domingo, 10 de abril de 2011

AUDITORES SUBSTITUTOS DE CONSELHEIROS E AUDITORES SUBSTITUTOS DE MINISTROS NOS TRIBUNAIS DE CONTAS: NATUREZA E ATRIBUIÇÕES DO CARGO

Achei interessante este Artigo produzido pelo colega Leonardo dos Santos Macieira, Auditor Substituto de Conselheiro no Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Pará, intitulado AUDITOR CONSTITUCIONAL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS que aborda a natureza e as astribuições do Cargo de Auditor Substituto de Ministros e Conselheiros nos Tribunais de Contas. O Texto é bastante oportuno em seus esclarecimentos já que o Cargo de Auditor Substituto é costumeiramente confundido com o Cargo dos Analistas e Técnicos ligados às funções de Controle Externo nas diversas Cortes de Contas de nosso País. Boa leitura a todos!

I - Introdução

O objetivo geral deste breve estudo é apresentar o arcabouço legal do cargo de Auditor Constitucional dos Tribunais de Contas no que se refere à natureza e às atribuições do cargo, assim como uma visão doutrinária e jurisprudencial a respeito de questões relacionadas à hierarquia e subordinação.
O artigo está dividido em três partes. O capítulo II trata da natureza e atribuições constitucionais do cargo de Auditor. O capitulo III aborda as questões relacionadas à hierarquia e seus desdobramentos. O capítulo IV apresenta o resultado de uma pesquisa sobre a estrutura organizacional e organograma dos Tribunais de Contas.

II - Natureza e Atribuições Constitucionais

Segundo previsão constitucional [01], os Tribunais de Contas são integrados por Ministros e Conselheiros que, em suas ausências e impedimentos, são substituídos por Auditores efetivos (concursados). Esses Auditores quando não estão substituindo Ministros e Conselheiros, exercem as demais atribuições da judicatura, com garantias de juiz de Tribunal Regional Federal. Assim, partindo da premissa que a Constituição não contém palavras inúteis, quis o constituinte que os Auditores exercessem somente duas atribuições, i) de substituição e ii) de judicatura, mantendo, com isso, o significado original da denominação do cargo de Auditor quando da sua criação no Tribunal de Contas da União, por meio do Decreto Legislativo n.0 3.454, de 06/01/1918, nome este, ainda que com significado inadequado para a época atual, que, àquela época, significava exatamente Magistrado da Corte de Contas, como registrados em muitos dicionários jurídicos e da língua portuguesa.
"Auditor (ô). [Do lat. auditore.] S.m. 1. Aquele que ouve; ouvidor. 2. Magistrado com exercício na Justiça militar e que desfruta de prerrogativas honorárias de oficial do exército. 3. Magistrado do contencioso administrativo. 4. Auditor da nunciatura (Tribunal Eclesiástico sujeito ao núncio – Embaixador do Papa)" [02].

Por força de disposição constitucional [03] e observando o princípio da simetria, os Estados são obrigados a organizar seus Tribunais segundo o modelo federal, ou seja, esses Tribunais estaduais devem seguir o modelo de organização, composição e de fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) detalhados na Constituição Federal de 1988, havendo, inclusive, julgados do STF nesse sentido.
"1. Estrutura dos Tribunais de Contas Estaduais. Observância necessária do modelo federal. Precedentes. 2. Não é possível ao Estado-membro extinguir o cargo de Auditor na Corte de Contas estadual, previsto constitucionalmente" (ADI 1994/ES).
O princípio da simetria determina que as entidades federativas estaduais, municipais e distrital, ao organizarem suas constituições estaduais e leis orgânicas, devem obediência às normas de organização previstas na Constituição Federal.
A despeito da clara previsão na Lei Fundamental, há grande confusão no que tange a natureza jurídica e as atribuições do cargo de Auditor previsto na Constituição Federal. O Auditor constitucional dos Tribunais de Contas, assim chamados por ter fundamento constitucional, difere de outros cargos de auditores previstos em normativos infraconstitucionais.
Apesar do mesmo nomem juris, com aqueles não podem ser confundidos, pois a natureza jurídica e atribuições dos cargos são completamente distintas. Explica-se: a Constituição Federal faz menção somente a dois cargos de Auditor, ambos efetivos: i) o Auditor do Tribunal de Contas (art. 73, § 30) e ii) Juiz-Auditor, como é conhecido o magistrado com exercício na Justiça militar [04] (art. 123, parágrafo único, II). Os dois cargos possuem atribuição e garantias de judicatura.
O Auditor militar também é chamado de Juiz-Auditor ou Juiz-Auditor Substituto (art. 1º, IV, da Lei n. 8.457/92). Trata-se de magistrado com exercício na justiça militar e que desfruta de prerrogativas honoríficas de oficial do exército.
Por outro lado, os demais cargos, sejam eles públicos ou não, denominados de "auditor", são previstos somente em normas infraconstitucionais e infralegais, não possuindo atribuições de judicatura e garantias de magistrado. Dessa forma, existem Auditores com fundamento constitucional e que são magistrados por possuírem atribuições e garantias de judicatura (Auditor substituto de Ministros ou de Conselheiros do Tribunal de Contas e Juiz Militar) e outros cargos de auditores na esfera pública e privada, com fundamento somente em normas legais e infralegais, que não exercem atribuições de judicatura e nem possuem garantias a ela inerentes.
O eminente tratadista Dr. Jorge Ulisses Jacoby Fernandes [05], Conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal, Mestre em Direito Público e Professor de Direito Administrativo, elucida as atribuições do Auditor com muita propriedade:
"Possuem os Tribunais de Contas Substitutos de ministros e conselheiros concursados, prontos para atuar durante os impedimentos e vacâncias. Trata-se de um traço peculiar. O nome jurídico do cargo também é referido como auditor e tem duas relevantes funções.
A ordinária, consistente em participar do plenário ou câmara e relatar processos (...)
A extraordinária consiste, precisamente, em substituir, para integrar quorum, o ministro ausente, no caso do Tribunal de Contas da União, ou o conselheiro, nos demais Tribunais. Nos impedimentos eventuais e nos não eventuais, assume integralmente as prerrogativas do substituto, inclusive quanto ao voto. (...)
É preciso notar que o constituinte foi muito criterioso ao definir as atribuições ordinárias do auditor, qualificando-as de, não sem motivo de "judicatura", dada a feição judicialiforme do julgamento das contas (...), isto é, próprias de juiz, do exercício da magistratura."
O doutrinador Valdecir Pascoal, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, Professor de Direito Financeiro e Controle Externo, Professor da Escola de Contas Públicas do TCE-PE e Pós-Graduado em Direito Constitucional e Administrativo também disserta sobre o cargo de auditor mencionando as garantias e atribuições de judicatura [06].
No sentido técnico-jurídico, não há como confundir o cargo de Auditor de Tribunal de Contas previsto na Constituição Federal, que tem natureza jurídica especial, com aquele profissional responsável por fazer auditorias e fiscalizações, regidos estritamente por normas infralegais, seja na condição de agente administrativo (regido por regime jurídico único), ou como profissional liberal e celetista (regido por normas próprias de conselhos de classe profissionais).
Como exemplo pode-se citar os servidores da Receita Federal do Brasil que, embora tenham o nome de auditor dado por lei, não possuem previsão constitucional e os servidores do Tribunal de Contas da União, antes denominados de Analistas de Controle Externo, que, com a edição da Lei n.0 11.950/09, passaram a ser denominados de "Auditor" Federal de Controle Externo, mas sem estatura constitucional ou atribuições de substituição de Ministros e de judicatura com as garantias inerentes.
Os auditores independentes e internos são regidos, entre outras, pelas Resoluções do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) n.º: 700/91, que trata das normas de Auditoria Independente; 701/91, que trata das normas Profissionais do Auditor Independente; e Norma Brasileira de Contabilidade T11 e T12 (NBC T 11 - 11.1.1.4 - O parecer é de exclusiva responsabilidade de contador registrado no Conselho Regional de Contabilidade, nestas normas denominado de auditor / NBC T 12 - 12.1.1.2 – A auditoria interna é de competência exclusiva de Contador registrado em Conselho Regional de Contabilidade, nesta norma denominado auditor interno).
O auditor independente é um profissional independente da empresa e de reconhecida capacidade técnica, inscrito no Conselho Profissional de Contabilidade. Esse profissional contábil, que examina as demonstrações contábeis da empresa e emite sua opinião sobre estas, é também conhecido como o auditor externo. Seus pareceres são peças opinativas sobre as demonstrações contábeis da empresa e classificam-se em: parecer sem ressalva, parecer com ressalva, parecer com abstenção de opinião e parecer adverso.
Os auditores internos, ao contrário do auditor independente, é um profissional vinculado à empresa. Eles focam suas atividades no policiamento de fraudes, fiscalização de cumprimento de normas, conferência de despesas e verificação de documentos comprobatórios internos da empresa. Em boa parte das descrições, o trabalho do auditor interno parece restrito ao campo contábil.
É possível que o Constituinte tenha sido infeliz em empregar nos tempos atuais o nomem júris de Auditor, ao invés de, por exemplo, denominar o cargo de "Ministro-Substituto" (Conselheiro-Substituto) ou de "Auditor Substituto de Ministro" (Auditor Substituto de Conselheiro), nome este que refletiria mais apropriadamente a natureza jurídica das atribuições do cargo e que foi adotado por algumas leis orgânicas de Tribunais de Contas com o nítido propósito de deixar claro que tal cargo em nada se assemelha a outros também denominados de auditor que compõem os serviços auxiliares (secretarias) daqueles Tribunais.
Com extrema didática, o Exmo. Sr. Ministro do STF, o Dr. Octavio Gallotti, já em meados da década de 80 tinha perfeita clareza das atribuições do cargo de Auditor constitucional do Tribunal de Contas, assim se manifestando a respeito:
"O estatus dos Auditores dos Tribunais de contas tem dado margem a muitas perplexidades, que começam com a impropriedade da denominação do cargo, ligada a uma tradição respeitável, mas totalmente divorciada do atual conceito de atividades de auditoria. Imprópria, por isso mesmo, para designar o servidor que tem normalmente assento no Plenário do Tribunal de Contas, com atribuições de relatar processos, formalizar propostas conclusivas e exercer plena jurisdição quando convocado para substituir Conselheiro ou Ministro (...)"
Da mesma feita o eminente Exmo. Ministro do STF, Dr. Carlos Ayres Brito, que é reconhecidamente um respeitado estudioso do tema, assim prelecionou:
"A Constituição Federal faz do cargo de auditor um cargo de existência necessária, porque, quando ela se refere nominalmente a um cargo, está dizendo que faz parte, necessariamente, da ossatura do Estado, e só por efeito de emenda à Constituição – e olhe lá – é que a matéria poderia ser modificada. De outra parte, auditor ainda tem uma particularidade: é regrado pela Constituição como um elemento de composição do próprio Tribunal" (ADI 1994-5 – ES).
Com isso, nota-se que importa menos o nomem juris ou denominação do cargo e mais a sua natureza jurídica.
O raciocínio contrário também pode ser feito, à medida que cargos com nomem júris diferentes podem ter natureza jurídica semelhante, como é o caso do cargo de Ministro do TCU e o de Conselheiro dos TCE e TCM que, apesar de nomes diversos, tem a mesma natureza, mesmo pressuposto de fundamento e atribuições e competências análogas.
Em recente questão enfrentada pelo egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, o Exmo. Sr. Desembargador, Dr. Francisco Lincoln Araújo e Silva, assim se manifestou em julgamento do dia 22/06/09, acerca de resolução do Tribunal de Contas local que violara as atribuições de judicatura do Auditor-Magistrado:
"Em se tratando, portanto de AUDITOR, em face de suas peculiaridades institucionais e da relevância do cargo, entendo que a sua disciplina, em caráter exaustivo, só pode ser estabelecidas em nível constitucional e legal, principalmente, no que se refere à definição de suas atribuições, que têm tudo a ver com o que, a respeito, já se encontra, expressa e exaustivamente, disposto nos textos constitucionais pertinentes".
Reconhecendo que as atribuições de judicatura do Auditor-Magistrado não se coadunam com a emissão de parecer, visto que essa atividade é de caráter meramente opinativo, o ilustre Desembargador concedeu medida liminar suspendendo a eficácia da resolução daquele Tribunal por reconhecer a manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade:
"Não posso, por isso, entender, data vênia, o motivo pelo qual o Tribunal de Contas dos Municípios, na contramão de comezinhos princípios, aqui e ali, de vez em quando, resolve se atribuir função típica de órgão legislativo, disciplinando, algumas vezes, por via simples resolução, matéria reservada ao domínio estritamente legislativo, usurpando dessa forma, a competência que a constituição adjudica, privativamente, ao Poder Legislativo.
O parecer de auditoria é emitido pelo profissional da iniciativa privada da área contábil, denominado de auditor independente e regido por norma infralegal, no caso, a Norma Brasileira de Contabilidade T11.
Ainda na citada Decisão, o citado Desembargador determinou a imediata distribuição de processos ao impetrante, mediante critérios impessoais de sorteio, aplicáveis a todos os magistrados da Corte de Contas, para que o Auditor possa dirigir a sua Instrução como Magistrado-Relator.
Várias leis orgânicas e constituições estaduais estabeleceram que os Auditores exerceriam as únicas duas funções previstas na Constituição Federal: a ordinária de judicatura e a extraordinária de substituto de Conselheiros.
Art. 16. O Auditor, quando em substituição a Conselheiro terá as mesmas garantias, impedimento, vencimentos e vantagens do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de direito (...) (A Lei Complementar n.0 25/1994. Lei Orgânica do TCM-PA).
A clara dicção constitucional reproduzidas pelas constituições estaduais não deixou muita margem para a competência legislativa em nível infraconstitucional e menos ainda no nível infralegal, visto que somente o constituinte federal e o legislador ordinário podem definir atribuições do cargo de Auditor.
Assim, é juridicamente impossível a criação de novas atribuições para os Auditores ou a prática de atos administrativos que interfiram na independência, imparcialidade e autonomia exclusivamente por força de ato de nível apenas regimental, em face de a atribuição do referido cargo ser de matéria constitucional, regulada por lei complementar em obediência ao princípio da estrita reserva legal.
Ocorre que muitas leis orgânicas não teceram maiores detalhes sobre as atribuições dos Auditores. Nesses casos, as omissões, desde que respeitado o comando constitucional, podem ser supridas subsidiariamente pelo disposto na Lei Orgânica do TCU e na Lei Orgânica da Magistratura (haja vista ser o Auditor o juiz natural das Cortes de Contas). Nesse sentido, a legislação do TCU assim dispõe sobre os Auditores:
"Art. 63. Os ministros, em suas ausências e impedimentos por motivo de licença, férias ou outro afastamento legal, serão substituídos, mediante convocação do Presidente do Tribunal, pelos auditores (...)(Lei nº 8.443/92)
§ 1° Os auditores serão também convocados para substituir ministros, para efeito de quorum (...)
§ 2° Em caso de vacância de cargo de ministro, o Presidente do Tribunal convocará auditor para exercer as funções inerentes ao cargo vago, até novo provimento (...)
Parágrafo único. O auditor, quando não convocado para substituir ministro, PRESIDIRÁ À INSTRUÇÃO DOS PROCESSOS QUE LHE FOREM DISTRIBUÍDOS, RELATANDO-OS COM PROPOSTA DE DECISÃO A SER VOTADA PELOS INTEGRANTES DO PLENÁRIO OU DA CÂMARA PARA A QUAL ESTIVER DESIGNADO.
Art. 79. O auditor, depois de empossado, só perderá o cargo por sentença judicial transitada em julgado."
Como somente a lei em sentido estrito pode estabelecer atribuições de cargos públicos e ainda assim nos limites da Constituição, observa-se que a legislação infraconstitucional e infralegal do TCU apenas detalharam que as atribuições da judicatura seriam presidir a instrução processual e relatar com proposta de decisão a ser votada pelo Plenário e Câmaras.
Instruir é efetuar atos, diligências, formalidades, análise das alegações dos interessados e produção de provas para esclarecer a relação jurídica e proporcionar elementos de convicção necessários ao julgamento da causa.
Relatar é expor sumariamente a situação de fato que é submetida a julgamento do Tribunal.
Em decorrência das atribuições judicantes, o Regimento Interno do TCU deixa explícito que os Auditores não se confundem com os servidores da Secretaria do Tribunal (que atualmente também são denominados de auditores), proibindo-os de exercer funções ou comissões naquela Secretaria. Essa distinção é importante, pois em vários Tribunais de Contas é comum que os cargos dos serviços auxiliares também tenham denominação de auditor, embora o mais usual seja a denominação de Analista de Controle Externo, Inspetor de Controle Externo ou de Técnico de Controle Externo.

III - Inexistência de Subordinação ou Vinculação

Judicatura significa o mesmo que poder de julgar, função ou cargo de magistratura [07]. Em decorrência do exercício de judicatura, sobrevêm as garantias constitucionais que asseguram a independência, autonomia e imparcialidade.
A respeito da imparcialidade e garantias do magistrado, o doutrinador Alexandre Freitas Câmara [08] destaca o seguinte:
"Para se assegurar a imparcialidade do Estado, é preciso que haja imparcialidade do agente estatal que irá, no caso concreto, exercer a função jurisdicional. Assim, em primeiro lugar, cuida o ordenamento jurídico, através de norma jurídica hierarquicamente superior às demais, de estabelecer garantias para os magistrados, ou seja, a Constituição da República arrola uma série de garantias dos juízes, destinadas a assegurar que a atuação do magistrado se dê, no processo, de forma imparcial."
Isso quer dizer que, nos termos da Constituição Federal, no exercício das atribuições de judicatura, cada Auditor atua "sem subordinação jurídica, vinculando-se exclusivamente ao ordenamento jurídico" [09], com o objetivo de "colocar-se acima dos poderes políticos e das massas que pretendem exercer pressão sobre suas decisões" [10].
Conforme leciona o professor Humberto Theodoro Júnior, a atividade do juiz é "subordinada exclusivamente à lei, a cujo império se submete com penhor de imparcialidade" [11].
Nesse mesmo sentido, o Exmo. Sr. Ministro do TCU, Dr. Ubiratan Aguiar [12], deixou bem claro em seu discurso, quando da posse do Auditor Weder de Oliveira, que o Auditor subordina-se apenas às normas constitucionais e infraconstitucionais. Logo, o Auditor não está sujeito a coordenação ou supervisão de superior hierárquico.
"A partir de hoje, vossa excelência, como Auditor desta Corte de Contas, estará subordinado apenas às normas constitucionais e infraconstitucionais brasileiras".
Segundo José dos Santos Carvalho Filho [13], hierarquia é o escalonamento em plano vertical dos órgãos e agentes que tem como objetivo a organização da função administrativa e tem como efeitos: o poder de comando; a fiscalização de atividades; o poder de revisão; e a avocação de atribuições.
Assim, indaga-se: é possível submeter o Auditor-Magistrado à hierarquia funcional? É possível obrigar o Auditor a instruir e concluir seu relatório no mérito de acordo com orientações administrativas? É possível determinar ao Auditor-Magistrado que presida a instrução de esta ou de aquela forma? Por fim, é possível avocar as competências constitucionais atribuídas ao Auditor-Magistrado?
Cremos que as respostas a todas essas indagações sejam negativas, pois, segundo o eminente administrativista José dos Santos Carvalho Filho, "INEXISTE HIERARQUIA ENTRE OS AGENTES QUE EXERCEM FUNÇÃO JURISDICIONAL OU LEGISLATIVA, VISTO QUE INAPLICÁVEL O REGIME DE COMANDO QUE A CARACTERIZA. NO QUE CONCERNE AOS PRIMEIROS, PREVALECE O PRINCÍPIO DA LIVRE CONVICÇÃO DO JUIZ, PELO QUAL AGE COM INDEPENDÊNCIA, ‘SEM SUBORDINÇÃO JURÍDICA AOS TRIBUNAIS SUPERIORES, COM BEM SALIENTA HUMBERTO THEODORO JUNIOR’".
Como não há no poder judiciário juiz vinculado a desembargador, não pode haver Auditor vinculado a Ministro (ou Conselheiro). As atividades administrativas e de gestão dos juízes e desembargadores são fiscalizadas internamente pelas corregedorias do próprio Tribunal e externamente pelo Conselho Nacional de Justiça. O mesmo modelo é seguido pelos Tribunais de Contas, cujos Ministros (Conselheiros) e Auditores também estão submetidos à função correcional interna e, possivelmente, no futuro próximo, do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas.
Assim, a hierarquia que o Auditor-Magistrado, Ministro e Conselheiro se submetem é a correição no que se refere à função disciplinar e a hierarquia administrativa e de gestão em relação à Presidência do Tribunal, mas nunca a uma hierarquia que interfira na isenção da Instrução Processual, na imparcialidade das conclusões do seu Relatório, ou que atente contra a autonomia e independência do Auditor-Magistrado, Ministro e Conselheiro.
Logo, conclui-se que não há subordinação hierárquica do ponto de vista funcional (ou vinculação, supervisão, coordenação, controle ou outro termo sinônimo ou análogo), mas apenas para com os atos administrativos e de gestão em relação à Presidência do Tribunal, a quem compete, por disposição legal, dirigir os trabalhos da instituição.

IV - Organização dos Tribunais e Contas

O objetivo desse capítulo é levantar como é a previsão legal dos Auditores em alguns Tribunais de Contas, e sempre que disponível apresentar o organograma da instituição.
Como decorrência do princípio da simetria, a organização dos demais Tribunais segue o modelo federal, consubstanciado no modelo do TCU, que serve de parâmetro para os demais Cortes de Contas. A estrutura organizacional (organograma) do TCU é dividida em Colegiados (Plenários e Câmaras), Autoridades (Ministros, Auditores e Procuradores) e Secretaria (serviços auxiliares técnicos e administrativos).
Os servidores da secretaria do Tribunal são normalmente estatutários e seus cargos geralmente possuem as seguintes denominações: Auditor Federal de Controle Externo (TCU), Auditor de Contas Públicas (TCE-PE e TCE-PB), Auditor de Controle Externo (TCE-PI), Auditor Externo (TCE-MT), Auditor Fiscal de Controle Externo (TCE-SC), Auditor Contábil (TCE-SE), Inspetor de Controle Externo (TCE-MG), Analista de Controle Externo (TCE-MA, TCE-TO e TCE-AC), Analista Fiscal (TCE-RR) e Técnico de Controle Externo (TCE-RO e TCE-PR).
Dessa diversidade de denominações dos servidores das secretarias dos Tribunais é que decorre a confusão feita pelos leigos com relação ao cargo de Auditor-Magistrado previsto na Constituição Federal (Ministro e Conselheiro Substituto).
Não há hierarquia entre Ministros, Auditores e Procuradores. Os Ministros (exceção do presidente) e os Auditores presidem a instrução e relatam processos. O Ministro Presidente só vota para desempatar. Os Auditores somente votam quando estiverem substituindo Ministros. Quando não estiverem substituindo, as propostas de deliberações dos Auditores são votadas pelos demais Ministros.
Os jurisdicionados são divididos em tantas listas quanto forem o número de Ministros e de Auditores relatores, sendo tais listas sorteadas entre eles mediante critérios de publicidade e alternatividade a cada biênio.

As secretarias do Tribunal são responsáveis por operacionalizar a execução da instrução processual de tomadas e de prestações de contas ordinárias e especiais, de consultas, de denúncias, de representações, de requerimentos, de contratos, de licitações, bem como por analisar os pedidos e solicitações de órgãos e entidades vinculados à área de atuação da secretaria. Dependendo de cada Ministro ou Auditor, mediante delegação, as secretarias podem sanear os processos sob sua responsabilidade, por meio de inspeção, diligência, citação ou audiência.

No Estado do Pará, o TCE segue o modelo federal, conforme legislação daquele Tribunal:
"Art. 40. São atribuições dos Auditores:
(...)
a) exercer as funções inerentes ao cargo de Conselheiro, no caso de vacância (...);
b) substituir os Conselheiros em suas ausências e impedimentos por motivo de licença, férias ou outro afastamento legal, e ainda, para efeito de quorum (...);
II - atuar em caráter permanente junto ao Plenário, PRESIDINDO A INSTRUÇÃO DOS PROCESSOS QUE LHES FOREM DISTRIBUÍDOS POR SORTEIO, RELATANDO-OS COM PROPOSTA DE DECISÃO POR ESCRITO, A SER VOTADA PELOS CONSELHEIROS, E PARTICIPAR DA DISCUSSÃO SOBRE ESSES AUTOS;
III - presidir sindicância e comissão de processo administrativo, quando designados pela Presidência;
IV - auxiliar o Presidente no exercício de suas atribuições;
O organograma do TCE-PA também reproduz o modelo federal, estando divido em Colegiado, Autoridades e Serviços Auxiliares.
Ainda na Região Norte, o TCE do Maranhão também seguiu o modelo federal, assim dispondo sobre os Auditores, seguindo-se a estrutura organizacional dividida em Colegiados, Autoridades e Serviços Auxiliares:
"Art. 77. Os Conselheiros, em suas ausências e impedimentos por motivo de licença, férias ou outro afastamento legal, serão substituídos, mediante convocação do Presidente do Tribunal, pelos Auditores (...).(Lei nº 8.258/05).
§ 1°- Os Auditores serão também convocados para substituir Conselheiro, para efeito de quorum (...).
§ 2°- Em caso de vacância de cargo de Conselheiro, o Presidente do Tribunal convocará Auditor para exercer as funções inerentes ao cargo vago (...).
Art. 104. (...)
Parágrafo único. O Auditor, quando não convocado para substituir Conselheiro, PRESIDIRÁ A INSTRUÇÃO DOS PROCESSOS QUE LHE FOREM DISTRIBUÍDOS, RELATANDO-OS COM PROPOSTA DE DECISÃO A SER VOTADA PELOS INTEGRANTES DO PLENÁRIO OU DA CÂMARA PARA A QUAL ESTIVER DESIGNADO"
O maior Estado da federação, São Paulo, por sua vez, também implementou o modelo federal no que se refere aos cargos de Auditores, a saber:
Artigo 4º - Compete ao Auditor do Tribunal de Contas: (Lei Complementar n. 979/00).
I - substituir Conselheiros em suas ausências e impedimentos por motivo de licença, férias ou outro afastamento legal;
II - PRESIDIR A INSTRUÇÃO DOS PROCESSOS QUE LHE FOREM DISTRIBUÍDOS, QUANDO NÃO ESTIVER CONVOCADO PARA SUBSTITUIR CONSELHEIRO, RELATANDO-OS COM PROPOSTA DE DECISÃO A SER VOTADA PELOS INTEGRANTES DO PLENÁRIO OU DA CÂMARA PARA A QUAL ESTIVER DESIGNADO;
Parágrafo único - O Auditor do Tribunal de Contas, quando em substituição a Conselheiro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de Juiz Estadual de Direito da última entrância.
Artigo 5º - Ocorrendo alguma das hipóteses previstas no inciso I do artigo 4º e sempre que se fizer necessário, os Auditores do Tribunal de Contas exercerão a substituição mediante convocação do Presidente do Tribunal de Contas, de acordo com critérios previstos no Regimento Interno do Tribunal.
§ 1º - Em caso de vacância de cargo de Conselheiro, o Presidente do Tribunal de Contas, observados os critérios previstos no caput, convocará Auditor do Tribunal de Contas para exercer as funções inerentes ao cargo vago, até novo provimento.
§ 2º - Assiste ao Auditor do Tribunal de Contas o direito de perceber, por efeito da substituição e enquanto ela ocorrer, a remuneração devida ao Conselheiro"
A exposição de motivos da lei de criação do cargo de Auditor no Tribunal de Contas de São Paulo deixa claro que tal medida tem por escopo fazer com que seus titulares, a par de exercerem a substituição dos Conselheiros, possam compor o modelo constitucional de organização da Corte de Contas. Cita dezenas de decisões do STF nesse sentido para concluir que essa é orientação que vem sendo definida pelo Supremo Tribunal Federal. Afirma ainda que o projeto busca acompanhar os parâmetros das competências atribuídas ao Auditor, no âmbito da organização do Tribunal de Contas da União.
A seguir, apresenta-se um quadro com exemplos de Tribunais que, segundo as respectivas leis complementares e regimentos internos, seguem o modelo federal.

Quadro 1 – Cortes de Contas que seguem integralmente o modelo federal (TCU)

Função Ordinária

Tribunal
  1. Presidir a Instrução de processos
  2. Relatar processos com proposta de decisão
  3. a ser votado pelo Plenário ou Câmaras.
    que lhe for distribuído;
SubstituirMinistros e Conselheiros nas seguintes hipóteses:
  1. Ausências;
  2. Impedimentos;
  3. Licenças;
  4. Férias;
  5. Afastamento Legal;
  6. Vacância; e
  7. Quorum.
  1. TCE-AM;
  2. TCE-CE;
  3. TCE-DF;
  4. TCE-ES;
  5. TCE-MA;
  6. TCE-PA;
  7. TCE-PB;
  8. TCE-PE;
  9. TCE-PI;

  • TCE-PR;
  • TCE-RN;
  • TCE-RO;
  • TCE-RR;
  • TCE-SC;
  • TCE-SE;
  • TCE-SP;
  • TCE-TO.

Fonte: Leis Orgânicas e Regimentos Internos

Alguns Tribunais não fazem parte desta lista por não possuírem a figura do Auditor em sede constitucional ou legal. Outras Cortes de Contas possuem cargos com nomes juris de Auditor, mas a atribuições desses cargos se distanciam de tal maneira do modelo constitucional que foram excluídas da Tabela. No entanto, aos Tribunais não constantes da Tabela 1, na maior parte das vezes, faltam tão-somente algumas das funções ordinárias ou extraordinárias do cargo de Auditor.


V - Conclusão

Pretendeu-se com este artigo apresentar elementos e subsídios para uma análise descritiva do cargo de Auditor Constitucional dos Tribunais de Contas (Auditor-Magistrado), sem, contudo, apresentar cunho crítico ou prescritivo, mas visando tão-somente contribuir para a compreensão e divulgação do cargo também denominado de Ministro (Conselheiro) substituto. Esse cargo, que nada mais é do que o juiz natural das Cortes de Contas, como concebido há mais de noventa anos pelo Decreto de criação n.0 3454 de 1918, possui garantias de magistrados que o possibilita atuar com plena independência e sem subordinação hierárquica ou jurídica, vinculando-o apenas ao ordenamento constitucional e legal, que o diferencia, sobremaneira, de todos os demais cargos infraconstitucionais e infralegais também denominados de auditor.


Bibliografia

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PASCUAL, Valdecir. Direito Financeiro e Controle Externo. 4ª Ed. Editora Impetus.

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THEODORO Jr, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. V. I. 50ª Ed. Editora Forense: Rio de Janeiro, 2009. p. 39.


Notas

  1. Art. 73, § 4º, CF/88 - O auditor, quando em substituição a Ministro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal.
  2. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Filosofia. 1ª Ed. Editora Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1975, p. 160.
  3. Art. 75, CF/88 - As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.
  4. Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros.
  5. Lei 8.457/92. Art. 1° São órgãos da Justiça Militar:
  6. I o Superior Tribunal Militar; II a Auditoria de Correição; III os Conselhos de Justiça; IV os Juízes-Auditores e os Juízes-Auditores Substitutos.
  7. Tribunais de Contas do Brasil: Jurisdição e Competência. 2ª edição. Editora Fórum: Belo Horizonte, 2005. p. 692-693.
  8. Direito Financeiro e Controle Externo – Ed. Impetus – 4ª Ed.
  9. SANTOS, Washington. Dicionário Jurídico Brasileiro. Ed.: Del Rey.
  10. Lições de Direito Processual Civil. 17ª edição. Editora Lumem Júris: Rio de Janeiro, 2008. p.136.
  11. PACHECO, José da Silva. Direito Processual Civil. 1ª edição. São Paulo: 1976.
  12. COUTURE, Eduardo. Introdução ao estudo do direito processual civil. Rio de Janeiro.
  13. Curso de Direito Processual Civil – Vol. I – 50ª edição – Editora Forense – Rio de Janeiro – 2009 – p. 39.
  14. Ata do TCU n. 1, de 21 de janeiro de 2009.
  15. Manual de Direito Administrativo. 17ª Ed. Lumes Júris.

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    sábado, 2 de abril de 2011

    terça-feira, 29 de março de 2011

    RECEITAS EXTRAORÇAMENTÁRIAS

                  Quando ouvimos falar em “Receita Extra-Orçamentária” logo nos vem à mente a idéia de algo “que não está contido no  orçamento público”. Esta noção, contudo, merece ser recebida com cautelas. Isto porque o parâmetro por ela adotado – ausência da receita na peça orçamentária – não se mostra como um parâmetro seguro, mas incompleto.  Incompleto porque nem toda receita que está fora do orçamento deverá ser classificada, necessariamente, como uma receita extra-orçamentária. Ao contrário. Há receitas que estão fora do orçamento e que possuem natureza orçamentária. Nesse sentido, o exemplo mais clássico são os conhecidos excessos de arrecadação. 

    Conforme todos nós sabemos “excessos de arrecadação” são receitas que chegam aos cofres públicos, mas que não foram previstas. Ora, se não foram previstas é porque estão fora do orçamento. Logo, tratar-se-iam de receitas extra-orçamentárias? Certamente que não! Ousamos afirmar que dez entre dez especialistas versados na prática da elaboração orçamentária indubitavelmente classificariam tais valores como receita orçamentária e não como extra-orçamentária. 

    Por outro lado, há valores que estão contidos na lei orçamentária, mas que se transformam em receitas extra-orçamentárias. É o caso, p. exemplo, dos valores reservados para o custeio da folha de pagamento do quadro de pessoal de uma instituição pública. Antes de sua confecção esses valores possuem natureza orçamentária. Terminada a folha, muda a natureza da disponibilidade financeira: já não se trata mais de receita orçamentária, mas de valores que devem ser contados como itens extra-orçamentários. Por quê? Porque o parâmetro que deverá ser tomado para que se proceda a uma classificação mais próxima da realidade é de natureza jurídica e não contábil.

    Explicamos.

    Todo valor que ingressa nos cofres públicos poderá ser classificado em dois grandes grupos: ou corresponderão a recursos pertencentes ao próprio Poder Público, ou pertencerão a terceiros. Em outras palavras (e recorrendo a uma linguagem jurídica): há valores que pertencem ao Poder Público e que estão em sua posse (física). Tais valores chamaremos de Receita Orçamentária. Entretanto, poderá ocorrer que o Estado arrecade valores que não lhe pertence: Ele disporá, portanto, da posse (física) desses valores, mas não será proprietário dos mesmos. Nesse caso, estaremos diante de uma Receita Extra-Orçamentária. O quadro I a seguir resume esses conceitos:

                                                        Quadro I




    Disponibilidade
    Posse
    Propriedade
    Classificação
    Sim
    Sim
    Receita Orçamentária
    Sim
    Não
    Receita Extraorçamentária

              
    Vamos a algumas exemplificações de receitas extra-orçamentárias:

    a) o depósito em dinheiro feito por alguém contratado pelo Poder Público para garantir a execução de seu contrato;
    b) as antecipações de receitas orçamentárias;
    c) os recursos provenientes do empréstimo compulsório previsto no art. 148 da Constituição Federal.

    Todas estas exemplificações têm um ponto em comum: diante de todas elas o Estado assemelha-se a uma instituição bancária. Apenas guarda valores pertencentes a outras pessoas que, por isso mesmo, terá de devolver a elas no futuro. Numa palavra: o Estado é um mero agente arrecadador. Nos exemplos dados os proprietários serão, respectivamente, o contratado, a instituição financeira que efetivou a antecipação (no caso de a transação ocorrer perante uma instituição financeira) e o cidadão (do qual o empréstimo compulsório foi tomado). Dessa forma, podemos concluir que em cada uma das situações apontadas o Estado conta apenas com a posse (física) do valor, mas não dispõe de sua propriedade. Esta peculiaridade tem uma importância brutal para as Finanças Públicas: é que as Instituições Públicas não poderão lançar mão de tais valores para custear suas despesas. Esse, sim, o fundamento primeiro de uma receita extra-orçamentária.

    Fazendo um paralelo com as instituições bancárias poderíamos mesmo afirmar, guardadas as devidas proporções, que elas trabalham, essencialmente, com receitas extra-orçamentárias uma vez que a grande massa de recursos que circula no Sistema Financeiro Nacional pertence a pessoa diversa daquela que é sua guardiã, isto é, que dispõe de sua posse (física). O mesmo acontece, em determinadas situações, com as instituições públicas. 

    É bem verdade que em certas ocasiões um valor antes classificado como receita extra-orçamentária poderá se transformar em receita-orçamentária. Nesse caso, o valor incorporar-se-á, em definitivo, à peça orçamentária merecendo, portanto, ser classificado como receita orçamentária. É o caso, p. exemplo, do depósito feito pelo contratado para a garantia de seu contrato ajustado com uma Instituição Pública. Caso este último torne-se inadimplente a Lei n° 8.666/93 autoriza o Poder Público a ficar com a quantia depositada, total ou parcialmente, objetivando a ressarcir-se pelos prejuízos porventura por ele causados. Essa transformação, contudo, jamais poderá ocorrer quanto as outras duas situações apontadas (antecipações das receitas orçamentárias e empréstimos compulsórios). Em relação a eles os valores ingressam nos cofres públicos como receitas extra-orçamentárias permanecendo nessa condição até o momento em que são entregues (entenda-se, devolvidas) aos seus legítimos proprietários. 

    Por outro lado, conforme dissemos, há receitas que estão contidas na peça orçamentária, mas que, no momento seguinte,  transformam-se em receitas extra-orçamentária. E em que momento isso ocorre? No momento da liquidação da despesa. O quadro II esclarecerá melhor o que queremos dizer:



                                                    Quadro II




    Disponibilidade
    Liquidação
    Receita Extra-Orçamentária
    Receita Orçamentária
    $ 1.000
    -
    -
    $ 1.000
    $ 1.000
    $ 250
    $ 250
    $ 750
    $ 1.000
    $ 500
    $ 500
    $ 500
    $ 1.000
    $ 750
    $ 750
    $ 250
    $ 1.000
    $ 1.000
    $ 1.000
    -


    Observe que a ocorrência da liquidação da despesa não altera a disponibilidade. Ela permanece inalterada durante todo o processo de liquidação da despesa[1]. Perceba também que antes de qualquer despesa liquidada todas as disponibilidades eram classificadas como receita orçamentária, uma vez que o Estado detinha a sua posse (física) e, ao mesmo tempo, era seu proprietário (isto é, seu dono). Contudo, à medida que os valores são liquidados o Estado perde a propriedade sobre uma fração cada vez maior das disponibilidades mantendo, contudo, a sua posse (física). Podemos concluir, portanto, que os valores liquidados transmudam a natureza das disponibilidades financeiras transformando-as em receitas extra-orçamentárias na razão direta das liquidações.

    Esclareça-se, ainda, que as disponibilidade aqui consideradas – no valor de $ 1.000 – correspondem aos valores arrecadados pelo Poder Público, estejam elas previstas ou não previstas na lei orçamentária (excesso de arrecadação).

    Para finalizar, gostaríamos de fazer um paralelo entre os conceitos aqui expostos com o nosso dia-a-dia.

    Imagine alguém que não tenha dívidas e que acabe de receber o seu salário. Vamos supor que a remuneração dessa pessoa seja de $ 2.000 u.m. Ao receber seu salário o total de suas disponibilidades financeiras será classificada, na ótica do orçamento público, como receita  orçamentária. Isto porque ela dispõe tanto da posse (física) dos valores quanto de sua propriedade.

    No momento seguinte essa pessoa vai até a um supermercado e gasta $ 300 u.m. “pendurando” a conta em seu cartão de crédito. Pois bem, se fôssemos classificar as suas disponibilidades em orçamentária e extra-orçamentária diríamos que $ 1.700 u.m. seria receita orçamentária enquanto o remanescente ($ 300 u.m.) corresponderia a recursos extra-orçamentários. Para chegarmos a essa conclusão aplicamos a regra do Quadro I, acima.

    Essa nova classificação significa que as $ 300 u.m. já não mais pertencem ao nosso personagem, mas sim ao supermercado encontrando-se  tão-somente transitoriamente na posse (física) da mesma. Quando chegar a fatura do cartão de crédito ela, então, procederá ao pagamento da dívida. Mas não apenas isso. Ao assim proceder estará apenas entregando algo ao supermercado que, na verdade, já era dele desde o dia em que foi efetivada a compra a prazo. Isso ocorre com todas as compras a prazo que fazemos. A rigor, portanto, ao fazer uma nova compra a prazo não poderíamos gastar nenhum valor de nossas disponibilidades que estivessem dentro do limite de nossas compras a prazo feitas no passado. Isto porque estaríamos recorrendo a uma fonte de recursos que já não é nossa, pois já não nos pertence.


    [1] As disponibilidades somente se alterarão se o processo de liquidação da despesa for concomitante com o seu pagamento. Nesse caso as disponibilidades serão reduzidas na medida em que a despesa for liquidada.

    segunda-feira, 28 de março de 2011

    STN PUBLICA NOVAS PORTARIAS RELACIONADAS AOS GRUPOS TÉCNICOS DE CONTABILIDADE GOVERNAMENTAL

    A Secretaria do Tesouro Nacional publicou no mês de fevereiro três Portarias relacionadas à composição dos grupos técnicos que estão atuando no processo de convergência da Contabilidade Pública Brasileira aos padrões internacionais. São as Portarias nºs 110,  109111, todas de 21 de fevereiro 2011.

    quarta-feira, 23 de março de 2011

    RESTOS A PAGAR ANTES E DEPOIS DO MANUAL DE CONTABILIDADE APLICADA AO SETOR PÚBLICO

    Os Restos a Pagar, conforme o próprio nome aduz, correspondem a empenhos que deixaram de ser pagos ao final de cada ano por uma entidade governamental (União, Estados, DF e Município). Os motivos para o não pagamento são vários, indo desde a falta de recursos em Caixa/Bancos até à ausência de entrega, pelo fornecedor, do bem ou serviço solicitado pela entidade pública. Apenas para se ter uma idéia da importância dessa rubrica nos Balanços Públicos, ela somava 114,13 bilhões de reais no Balanço Patrimonial da União em 31/12/2009 (Fonte: Balanço Geral da União). Com o advento do Manual de Contabilidade Aplicado ao Setor Público a forma de contabilização dos Restos a Pagar irá sofrer uma profunda alteração. Pensando nisso, apresentamos abaixo o registro contábil de três situações comuns no dia-a-dia da administração pública onde poderão ser colhidos importantes subísidos nesse sentido. Para tanto, os fatos foram contabilizados em dois Balanços Patrimoniais: um estruturado de acordo com a atual forma de escriturar e o outro já observando a nova estrutura patrimonial.   Boa leitura a todos!!


    No início de um exercício, a composição do Balanço Patrimonial[1] de uma entidade qualquer era a seguinte:


    [1] Adotando-se a antiga estrutura.




    ATIVO FINANCEIRO                           PASSIVO FINANCEIRO
                    Disponibilidades: 200
                    ATIVO NÃO FINANCEIRO  PASSIVO NÃO FINANCEIRO                        
                                                                                   TOTAL PASSIVO: 0
    TOTAL ATIVO: 200                             PATRIMÔNIO LÍQUIDO: 200
    TOTAL: 200                                         TOTAL: 200
    Construindo esses mesmos dados sob a nova estrutura do Balanço Patrimonial, teríamos:
    ATIVO CIRCULANTE                           PASSIVO CIRCULANTE
                    Caixa e Equivalente de
                    Caixa[1]: 200
                    ATIVO NÃO CIRCULANTE  PASSIVO NÃO CIRCULANTE                       
                                                                                  TOTAL PASSIVO: 0
    TOTAL ATIVO: 200                             PATRIMÔNIO LÍQUIDO: 200
    TOTAL: 200                                         TOTAL: 200
    A partir dos dados acima, ocorreram os seguintes fatos ao longo do exercício “X1”:
    1 – a entidade empenhou o valor de R$ 80,00 (oitenta reais) relativos à aquisição de bens que, todavia, não foram entregues no exercício[2]:

                              BALANÇO PATRIMONIAL
                                  (estrutura anterior)
    ATIVO FINANCEIRO                           PASSIVO FINANCEIRO
                    Disponibilidades: 200                        RP não Processados: 80
                    ATIVO NÃO FINANCEIRO   PASSIVO NÃO FINANCEIRO                       
                                                                                  TOTAL PASSIVO: 80
    TOTAL ATIVO: 200                             PATRIMÔNIO LÍQUIDO: 120
    TOTAL: 200                                         TOTAL: 200

                               BALANÇO PATRIMONIAL
                                    (nova estrutura)
    ATIVO CIRCULANTE                           PASSIVO CIRCULANTE
                    Caixa e Equivalente de
                    Caixa: 200
                    ATIVO NÃO CIRCULANTE  PASSIVO NÃO CIRCULANTE                       
                                                                                  TOTAL PASSIVO: 0
    TOTAL ATIVO: 200                             PATRIMÔNIO LÍQUIDO: 200
    TOTAL: 200                                         TOTAL: 200
    COMENTÁRIO: conforme pode ser visto, a operação não é registrada na nova estrutura do Balanço Patrimonial. Apenas a antiga estrutura foi alterada:
    a) o Passivo Financeiro, que não contava com nenhum valor escriturado, agora registra o valor correspondente aos empenhos realizados (R$ 80,00). Essa informação eleva o total do passivo na mesma importância;
                    b) o Patrimônio Líquido, em consequência, é reduzido proporcionalmente passando a registrar R$ 120,00.   

    2 – a entidade empenhou e liquidou a aquisição de bens no valor de R$ 30,00 (trinta reais):

                             BALANÇO PATRIMONIAL
                                  (estrutura anterior)
    ATIVO FINANCEIRO                           PASSIVO FINANCEIRO
                    Disponibilidades: 200                        RP não Processados: 80
    RP Processados: 30
                    ATIVO NÃO FINANCEIRO   PASSIVO NÃO FINANCEIRO                       
                                                                                  TOTAL PASSIVO: 110
    TOTAL ATIVO: 200                             PATRIMÔNIO LÍQUIDO: 90
    TOTAL: 200                                         TOTAL: 200

                               BALANÇO PATRIMONIAL
                                    (nova estrutura)
    ATIVO CIRCULANTE                           PASSIVO CIRCULANTE
                    Caixa e Equivalente de              Obrigações a Pagar: 30
                    Caixa: 200
                    ATIVO NÃO CIRCULANTE  PASSIVO NÃO CIRCULANTE                       
                                                                                  TOTAL PASSIVO: 30
    TOTAL ATIVO: 200                             PATRIMÔNIO LÍQUIDO: 170
    TOTAL: 200                                         TOTAL: 200
    COMENTÁRIO: ambos os demonstrativos foram alterados pela operação: 
    a) o Passivo Financeiro do Balanço Patrimonial da antiga estrutura incorporou os Restos a Pagar Processados, elevando-se. Em consequência, também o total do passivo aumenta na mesma proporção passando agora a registrar R$ 110,00;
                    b) seu Patrimônio Líquido, ao contrário, reduz-se ainda mais passando a registrar R$ 90,00;
                    c) o Passivo Circulante do Balanço Patrimonial (nova estrutura) é igualmente alterado,  incorporando uma obrigação no valor de R$ 30 dada a ocorrência do fato gerador (entrega dos bens pelo fornecedor);
                    d) por conta disso, seu Patrimônio Líquido reduz-se para R$ 170.
                    3 – a entidade empenhou o valor de R$ 40,00 (quarenta reais) relativos à aquisição de bens que, muito embora tenham sido entregues no exercício, foram liquidados no exercício subsequente:
                             BALANÇO PATRIMONIAL
                                  (estrutura anterior)
    ATIVO FINANCEIRO                           PASSIVO FINANCEIRO
                    Disponibilidades: 200                        RP não Processados: 120
    RP Processados: 30
                    ATIVO NÃO FINANCEIRO   PASSIVO NÃO FINANCEIRO                       
                                                                                  TOTAL PASSIVO: 150
    TOTAL ATIVO: 200                             PATRIMÔNIO LÍQUIDO: 50
    TOTAL: 200                                         TOTAL: 200

                               BALANÇO PATRIMONIAL
                                    (nova estrutura)
    ATIVO CIRCULANTE                           PASSIVO CIRCULANTE
                    Caixa e Equivalente de              Obrigações a Pagar: 70
                    Caixa: 200
                    ATIVO NÃO CIRCULANTE  PASSIVO NÃO CIRCULANTE                       
                                                                                  TOTAL PASSIVO: 70
    TOTAL ATIVO: 200                             PATRIMÔNIO LÍQUIDO: 130
    TOTAL: 200                                         TOTAL: 200
    COMENTÁRIO: também aqui os dois demonstrativos sofreram alterações: 
    a) a despesa é registrada como Restos a Pagar Não Processados no Passivo Financeiro do Balanço Patrimonial (antiga estrutura). Esse registro provoca a sua elevação, assim como do total do passivo que passa a registrar R$ 150,00;
                    b) o Patrimônio Líquido, por sua vez, reduz-se para R$ 50,00;
                    c) o Passivo Circulante do Balanço Patrimonial (nova estrutura) é igualmente alterado,  incorporando uma obrigação no valor de R$ 40 em razão da ocorrência do fato gerador (liquidação da despesa no exercício);
                    d) o Patrimônio Líquido reduz-se para R$ 130.



    [1] “Equivalente de Caixa” é um novo conceito introduzido pelo MCASP. Representam recursos com livre movimentação para aplicação nas operações da entidade e para os quais não haja restrições para uso imediato. Esse conceito já era praticado na Contabilidade empresarial. 
    [2] O empenho não foi cancelado e os bens foram entregues no exercício subsequente, isto é, no exercício “X2”.