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quarta-feira, 24 de março de 2021

MORO, LULA E A SEGUNDA TURMA DO STF

 (*) Texto publicado na Coluna Gestão, do autor, no Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com.br)

A decisão da Segunda Turma do STF de considerar o ex-juiz Sérgio Moro parcial no processo da Lava-Jato, quanto às condenações relacionadas ao ex-presidente Lula, merece grandes e profundas reflexões por parte de todos nós brasileiros. O impacto foi brutal em vários compartimentos desta Terra tupiniquim.

A consequência primeira do fatídico decisório – e também a mais importante – foi a sensação de termos voltado à estaca zero. Um sentimento de completa impotência diante de tantos desmandos e atrocidades que desfilaram diante de nós ao longo dos últimos 5 anos. Parecia, finalmente, que a certeza da impunidade tinha chegado ao fim neste País ou, ao menos, que o arsenal legal reservado aos contumazes transgressores da lei e da ordem  - os chamados “peixes grandes” – seria a eles apresentado. De quebra, restaria cumprido um dos mais significativos direitos fundamentais: “Todos são iguais perante a lei”. Sem exceções. Sem meias palavras.

Ledo engano. Continuamos na mesma.

E o que é pior: a reviravolta se deu em “socorro” ao princípio do “devido processo legal” que, ao menos para a maioria da Segunda Turma, foi mais do que suficiente para sepultar um arsenal de esforços e dinheiro público no combate ao crime organizado.

O voto proferido pelo recém-empossado Ministro Nunes Marques foi brilhante. Parafraseando o próprio Ministro Gilmar Mendes em sua fala, Marques afirmou que  “não se combate crime legitimando outro crime”. Ele se referia ao modus operandi que o ex-presidente Lula recorreu para colher as supostas “provas” que atestavam a parcialidade de Moro. De acordo com o art. 10 da Lei n. 9.296/1996, que regulamentou o inciso XII, do art. 5º, da Constituição Federal, “constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”.

"Se o hackeamento fosse tolerado como meio para obtenção de provas, ainda para defender-se, ninguém mais estaria seguro de sua intimidade, de seus bens e de sua liberdade, tudo seria permitido. São arquivos obtidos por hackers, mediante a violação dos sigilos ilícitos de dezenas de pessoas. Tenho que são absolutamente inaceitáveis tais provas. Entender-se de forma diversas, que resultados de tais crimes seriam utilizáveis, seria uma forma transversa de legalizar a atividade hacker no Brasil”, afirmou Nunes Marques. Acrescentou: “a sociedade viveria processo de desassossego semelhante às piores ditaduras” se isso acontecesse. “Não é isso que deve prevalecer nas sociedades democráticas. A forma importa na democracia tanto quanto o conteúdo.”

Outro aspecto que o Ministro Marques chamou a atenção foi em relação ao debate ter sido num Habeas Corpus cuja natureza, segundo ele, não oportuniza o contraditório e a ampla defesa o que impossibilitou a oitiva do ex-juiz Sérgio Moro para apresentar suas contrarrazões. A discussão do tema em sede de HC vai contra inúmeros julgados do próprio STF, arrematou. Portanto, não houve o necessário contraditório. É como se alguém amarrasse uma vítima e a esbofeteasse até a morte, sem qualquer chance de defesa para o vulnerável.

E aí? Onde fica mesmo o devido processo legal?  É seletivo? Vale apenas para alguns, para outros não? Cadê o respeito à forma processual adequada? Pior: à guisa de cumprir um princípio processual descumprem-se outros dois, igualmente caros às normas processualísticas: o Contraditório e a Ampla Defesa.

Não bastasse tais alegações, há outras questões que precisavam ter sido enfrentadas para melhor encaminhamento dos entendimentos.

Conquanto haja objeção explícita insculpida no corpo dos direitos fundamentais de nossa Carta Magna repelindo o uso de provas ilícitas no processo, consolidou-se no Brasil uma linha doutrinária e jurisprudencial no sentido de admiti-las para fins de defesa dos réus nos processos em determinadas situações. Foi nessa linha que foi construída a defesa do ex-presidente. 

No caso específico envolvendo o ex-juiz Sérgio Moro, a defesa de Lula alegou a parcialidade no seu julgamento, sustentada em troca de mensagens entre o magistrado e alguns procuradores envolvidos na operação Lava-Jato. Aqui, nascem alguns senões: as provas produzidas no processo, responsáveis por incriminar Lula da Silva, foram fraudadas? E, se foram, a autoria da prova fraudulenta pode ser atribuída, de maneira INQUESTIONÁVEL, ao ex-magistrado? Ou, dito de outra forma, ainda que tenham sido consideradas fraudadas as provas, é possível vincular a conduta de Moro à fraude perpetrada?

Se as respostas a tais questionamentos foram, respectivamente, NÃO, NÃO, NÃO então, a meu ver, há margem suficiente para “se esticar” o debate e questionar a solidez da decisão adotada. Se, nada obstante as trocas de mensagens, as provas permanecem robustas, então por que descarta-las??? Isso me cheira a puro preciosismo processual.  

Se houve crime, conforme alega a defesa de Lula, caberá a ele a responsabilidade de provar o fato criminoso (parcialidade do ex-juiz) mediante a oferta de elementos capazes de sustenta-lo, a saber, (i) nexo de causalidade, (ii) autoria, (iii) materialidade e (iv) resultado. Alguém poderia objetar: mas tais responsabilidades são mais costumeiramente aplicáveis aos acusadores nas ações penais e não aos réus. Lembro, todavia, que no novo campo de debate – inaugurado por Lula da Silva – é ele, o ex-presidente, o autor; e Moro o acusado. Os polos se invertem. O Direito não é algo fechado, pronto e acabado. Muito pelo contrário. Se é Ciência, ele deve, como todo conhecimento científico, buscar a verdade OBJETIVA, não subjetiva. As condições de autor e réu não devem se prender ao início da ação judicial, como se fosse algo estático e inalterável. Dependendo do que for debatido no processo, os papéis podem perfeitamente se alternar ao longo da discussão processual. Quem era autor assume o papel de réu; e quem era réu reveste-se da condição de autor. As responsabilidades de quem assume o novo papel processual vão juntas ou, ao menos, deveriam ir.  

A meu ver, um outro argumento que reforça esta essa linha de entendimento molda-se às consequências do decisório.

Conforme mencionado na inicial desses comentários, a decisão da Segunda Turma deletou 5 anos de investigações. Jogou-se fora tempo e dinheiro públicos. Isso tudo sem contar os esforços dos inúmeros magistrados que se debruçaram sobre os autos envolvendo o ex-presidente nas três instâncias da justiça federal com passagens, inclusive, pelo crivo do próprio STF. Portanto, a decisão que viesse a ser adotada – dada a magnitude de suas consequências – deveria ter pavimentado todo o terreno dos debates, a fim de que todos os pontos controversos fossem suficientemente esclarecidos, à luz do melhor Direito e da boa Doutrina.

Acredito que o judiciário penal nacional deva avançar na discussão de embates envolvendo provas materiais e normas processuais. Indubitavelmente, ambas são importantíssimas na produção de decisórios, mas as primeiras não podem sucumbir, cegamente, às últimas; sob pena de o Direito se desgarrar da Justiça.

Ainda reluto em aceitar a rejeição sumária de provas contundentes nos processos que reúnem, de uma só vez, todas as características do delito cometido (autoria, materialidade, nexo de causalidade) simplesmente pelo fato de não terem sido supervisionadas pela autoridade judicial (magistrado). Isso é limitar o dinamismo da Ciência jurídica e esvaziar o debate na busca da verdade real e na distribuição da justiça. É o caso de vídeos em que aparece um sujeito colocando dinheiro na mala, na meia, na cueca e em outros redutos do corpo humano, mas que foram descartados do processo, simplesmente por não terem recebido a prévia autorização judicial. Também as interceptações telefônicas não autorizadas contam-se entre eles.

Por fim, nenhuma linha de discussão foi construída a respeito da INTEGRIDADE das mensagens trocadas entre Moro e os procuradores da Lava-Jato. O Ministro Nunes Marques chamou a atenção para essa lacuna em seu Voto. Nenhum conteúdo das mensagens veio à discussão na Segunda Turma o que exigiria a concorrência do ex-juiz Sérgio Moro para apresentar suas contrarrazões.

Seria preciso fazer um paralelo entre o conteúdo das mensagens oferecidas por Lula e o conteúdo das mensagens constantes nos celulares de Moro, Dallagnol e demais procuradores. Avaliar se havia absoluta correspondência entre ambos. Qualquer desalinhamento entre eles já militaria em desfavor da acusação protagonizada por Lula. Porém, nada foi discutido a esse respeito o que, como disse, semeia dúvida quanto à solidez do decisório.

Finalizo esses comentários compartilhando o trecho de um comentário que me foi repassado por um amigo meu que é professor na Universidade de Cambridge:

“Pobre Brasil!! Seguidos recordes diários de mortes por Covid e a paralisação da atividade econômica não bastavam. Para completar o caos, faltava uma decisão jurídica que não apenas jogasse no lixo os esforços de combate à corrupção dos últimos anos, mas ainda sinalizassem para corruptos que eles não correm riscos. Apenas os que os enfrentam. O passo seguinte será punir quem ousou rebatê-los. Políticos corruptos serão elevados a mártires injustiçados. Quem ousará combater corruptos depois disso? Roberto Campos tinha razão: “uma tragédia como a brasileira não é obra do acaso, mas sim o esforço determinado de décadas”.

E eu pensava que este País estava começando a se curar de suas feridas...Engano meu!!! Nossas chagas parecem INCURÁVEIS!!!

       

Alipio Reis Firmo Filho

Conselheiro Substituto – TCE/AM e Doutorando em Gestão

      

domingo, 21 de março de 2021

COMO VAI A CAMPANHA DE IMUNIZAÇÃO DOS AMERICANOS CONTRA A COVID-19?

(*) Texto publicado na Coluna Gestão, do autor, no Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com.br) 

Perante o mundo, os EUA se tornaram a prova viva da brutal diferença entre governos negligentes e governantes comprometidos e responsáveis em tempos de pandemia. Eles viveram ambas as realidades. Até 19 de janeiro deste ano, quando Trump ainda ocupava a Casa Branca, o quadro que se desenhava no País era cheio de incertezas e retrocessos. Com a chegada de Biden a Washington o cenário mudou radicalmente.

A primeira vacina foi aplicada em território americano no dia 14 de dezembro de 2020. Uma semana antes ela havia começado no Reino Unido e duas semanas depois fora iniciada na União Europeia. Em 19 de janeiro do corrente ano, véspera da chegada de Biden ao governo americano, haviam sido aplicadas 15,71 milhões de doses de vacinas. Ou seja, em 37 dias a média diária de vacinados foi de 424.594 americanos. Naquela mesma data, o número de mortes por Covid-19 alcançou 2.564,14. Esse pico evoluiu, chegando a seu ponto máximo em 14 de janeiro deste ano quando o número bateu 3.422,29. No dia 19, véspera de Trump passar o bastão para Biden, o número de mortes foi ligeiramente menor que isso: 3.056,86 de falecidos.      

Uma das promessas de campanha de Jo Biden era vacinar 100 milhões de americanos nos 100 primeiros dias de seu governo. Uma tarefa difícil, é bem verdade, diante do caos que se encontrava a política de enfrentamento à Covid-19 nos EUA. Uma dura herança de seu antecessor. No entanto, Biden foi além. Superou a própria meta. E com folga!! Muita folga!! Precisou de apenas 59 dias para cumprir a promessa. Hoje – 20 de março - já são  121,44 milhões de americanos vacinados. Quase o dobro do número de pessoas vacinadas na China (70 milhões). Daquele total, 105,73 milhões pessoais foram vacinadas no seu governo. Uma média diária de 1,762 milhões de americanos vacinados.  

Mas ele prometeu mais. Alguns dias após assumir o governo, prometeu vacinar todos os americanos até o final de julho. Muitos torceram o nariz para o novo presidente, acreditando que recém ocupante da Casa Branca estava delirando, pois o esforço exigia uma capacidade de vacinação de 1,644 milhões de americanos por dia. Não estava. Muito pelo contrário.

Com um discurso consciente e, sobretudo, equilibrado Biden começou a mexer as pedras no tabuleiro. Ouviu sobretudo a Ciência e explorou toda a força que o governo federal americano poderia lhe proporcionar. Além das vacinas da Pfizer/BioNTec e Moderna fechou parceria com a Johnson & Johnson, a fim de disponibilizar mais vacinas para os americanos. Tudo isso combinado com uma fantástica estrutura logística de vacinação montada em seu governo. Ao ritmo atual, os americanos serão vacinados muito antes do final de julho: já em maio do corrente ano. Mais uma meta batida com significativa folga!  A estratégia de Biden é imunizar a população para liberar a gigantesca força de trabalho dos americanos, fazendo decolar sua economia, duramente golpeada pela pandemia.  

Ao lado da vacinação em massa, Biden conseguiu outra grande realização: reduziu drasticamente o número de mortes no País. Conforme outrora referido, em 19 de janeiro morreram 2.564,14 americanos. Ontem, 19 de março, o número era de 1.221,71, isto é, 52,35% a menos da registrada no último dia do governo de Donald Trump.

Tomando apenas esses números por referência, não é difícil percebermos claramente a diferença entre governos responsáveis e governos negligentes.

Governos comprometidos com sua população fazem muito mais.

Governos comprometidos com sua população deixam suas querelas políticas de lado e colocam a mão na massa.

Governos comprometidos com sua população não enxergam dificuldade e nem ameaças. Muito pelo contrário. São otimistas e aproveitam as adversidades para voarem mais alto.

Governos comprometidos com sua população conseguem fazer mais com menos. São altamente produtivos e eficientes.    

Governos comprometidos com sua população mobilizam-se intensamente. Comandam. Lideram. Apontam e abrem caminhos.

Governo comprometidos com sua população dialogam. Conversam. Firmam compromissos objetivando unicamente o bem de seus compatriotas.

Governos comprometidos com sua população antecipam-se aos problemas. Identificam soluções com dias, às vezes, meses de antecedência.

Governos comprometidos com sua população não descansam. Não perdem tempo. São ágeis, rápidos e precisos. Tão precisos quanto o golpe de um bisturi.

Governos comprometidos com sua população pedem ajuda quando não conseguem carregar  o peso sozinho.

Governos comprometidos com sua população esquecem de si mesmos. Colocam-se a serviço da coletividade. Doam-se. Entregam-se. Dão tudo de si em troca do bem comum.

Governos comprometidos com sua população não esperam. Fazem acontecer. Contra tudo e contra todos, parafraseando o refrão de uma conhecida canção de todos nós brasileiros: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”

 

Alipio Reis Firmo Filho

Conselheiro Substituto – TCE/AM e Doutorando em Gestão

 

quarta-feira, 10 de março de 2021

FACHIN, MORO E A LAVA-JATO

 (*) Texto publicado na Coluna Gestão, do autor, no Fato Amazônico (www.alipiofilho.blogspot.com)

A decisão de Fachin de anular todos os atos do então juiz Sérgio Moro que condenaram o ex-presidente Lula e que não estavam relacionados com os ilícitos da Petrobrás caiu como uma bomba no cenário político brasileiro. Principalmente por ter devolvido os direitos políticos ao ex-presidente, que agora figura como candidato nas eleições para o Planalto em 2022. Fachin entendeu que as condenações de Lula envolvendo o tríplex de Guarujá (SP), o sitio de Atibaia (SP) e o Instituto Lula envolvem outros órgãos da administração pública o que, segundo ele, esvazia a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba, origem da Lava Jato. Reconheceu que caberia a competência do julgamento de todos aqueles casos à Justiça Federal do Distrito Federal à qual remeteu os autos para nova distribuição.

A primeira crítica que se põe é: por que essa reviravolta agora? Por que essa decisão não foi tomada há mais tempo? Arrisco um palpite: por causa das “provas” hackeadas do telefone celular de Deltan Dallagnol. Aqui está talvez o principal estopim do imbróglio.  Há dois anos atrás o site The Intercept Brasil divulgou uma troca de mensagens entre o ex-juiz Sérgio Moro, Dallagnol e outros procuradores. Há época o caso repercutiu no Brasil e no mundo. Lula, de posse das mensagens, engrossou o coro de que não havia imparcialidade de Moro nas condenações. A partir daí, um rio começou a se formar...e...se avolumar...

Mais recentemente, o Ministro Lewandowski autorizou o ex-presidente Lula a acessar o conteúdo das mensagens. Moro recorreu da decisão, mas a Ministra Rosa Weber a manteve. O resultado foi que as mensagens hackeadas migraram para dentro da ação de Habeas Corpus de Lula e, com ela, a discussão acerca da imparcialidade de Moro ganhou corpo e coro na Segunda Turma do STF.

De tudo o que até aqui foi dito, há ainda alguns desdobramentos que precisam ser considerados.

Primeiro, que a decisão de Fachin é monocrática. Portanto, deverá ser ainda analisada pelo Pleno do STF que poderá referendá-la ou não. A Procuradoria Geral da República já sinalizou que irá recorrer da decisão. Portanto, podemos ter desdobramentos.

Segundo, muito embora os simpatizantes e correligionários do ex-presidente Lula estejam alardeando aos quatro cantos que finalmente a justiça foi cumprida e que restou evidente a inocência de Lula, não é bem assim. É importante destacar que a decisão de Fachin não adentrou no mérito das decisões de Moro. Nenhuma vírgula foi tirada. O conjunto probatório continua lá. Em momento algum Fachin disse que as provas contra ele não são robustas o suficiente para condená-lo. A decisão de Fachin alcança tão-somente o curso processual. Não seu conteúdo. Portanto, é nesse contexto que deve ser entendida a decisão de Fachin.   

Terceiro, ao que tudo indica, a decisão de Fachin visou, originariamente, dar uma sobrevida às condenações da Lava-Jato. Não que Fachin deixasse de estar convencido das  decisões tomadas por Moro, que resultaram nas condenações de Lula. Lembrando que por diversas vezes o próprio STF referendou tais decisões, inclusive, mantendo o petista preso, como a que ocorreu em junho de 2019, por decisão da própria Segunda Turma. À época votaram mantendo a prisão de Lula a Ministra Cármen Lúcia e Celso de Mello, juntamente com Fachin. Além disso, o STJ negou vários pedidos do ex-presidente. Uma delas ocorreu em novembro/2020 na qual sua Quinta Turma rejeitou um recurso por ele interposto no caso do triplex de Guarujá (SP). Ou seja, a coisa já estava sedimentada, mas veio a reviravolta.

Por meio de sua decisão, Fachin ofereceu uma nova oportunidade de as decisões de Moro serem referendadas por um outro Foro. Repito, não porque Fachin duvidasse das posições de Moro, mas mais como estratégia processual, ante à ameaça que começou a se formar no contexto das “provas” hackeadas. Com efeito, a redistribuição processual ao Foro do Distrito Federal calaria a tese de suspeição contra Moro. Essa conclusão parece estar reforçado pela atitude de Fachin no julgamento iniciado ontem pela Segunda Turma do STF, em que se debatia o prosseguimento ou não do julgamento pela Turma da imparcialidade de Moro nos processos da Lava-Jato. A tese de Fachin pelo não prosseguimento recorreu justamente a sua decisão tomada no dia anterior que anulou os atos do ex-juiz Sérgio Moro relacionados  ao tríplex de Guarujá (SP), o sitio de Atibaia (SP) e o Instituto Lula. Fachin sustentou a perda do objeto, mas foi vencido pelos demais integrantes da Turma.

Discussões à parte, evidentemente que o novo juiz poderá manter ou não o que Moro fez. Além disso, há também o risco de prescrição dos ilícitos praticados pelo ex-presidente o que o liberaria, em definitivo, para uma nova carreira política.

Outro ponto que merece reflexão está relacionado à legitimidade das “provas” hackeadas. Afinal de contas, elas realmente podem funcionar a favor do ex-presidente? Aqui, duas verdades se contrapõem: uma formal e outra material.

Pela verdade formal, a meu sentir, as mensagens hackeadas não poderiam servir de parâmetros para decisões judiciais. O primeiro argumento nesse sentido encontra lastro no disposto no inciso LVI, do art. 5º, da Carga Magna: são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Por provas ilícitas, entenda-se, aquelas colhidas mediante infrações legais/constitucionais. Uma das mais comuns são as provas obtidas sem autorização judicial. Há pacífica jurisprudência nesse sentido. Citemos aqui a decisão da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça/RJ:

“Em agosto de 2017, a Polícia Rodoviária Federal abordou dois homens em um veículo que ia de Cachoeira Paulista/RJ ao Rio de Janeiro. Os homens informaram que estavam se dirigindo ao endereço de um rapaz com o qual comprariam drogas.

Os policiais, então, obtendo acesso ao WhatsApp de um dos homens abordados, sem autorização judicial, localizaram o suspeito de tráfico de drogas e marcaram um encontro entre ele e o rapaz abordado. Após isso, foi realizada uma ação da polícia contra o rapaz, tendo sido encontrados drogas e dinheiro no interior de sua residência. Após a ação da polícia, o morador da residência foi denunciado por tráfico de drogas.

Ao analisar o caso, o juízo de origem julgou a ação parcialmente procedente para condenar o denunciado pelo crime de tráfico de drogas. A defesa do rapaz, então, apelou da sentença, suscitando a nulidade das provas obtidas.

Ao analisar o caso, o desembargador Joaquim Domingos de Almeida Neto divergiu do relator e considerou que toda a ação policial foi derivada do acesso ilegal ao aplicativo de mensagens WhatsApp do telefone que estava na posse da testemunha abordada pelos policiais rodoviários.

Para o magistrado, é evidentemente descabida a versão de que a testemunha teria voluntariamente permitido o acesso dos policiais ao seu aparelho de celular, ainda mais que, após acessar o conteúdo, os agentes fingiram se passar pela testemunha, entraram em contato com um homem e marcaram o encontro com o acusado.

"Diante disso, a apreensão das drogas se deu tão somente em razão do acesso indevido às mensagens no aparelho celular, que provocou a ida dos policiais à residência do réu, não havendo contra ele, até então, qualquer investigação, tampouco mandado de busca e apreensão que justificasse a busca realizada em sua residência."

Segundo o desembargador, o encontro entre a testemunha e o acusado jamais teria ocorrido sem a troca de mensagens forjada e manipulada pelos policiais rodoviários” (https://www.migalhas.com.br/quentes/317121/sao-nulas-provas-obtidas-no-whatsapp-por-policiais-sem-autorizacao-judicial)

 

Ou seja, a verdade formal (ausência de autorização judicial para coleta de provas) se sobrepôs à verdade material – drogas e dinheiro encontrados na residência do acusado. A referida Câmara Criminal fundamentou sua decisão por infração ao inciso XII, art. 5º, do Texto Constitucional: é inviolável o sigilo (...) das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Fundamentou ainda no disposto no art. 1º da Lei n. 9.296/1996, que regulamentou aquele dispositivo constitucional: a interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Ou seja, aplicando-se esse linha de raciocínio às mensagens hackeadas, não haveria como recorrer a elas para sustentar  decisões judiciais ou impulsos processuais. A forma processual não foi observada, qual seja, a prévia autorização judicial para obtê-las. Ademais, restaria também infringido o disposto no art. 10 da referida Lei, uma vez que a coleta de informações telefônicas sem autorização judicial constitui crime: constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.  

Portanto, a fatídica decisão da Segunda Câmara do STF, em continuar com o julgamento da imparcialidade de Moro, incorre em flagrante e explícita ilegalidade, pois recorre a uma tipologia penal (crime) para discutir um suposto crime cometido pelo ex-juiz. A dúvida: até que ponto a decisão é legítima? Onde estão mesmo os limites para as decisões judiciais? Vale qualquer coisa? Mesmo se amparadas em tipologias penais? Os simpatizantes do ex-presidente Lula colocam em xeque o devido processo legal, porém, também não dão às costas a ele quando pugnam pela introdução de provas colhidas ilicitamente num processo judicial???

Não me soa como razoável tudo isso. Justiça para ser boa tem que começar de casa. Respeitar seus próprios postulados e limites. Se não for assim, é qualquer coisa, menos justiça.   

A conclusão da Câmara Criminal do TJ/RJ se ampara em jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. LEGALIDADE. PERDA DO OBJETO. LIBERDADE PROVISÓRIA CONCEDIDA. NULIDADE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA PERSECUÇÃO PENAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PROVAS OBTIDAS POR MEIO DE TELEFONE CELULAR APREENDIDO. MENSAGENS DE WHATSAPP. INEXISTÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. NULIDADE CONSTATADA. PROVAS INADMISSÍVEIS. DESENTRANHAMENTO DOS AUTOS. WRIT PARCIALMENTE PREJUDICADO E, NO MAIS, ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO APENAS EM PARTE. (...) 4. Esta Corte Superior de Justiça considera ilícita o acesso aos dados do celular e das conversas de whatsapp extraídas do aparelho celular apreendido em flagrante, quando ausente de ordem judicial para tanto, ao entendimento de que, no acesso aos dados do aparelho, se tem a devassa de dados particulares, com violação à intimidade do agente. Precedentes. No caso, a obtenção dos dados telefônicos do impetrante se deu em violação de normas constitucionais e legais, a revelar a inadmissibilidade da prova, nos termos do art. 157, caput, do Código de Processo Penal - CPP, de forma que, devem ser desentranhadas dos autos, bem como aquelas derivadas, devendo o Magistrado de origem analisar o nexo de causalidade e eventual existência de fonte independente, nos termos do art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal. 5. Writ prejudicado em parte e, no mais, ordem concedida, de ofício, em parte, apenas para reconhecer a ilicitude da colheita de dados dos aparelhos telefônicos (conversas de whatsapp), sem autorização judicial, devendo mencionadas provas, bem como as derivadas, serem desentranhadas dos autos, competindo ao Magistrado de origem analisar o nexo de causalidade e eventual existência de fonte independente, nos termos do art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal. (HC 450.617/MG, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 21/02/2019, DJe 06/03/2019).

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. ACESSO AOS DADOS ARMAZENADOS EM TELEFONE CELULAR (MENSAGENS DO APLICATIVO WHATSAPP) DURANTE A PRISÃO EM FLAGRANTE. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. NULIDADE DAS PROVAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. LIBERDADE PROVISÓRIA. CONCESSÃO. RECURSO PROVIDO. I - A jurisprudência deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de ser ilícita a prova oriunda do acesso aos dados armazenados no aparelho celular, relativos a mensagens de texto, SMS, conversas por meio de aplicativos (WhatsApp), obtidos diretamente pela polícia no momento da prisão em flagrante, sem prévia autorização judicial. II - In casu, os policiais civis obtiveram acesso aos dados (mensagens do aplicativo WhatsApp) armazenados no aparelho celular do corréu, no momento da prisão em flagrante, sem autorização judicial, o que torna a prova obtida ilícita, e impõe o seu desentranhamento dos autos, bem como dos demais elementos probatórios dela diretamente derivados. III - As instâncias ordinárias fundamentaram a prisão preventiva do recorrente nos indícios de materialidade e autoria extraídos a partir das conversas encontradas no referido celular, indevidamente acessadas pelos policiais, prova evidentemente ilícita, o que impõe a concessão da liberdade provisória. Recurso ordinário provido para determinar o desentranhamento dos autos das provas obtidas por meio de acesso indevido aos dados armazenados no aparelho celular, sem autorização judicial, bem como as delas diretamente derivadas, e para conceder a liberdade provisória ao recorrente, salvo se por outro motivo estiver preso, e sem prejuízo da decretação de nova prisão preventiva, desde que fundamentada em indícios de autoria válidos. (RHC 92.009/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 16/04/2018)

Em outro julgado, o Ministro Jorge Mussi da 5ª Turma do STJ, comentando a respeito, fez a seguinte abordagem:  “... Não obstante os dados armazenados em aparelhos eletrônicos, notadamente em telefones celulares, não se encontrem albergados pela proteção contida no inciso XII do artigo 5º da Lei Maior, não há dúvidas de que, consoante o disposto no inciso X do mencionado dispositivo constitucional, dizem respeito à intimidade e à vida privada do indivíduo, não se admitindo, assim, que sejam acessados ou devassados indiscriminadamente, mas apenas mediante decisão judicial fundamentada. Doutrina. Jurisprudência” (RHC 100.922/SP, julgado em 11/12/2018, DJe 01/02/2019)

Conforme se vê, aceitando as “provas” hackeadas os Ministros da Segunda Turma colidem frontalmente com remansosa jurisprudência da mais alta corte da justiça infraconstitucional do País. Também colocam por terra dois dos mais sensíveis alicerces dos Direitos e Garantias Constitucionais deste País, a saber, os incisos XII e LVI, ambos insculpidos no art. 5º da Constituição Federal.   

Não bastasse isso, o próprio conteúdo das mensagens é colocado em xeque, pois há indícios que parte delas foram editadas e alteradas para fazer delas extrair contextos diversos dos originais.

A reboque de tudo, semeia-se uma forte instabilidade processual no País. O que é hoje poderá já não mais ser no amanhã, ainda que ancorado em sólidos e prestigiados dispositivos e entendimentos legais e constitucionais.

Coisas do Brasil. Apenas isso. Por isso somos o que somos.

 

Alipio Reis Firmo Filho

Conselheiro Substituto – TCE/AM e Doutorando em Gestão  

 

 

 

domingo, 7 de março de 2021

MULHERES

Comprometidas. Determinadas. Pacientes.

Amigas. Companheiras. Lutadoras.

Ansiosas. Indecisas. Inseguras.

Frágeis. Fortes. Impotentes.

Indecifráveis. Indescritíveis. Impenetráveis.

Amorosas. Rancorosas. Ressentidas. 

Ambiciosas. Carentes. Desejosas. 

Assim é o universo feminino. 

Com altos e baixos. Com tropeços e quedas. Com acertos e desacertos  é bem verdade, mas que representam o alicerce de muitas construções.

Partícipe  na origem da vida. 

Centelha do amor divino. 

Sábia em todas as horas.  

Conselheira fiel. 

A vida não seria completa sem elas. 

Sua companhia, seu colo e seu abraço são como um porto seguro nas grandes tempestades.

O meu respeito. O meu apreço. A minha gratidão a todas as mulheres neste 08/03/2021.


Alipio Reis Firmo Filho