Ao
ingressar no Tribunal, as contas terão de ser saneadas. Todo o processo de
saneamento é presidido pelo Relator, que é auxiliado tanto pelos órgãos
técnicos (Secretaria Geral de Controle Externo e todas as suas divisões) quanto
pelo Ministério Público de Contas.
O
saneamento consiste na adoção de dois procedimentos básicos: a eliminação de
dúvidas e de lacunas no processo. Concluído o saneamento, as contas estarão
aptas a serem apreciadas pelo Colegiado (Tribunal Pleno;Cämaras) ultimando-se o
julgamento correspondente.
Para
sanear as contas a Lei orgânica do Tribunal (Lei nº 2.423/96) recorre a duas
modalidades de comunicações processuais: as intimações e as notificações. Qual
a diferença entre ambas? Em que hipóteses são elas aplicadas? A resposta é dada
pelo artigo vinte daquele Diploma Legal:
Art. 20 - Verificada qualquer irregularidade nas contas, o Relator
ou Tribunal:
I – (…);
II - se houver débito, ordenará a intimação do responsável
para, no prazo estabelecido em Resolução, apresentar razões de defesa, ou
recolher a quantia devida;
III - se não houver débito, notificará o responsável para, no
prazo fixado em Resolução, apresentar razões de justificativa;
IV – (…).
(grifamos)
Conforme
se vë, a intimação é aplicável aos casos em que as irregularidades resultam
em débitos para os responsáveis.
Ausentes estes, a notificação deverá ser utilizada. Vamos a um exemplo.
Um
administrador público que tenha contratado seu fornecedor por meio de dispensa
de licitação quando estava obrigado a realizá-la na modalidade de concorrência,
terá de ser notificado, caso do ato infrator não
tenha resultado nenhum débito ao erário. Por outro lado, se esse mesmo gestor
costuma pagar suas despesas de água, luz, telefone e recolhimento de INSS fora
do prazo, gerando, em consequência, encargos adicionais para os cofres públicos
(juros e multas), deverá ser intimado pois haverá um débito apurado na
data em que o órgão técnico apontar essa irregularidade.
Mas
essa não é a única diferença entre a duas modalidades de comunicações
processuais. Existem outras. Vejamos.
Diante
de uma intimação o responsável apresentará razões
de defesa enquanto nas notificações terá de se manifestar oferecendo razões de justificativa. Nas intimações
existe, ainda, a possibilidade de o responsável optar por recolher a quantia devida, conforme assinala o inciso II do
dispositivo em
referência. Essa opção, por óbvio, inexiste nas notificações
já que estas não veiculam irregularidades que resultem em débitos para os
responsáveis, conforme dito anteriormente.
Mas as diferenças não param por aí. O rito das intimações e notificações também são distintos.
Segundo
o parágrafo primeiro do artigo 20 da Lei Orgânica do Tribunal, o responsável cuja defesa (em relação a intimação) for
rejeitada pelo Tribunal será cientificado para, em novo e improrrogável prazo
estabelecido em Resolução, recolher a importância devida. Tiraria esse
parágrafo, pois a situação está sendo abordado adiante
Aqui reside a principal diferença entre o rito das intimações e
das notificações.
Nas notificações, caso as razões de justificativas apresentadas
pelo gestor faltoso não forem suficientes para sanear o ato gravoso, caberá ao
órgão técnico proferir seu entendimento (de mérito) a respeito, oportunidade em
que ratificará seu posicionamento acerca da irregularidade apontada e proporá,
se for o caso, a aplicação da sanção correspondente, acompanhada de proposta de
julgamento das contas. Em seguida, submeterá
os autos à apreciação do Ministério Público para emitir seu parecer.
As intimações, ao contrário, submetem-se a um rito diverso.
Nestas, se as razões de defesa oferecidas pelo responsável não
forem acatadas pelo órgão técnico, caberá
a este cientificá-lo para, em novo e improrrogável prazo, recolher a
importância devida (parágrafo primeiro do artigo vinte). Esse prazo
adicional concedido aos responsáveis nas intimações é que não existe nas
notificações. Além disso, ele possui uma finalidade: oferecer ao responsável
uma nova oportunidade para recolher o valor devido tempestivamente[1]
que, se realizado (1), poderá sanear suas contas, desde que, cumulativamente,
configurada a (2) boa fé e (3) não houver sido observada outra irregularidade
nas contas (parágrafo segundo do artigo vinte). Isso significa que presentes
estes três requisitos o responsável terá direito a pleitear o saneamento de
suas contas, isto é, que as mesmas sejam consideradas regulares com ressalvas.
A partir do momento em que não é oferecida esta oportunidade ao gestor faltoso,
compromete-se, por via de consequência, os Princípios do Contraditório e da
Ampla Defesa e, com ele, também o Devido Processo Legal que, aliás, também é um
Princípio que permeia todos os processos no Tribunal (inciso II do art. 62 do
Regimento Interno/TCE-AM). Em decorrência, poderá ele pleitear a nulidade de
todos os atos processuais (subsequentes) ab
initio.
Continuemos.
Esgotado o prazo adicional concedido sem o recolhimento do valor
devido, o órgão técnico, então, emitirá opinião acerca das contas, juntamente
com alguma proposta de aplicação de sanção ao responsável (se assim entender
pertinente). Após, submeterá o feito à apreciação do Ministério Público de
Contas.
Atualmente, as comunicações processuais realizadas pela
Secex/TCE-AM não faz qualquer distinção entre intimações e notificações. O
resultado é que acabamos por realizar o contraditório e a ampla defesa sem que
observemos a real natureza da irregularidade levada ao conhecimento dos
responsáveis, isto é, se se trata de irregularidades com ou sem débitos.
Colocamos as duas num mesmo recipiente quando, na verdade, deveriam ser postas
em recipientes distintos: intimações para irregularidades com glosas;
notificações para irregularidades sem glosas. Por conta disso, compromete-se
sobremaneira o rito processual e, com ele, todo o processo de avaliação das
contas já que os atos faltosos geradores de débito acabam sendo tratados em pé
de igualdade com aqueles dos quais não resultam débito algum para o erário. Em
suma: o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal não se fazem
presentes em toda a sua plenitude nos autos.
Por todo o exposto, não há como se sustentar o argumento de que as
intimações, embora não distinguidas com essa nomenclatura nas comunicações
processuais do Tribunal, tenham sempre sido observadas. Em absoluto. Conforme
visto, elas possuem características próprias e bem definidas, que não devem ser
confundidas com as das notificações.
Ambas são atos processuais de competência dos órgãos técnicos (inciso V do art.
90 do Regimento Interno/TCE-AM).
Também não deve prosperar o argumento segundo o qual a comunicação
gerada pelas Secretarias das Câmaras e do Tribunal Pleno ou, ainda, pela
unidade responsável pela execução das decisões condenatórias de débito, possam
suprir essa falta. Por um motivo simples. As intimações devem ser geradas antes
da fase de julgamento das contas anuais enquanto aquelas ocorrem após
esta fase.
Para finalizarmos, temos mais alguns aspectos a considerar.
O primeiro, consiste na nomenclatura utilizada pela Lei nº
2.423/96 quanto às comunicações processuais que cientificam os responsáveis da
existência de irregularidades com débitos (intimações). Muito provavelmente o
uso do termo tenha sofrido influência de nosso Código de Processo Civil que se
serve da mesma nomenclatura para caracterizar uma modalidade de comunicação
processual no judiciário (vide artigos 234 a 242). Muito embora respeitemos o
legislador quando optou por essa nomenclatura, entendemos, contudo, que ela não
seja a mais adequada. Aliás, essa talvez seja uma das consequências de ainda
não termos entre nós uma lei orgânica
nacional dos tribunais de contas e um regimento interno único.
O Tribunal de Contas da União, a propósito, chama de citação o que
o TCE-AM entende por intimação; e de audiência o que conhecemos por
notificação. Essas são, aliás, as únicas diferenças entre a redação empregada
pela Lei nº 2.423/96 e a utilizada pela Lei Orgânica do TCU (Lei nº 8.443/92),
ao tratarem dos dois institutos. Mencione-se que o rito das intimações e
notificações outrora mencionados é o mesmo perfilhado pela Colenda Corte
federal de Contas. Confira abaixo[2]:
Art. 12. Verificada irregularidade nas contas, o Relator
ou o Tribunal:
I – (…);
II - se houver débito, ordenará a citação do
responsável para, no prazo estabelecido no Regimento Interno, apresentar defesa
ou recolher a quantia devida,
III - se não houver débito, determinará a audiência
do responsável para, no prazo estabelecido no Regimento Interno, apresentar razões
de justificativa; não resulte dano ao Erário;
IV – (…).
§ 1° O
responsável cuja defesa for rejeitada pelo Tribunal será cientificado para, em
novo e improrrogável prazo estabelecido no Regimento Interno, recolher a
importância devida.
§ 2°
Reconhecida pelo Tribunal a boa-fé, a liquidação tempestiva do débito
atualizado monetariamente sanará o processo, se não houver sido observada outra
irregularidade nas contas.
§ 3° O
responsável que não atender à citação ou à audiência será considerado revel
pelo Tribunal, para todos os efeitos, dando-se prosseguimento ao processo.
(grifamos)
A criação do Conselho
Nacional dos Tribunais de Contas possui, dentre outros propósitos, o de
unificar procedimentos e documentos. Vamos aguardar.
[1] Por ocasião da
primeira intimação feita já havia sido oferecida essa opção ao responsável
(inciso II do art. 20). Entretanto, como ele havia optado por apresentar razões
de defesa e estas foram consideradas insatisfatórias para elidir o ato faltoso,
quis o legislador que o órgão de controle externo oferecesse uma nova oportunidade para o recolhimento do
valor devido.
[2] Compare-o com a
redação do artigo vinte e parágrafos de nossa Lei Orgânica.
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