ABORDO UM TEMA IMPORTANTE NA MINHA COLUNA GESTÃO DESTA SEMANA: CONTABILIDADE PÚBLICA MUNICIPAL DEFASADA.
BOA LEITURA!!
Em quase seis anos de atuação no Tribunal de Contas, tenho
notado que as prefeituras municipais interioranas de meu Estado, com elas as
câmaras de vereadores, têm deixado para a virada do ano a elaboração de seus
demonstrativos contábeis, orçamentários e financeiros. Conquanto haja exceções
a essa regra, visto que conheço algumas poucas municipalidades que estão
produzindo os seus registros durante o ano, a maioria deixa para produzi-los
após o encerramento do exercício. Com efeito, inúmeros relatórios e balanços
que poderiam ser construídos ao longo do ano vêm a público depois de seu
encerramento.
A prática é influenciada, muito provavelmente, pelo prazo
fixado para a apresentação das contas.
Conforme sabemos, os órgãos públicos estaduais e municipais
amazonenses têm até o final do mês de março do ano subsequente para
apresentarem suas prestações de contas. É um momento solene em que os
gestores tornam público suas ações
perante o Tribunal de Contas, dizendo como administraram os recursos postos em
suas mãos. A apresentação das contas é
normatizada pelo TCE-AM por meio das Resoluções 05/90 (administração direta) e
07/90 (administração indireta). São exigidas várias informações dos órgãos,
entre eles, alguns demonstrativos e relatórios orçamentários, contábeis e
financeiros.
Com o passar do tempo, todavia, os órgãos municipais
interioranos deixaram para elaborar seus demonstrativos apenas quando as contas
fossem apresentadas. Um grande equívoco. Vejamos.
A gestão pública necessita de informações diárias. E não
estou me referindo apenas às informações contábeis. Estou fazendo referência a
informações de qualquer natureza: dados orçamentários e financeiros, despesas
com folha de pagamento, estoque/consumo de bens no almoxarifado, volume
arrecadado, mínimo em saúde e educação, dentre outras. Ocorre que boa parte (ou
a maior parte) dessas informações são produzidas pela Contabilidade. É ela que
transita pelos diversos setores da administração pública (e privada) colhendo e
recolhendo elementos capazes de subsidiar a boa governança. É da essência da Contabilidade realizar esse
ofício. O fornecimento de informações é tão importante para a Contabilidade
que, sem ela, a ferramenta assemelha-se a uma faca que não corta.
Mas não basta fornecer informações. É preciso que as
informações sejam fornecidas TEMPESTIVAMENTE. Informação defasada não é
informação, no seu melhor significado. Informação defasada é como peça de
museu. Tem sua importância, mas o tempo já se encarregou de alterar a realidade
ao seu redor. E na administração pública o tempo é implacável.
Diariamente a gestão pública se transforma, se movimenta,
altera seu curso, muda de rumo. E é preciso que a informação contábil pulse no
mesmo ritmo. Do contrário, ficará para trás. E, infelizmente, é o que está
ocorrendo na administração pública municipal amazonense interiorana.
Literalmente, as informações contábeis estão chegando (bastante) atrasadas. E
tudo isso por uma interpretação equivocada da legislação que rege as prestações
de contas.
Ao cobrar os demonstrativos contábeis, orçamentários e
financeiros na apresentação das contas, em nenhum momento o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas
sinalizou para que tais demonstrativos fossem elaborados somente por ocasião da
prestação de contas. Em absoluto. A finalidade de uma prestação de contas é
diversa da finalidade dos demonstrativos contábeis, orçamentários e
financeiros. O ato de prestar contas é uma exigência republicana, visto que os
recursos geridos não integram o patrimônio do gestor. Este é como um síndico
que periodicamente diz o que fez ou deixou de fazer com os recursos
administrados. A finalidade da informação contábil situa-se noutro plano. Ela
gira em torno da boa governança. Gestão sem informações tempestivas não é
gestão e a Contabilidade tem um papel fundamental nesse processo.
É tempestiva uma prestação de contas apresentada até o final
do mês de março do ano subsequente àquele em que ela se refere uma vez que foi
ultimada dentro do prazo. Mas não podemos concluir no mesmo sentido quanto à
gestão contábil das informações que teriam que ser produzidas durante o ano,
mas que só ficaram prontas após o seu encerramento. São intempestivas.
Obviamente que não estamos nos referindo aos balanços e
demonstrativos que dizem respeito ao exercício financeiro como um todo. Estes,
logicamente, só podem ser construídos quando o ano for encerrado.
Estamos nos referindo aos balanços e demonstrativos MENSAIS.
Esses devem ser elaborados ao longo do ano, tempestivamente. E digo isso não
por iniciativa própria. Minha afirmação repousa na Lei da Transparência (Lei
Complementar 131/2009) que, alterando a Lei Complementar 101/2000 (Lei de
Responsabilidade Fiscal), textualmente
proclama:
“A transparência será assegurada também mediante liberação ao pleno
conhecimento e acompanhamento da sociedade, EM TEMPO REAL, de informações
pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos
de acesso público” (inciso II, parágrafo único, art. 48 da Lei Complementar
101/2000).
Ainda que nenhuma
exigência fosse feita pela Lei da Transparência, outra conclusão não
chegaríamos pois, conforme dissemos, é da essência da Contabilidade a prestação
de informações tempestivas.
Um argumento que
costumeiramente ouço é que não há como elaborar mensalmente os grandes balanços
(balanço patrimonial, balanço financeiro, balanço orçamentário, demonstração
das variações patrimoniais, dentre outros) e demonstrativos orçamentários e
financeiros (demonstrativo analítico de execução da receita e da despesa), pois
isso exigiria um procedimento de encerramento de exercício.
Isso é falácia.
Por 16 anos integrei
os quadros do Governo Federal e lá não somente os balancetes como também todos
os balanços e demonstrativos são levantados DIARIAMENTE. Isso é feito através
do SIAFI, um sistema informatizado da União, que é adjetivado como um dos melhores do mundo. Aliás, a rotina
existe desde janeiro de 1987 quando foi ao ar o SIAFI, ou seja, muito antes de
os ventos da transparência soprarem. Perdi o número das vezes em que, diante de
um terminal de computador, acessei os balanços das unidades gestoras do governo
federal para colher informações tempestivas. Nunca fiquei na mão. Sempre
encontrei o que queria. Ali, na ponta dos dedos. Atualmente o SIAFI é
responsável por gerir 8 mil unidades gestoras, no Brasil e no exterior. Um dos
mais abrangentes do mundo.
Mas não vou mais
longe.
O próprio Sistema
adotado pelo Governo do Estado do Amazonas, conhecido como Administração
Financeira Integrada (AFI), gera os balanços mensalmente. Isso também já é
rotina no plano estadual. Então, o problema não esbarra em rotinas de
encerramento de exercício. O problema decorre pura e simplesmente de uma
LIMITAÇÃO TECNOLÓGICA. Em outras palavras, o sistemas informatizados adotados
pelos municípios interioranos são limitados, tecnologicamente falando. Ainda
passam ao largo dos ventos da transparência pública que nos últimos anos têm
soprado sobre nosso País.
A solução? Temos de
repensar tudo o que temos feito até aqui.
Já não satisfaz o
atual modelo de gestão contábil (e, por extensão, também o modelo orçamentário
e junto com ele o modelo financeiro) atualmente em vigor. Temos que mudá-lo, a fim de colocá-lo em
sintonia com as novas exigências de nosso Estado Democrático de Direito.
Para nossa reflexão.