(*) Artigo publicado na Coluna Gestão, do autor, no Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com)
Talvez nem mesmo
Deng Xiaoping, inspirador e condutor da reforma econômica chinesa, iniciada em
1978, tinha uma ideia da dimensão que ela alcançaria 42 anos depois. Na
verdade, durante os 20 primeiros anos o mundo ocidental sequer se dava conta da
silenciosa revolução econômica chinesa já que ela praticamente passou
despercebida nas primeiras duas décadas. Quando o mundo se deu conta, já era
tarde. A economia chinesa transformara-se num gigante. Um verdadeiro rolo
compressor. Seu PIB passou de 149,5 bilhões de dólares em 1978 para 14,38
trilhões em 2019. Menor apenas que a economia americana e três vezes maior que
o PIB japonês, terceira maior economia do planeta.
Segundo Wong K. Shin,
autor de “A China Explicada para Brasileiros”, o crescimento econômico chinês possui
três pilares: direção, sentido e continuidade. Muitos países e instituições
conseguem até imprimir direção e sentido aos seus negócios, mas a maioria
naufraga no último deles. Não há continuidade. Os planos de desenvolvimento se
transformam em eternos começos e recomeços. No setor público, é muito comum um governante fazer seus próprios planos (quando
fazem!) e descartar o que resta do último ou, simplesmente ignorá-lo. Cada um
deseja deixar a sua marca. A sua “logo”. As suas digitais. Não há compromisso
com o País. O único compromisso é consigo mesmo, com seus aliados políticos e
com a próxima candidatura.
A China fez
diferente. Muito diferente. Na verdade, ela deu continuidade ao que já fazia
parte de seu quotidiano desde 1953: os planos quinquenais. Mas incorporou um
elemento novo: a abertura econômica. Mas não foi fácil.
Quando Deng Xiaoping
manifestou a ideia de a China conjugar o sistema socialista com conceitos
capitalistas durante a Terceira Sessão do 11º Congresso do Partido Comunista,
realizado em dezembro de 1978, recebeu duras críticas de alas conservadoras
chinesas marxistas, de simpatizantes de Mao Tsé-Tung e de outros que lutavam
para manter seus nichos de poder. Somente
dez anos depois é que Deng Xiaoping finalmente conseguiu consolidar suas
ideias, impulsionando a economia chinesas a níveis jamais vistos.
A estratégia de
abertura econômica, no entanto, manteve nas mãos do Estado setores
estratégicos. Por meio deles o Governo chinês consegue enxergar o rumo de tudo
o que acontece no País. Ao mesmo tempo, oportuniza grandes investimentos
privados que fizeram com que o Produto Interno Bruto chinês decolasse forte nos
últimos 30 anos.
Dois terços da
economia chinesa foi entregue à iniciativa privada. No entanto, a terceira
parte é representada pela forte indústria chinesa, que permanece nas mãos do
Estado. Exploram três principais
segmentos: utilidade pública, indústria pesada e recursos energéticos. Juntamente
com a agricultura, a indústria é responsável por 60% do PIB chinês e 2/3 de sua
força de trabalho. Outro setor que é fortemente controlado pelo Estado é o das
instituições financeiras. 98% das ações de instituições financeiras pertencem
ao governo chinês. Dentro do sistema financeiro há um gigante chamado Banco
Popular da China que, além de realizar as funções clássicas de um Banco
Central, também é responsável por administrar as contas dos organismos públicos, além de administrar seus
recebimentos/pagamentos. Financeiramente falando, é por meio dessa complexa
estrutura que o Estado chinês sabe tudo o que está acontecendo não apenas no
setor público, mas também no setor financeiro privado.
O Banco também
controla o comércio exterior. É por meio dele que são realizadas
remessas/recebimentos de recursos do/para (o) exterior. Nenhuma entrada/saída
de recursos do País, portanto, permanece à revelia do Banco estatal e, por
extensão, do governo chinês.
Ao lado do Banco
Popular da China há outros gigantes financeiros: o Banco de Desenvolvimento, o
Banco Agrícola, o Banco Chinês de Construção e o Banco Industrial e Comercial
da China que atuam em setores específicos, canalizando e direcionando linhas de
créditos para irrigar a economia chinesa em pontos estratégicos. Todos eles
controlados pelo poderoso braço estatal.
Conquanto controlada
pelo Estado chinês, a economia chinesa foi flexibilizada em aspectos
nevrálgicos o que a possibilitou respirar o suficiente para se exercitar,
ganhar massa muscular e crescer. Foi isso que ela fez e vem fazendo nos últimos
anos. Os números da economia chinesa são impressionantes.
De 1999 a 2019 ela
cresceu acima de 6%. Em 2007 alcançou sua maior taxa de crescimento: 14,2%. Apenas
para se ter uma ideia, naquele mesmo ano o PIB mundial cresceu 5,2%. Ou seja, a
China cresceu três vezes mais que a média mundial.
É o País que mais
exporta no mundo e o segundo que mais importa. Em 2019 as exportações chinesas
alcançaram 2,499 trilhões de
dólares. 49% desse valor chegou aos países asiáticos; 20,1% aos EUA e 19,9% à
Europa. O restante foi pulverizado entre a África, América Latina e Oceania.
Para a África e América Latina as exportações foram, praticamente, no mesmo valor,
respectivamente, 4,5% e 4,2%.
Exportações
dessa magnitude produziram também reservas cambiais fabulosas. A chinesa gira atualmente
em torno de 3,1 trilhões de dólares. Apenas a título de comparação, as reservas
cambiais brasileiras fecharam 2019 com 356,88 bilhões de dólares. Ou seja, as
reservas chinesas equivalem a, aproximadamente, nove vezes mais que as do
Brasil.
Por
outro lado, por ser pobre em recursos naturais, a China importa muitas commodities do resto do mundo. Isso
ajudou a impulsionar muitas economias ao redor do planeta, ricas em recursos
naturais como a economia brasileira. Ou seja, parte das promissoras taxas de
crescimento econômico experimentadas pelo Brasil entre 2002 e 2010 podem ser
creditadas ao forte consumo da indústria chinesa. Sem ela, muito provavelmente
não teríamos crescido tanto ou chegado aos níveis de crescimento que havíamos chegado.
Em 2019 a China
apresentou um superávit comercial de 429,6 bilhões de dólares, um número abaixo
do registrado em 2015 (593,9 bilhões), mas 19,6% superior a 2018 (359,2
bilhões).
Segundo a prestigiada
revista inglesa The Economist, a maioria dos iPhones fabricados no mundo são
provenientes da China. Ou seja, de cada 2 iPhones produzidos no mundo, 1 foi
fabricado pela economia chinesa.
É bem verdade que o mundo
ainda olha com certa desconfiança para a China. Principalmente para seu Governo
socialista. Muitos acusam o governo chinês de “esconder o jogo”, guardar muitos
segredos, revelar aquilo que é oportuno para ele, enfim, consideram o
território chinês uma verdadeira caixa preta.
Nada obstante, é
importante ter em conta, porém, que o salto dado pela economia chinesa,
especialmente nas últimas duas décadas, deve nos convidar à reflexão. Como ela,
outros países do mundo decidiram fazer diferente em determinado momento de suas
Histórias. Japão e Coréia do Sul estão entre eles. Todos que fizeram essa opção
obtiveram ganhos de produtividade e melhoraram significativamente o padrão de
vida de suas populações.
A dúvida é: quando o
Brasil tomará a sua própria decisão? Quando mudaremos o curso de nossa
História? Quando optaremos pelo coletivo? Quando pensaremos menos nos cargos
públicos eletivos e mais (muito mais) na população? Quando nossos planos de
desenvolvimento e crescimento econômicos sairão do papel e encarados com
seriedade? Quando esses mesmos planos servirão, efetivamente, de instrumento
para geração de emprego, renda e bem estar social? Quando pensaremos o País
para 20, 40, 50 ou 60 anos na frente, ao invés de um ou dois mandatos eletivos?
Permanecem estes e outros
questionamentos. Permanece o exemplo chinês que, ainda que segurado pelas
amarras de um governo altamente conservador, conseguiu dar passos gigantescos e
mudar o curso de sua própria História.
Alipio
Reis Firmo Filho
Conselheiro
Substituto – TCE/AM e Doutorando em Gestão
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