trata de um imperativo legal. Todo gestor público, ao final de cada
exercício, deve fazer o levantamento de seus bens. Como na situação anterior,
não há margem de opção por parte do
gestor. Ele terá que realizar o inventário de seus bens.
Nas hipóteses dadas, não
há como o tribunal recomendar que o gestor público adote a modalidade da
concorrência e/ou proceda ao inventário de seus bens. Do contrário, é como se
admitíssemos também que o administrador pudesse optar por não realizar qualquer
dos procedimentos. Muito pelo contrário. Ele terá que cumprir os dispositivos
legais e ponto final. Em razão disso, o tribunal terá de determinar que os
cumpra.
Em certa ocasião, na
qual eu abordava o tema em sala de aula, alguém retrucou afirmando que o
tribunal não poderia determinar porque a determinação, em sua opinião, seria
uma ingerência nos atos de gestão do administrado. Na verdade, não há qualquer
ingerência. Ela é apenas aparente. Vejamos.
O tribunal determina
porque antes dele uma norma jurídica (lei, regulamento, decisão judicial) assim
já determinara. Mas o gestor faltoso teimou em não seguir a orientação
normativa. A determinação do tribunal, em tais situações, apenas ressalta algo
que o comando legal, regulamentar ou jurisprudencial já havia ressaltado. Nesse caso, a determinação da corte de contas não é originária, mas deriva do ordenamento
jurídico. Seu fundamento de validade é o arcabouço legal/regulamentar/jurisprudencial. A determinação do tribunal de contas funciona como uma caneta destaque que apenas coloca em relevância um segmento da norma jurídica infringida.
Em suma, poderíamos adotar a seguinte regra:
todas as vezes em que a conduta do gestor não se constituir num ato vinculado,
é cabível a recomendação. Do contrário, a determinação deverá ser adotada.