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sexta-feira, 17 de abril de 2020

LUIZ HENRIQUE MANDETTA


(*) Texto publicado na Coluna Gestão, do autor no Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com.br)

Não pensei que decorridos três meses da memorável final do mundial de clubes entre o meu  Flamengo e o Liverpool, eu viria a experimentar novamente o mesmo sentimento  que tive quando Jorge Jesus – até então irrepreensível como técnico – resolveu sacar do jogo dois importantes jogadores (Arrascaeta e Everton Ribeiro), faltando apenas quinze minutos para o final do segundo tempo. O placar permanecia empatado e o Flamengo, no exato momento das substituições, dominava a partida. Tecnicamente falando, as substituições foram um desastre, pois resultou na clara perda de poder ofensivo do time dando oportunidade para o adversário se refazer em campo. O resultado nem preciso comentar. Melhor deixar pra lá.

Evidentemente que, assim como um técnico de futebol, também os mandatários governamentais gozam da prerrogativa de trocar essa ou aquela peça de seu secretariado, quando assim entenderem necessário. Mas, convenhamos. Há trocas e trocas. Há mexidas e mexidas.

Em certas ocasiões, conquanto possíveis, nem sempre é oportuno fazê-las. Algo pode sair errado e comprometer todo um planejamento. Possibilidade não pode ser confundida com oportunidade. São duas realidades completamente distintas. O bom estrategista sabe conjuga-las perfeitamente, a fim de potencializar ao máximo as possibilidades de sucesso.

O problema não envolve tanto as mudanças em si, mas o instante em que as trocas são operadas. É necessário, portanto, que o governante calibre sua decisão, a fim de reduzir as chances de perder a partida. Em diferentes momentos da História da humanidade, renomados estadistas têm nos ensinado que repetidas vezes é mais inteligente mostrar estratégia que propriamente força na resolução de problemas.  

Desde quando levantou a bandeira do isolamento vertical – segundo o qual só deveriam ficar isolados o grupo de risco, isto é, as pessoas idosas e portadoras de comorbidades – o presidente Bolsonaro estabeleceu uma equação difícil de fechar. Difícil porque a solução colide frontalmente com a própria Ciência. Muito embora não haja unanimidade na adoção do isolamento total (isolamento horizontal) – aliás, nem mesmo Jesus Cristo obteve unanimidade em seus discursos – a maioria esmagadora da comunidade científica internacional, além dos próprios governantes, são uníssonos em recomendá-la em tempos  de pandemia. Não há o que discutir.

Desde que assumiu o Ministério da Saúde, Luiz Henrique Mandetta foi nessa direção. E não podia ser diferente. Não bastasse sua formação médica, a ampla experiência internacional  corroborava e aconselhava a medida. Na ausência de drogas e vacinas é o único meio de frear a proliferação em massa do vírus. Não existe outra solução.

Mas o presidente preferiu transformar um problema de saúde pública em cabo de guerra político. Em outras palavras, ele politizou o vírus.

E o fez justamente porque todos aqueles que faziam oposição ao seu governo começaram, um a um,  a proclamar a necessidade de adoção do isolamento. A leitura foi a seguinte: eu não posso concordar com a oposição, ainda que traços de lucidez e civilidade estejam presentes no seu discurso.

Uma leitura infeliz, diga-se de passagem. Semelhante às opiniões regadas a paixões futebolísticas nos estádios em que se ignora a genialidade de uma jogada só porque ela foi protagonizada pelo time adversário.    

A tese do isolamento não foi criada pela oposição brasileira. Muito menos por ideologias político-partidárias de outros países. Trata-se de medida ligada à saúde pública, como meio profilático para conter surtos epidêmicos de altíssima gravidade e contágio, que ainda não contam com drogas e vacinas capazes de combatê-los. É o caso da Covid-19.    

Além desse fato, acredito que a exoneração do Ministro Mandetta também tenha decorrido de uma “ciumeira” do presidente e de alguns de seus assessores mais próximos.

Ao que tudo indica, as coletivas do Ministro e de sua equipe começaram a causar  desconfortos no Planalto. A postura, a fala, a maneira didática e fácil de se comunicar com a imprensa e com o grande público foram certamente o combustível de sua fritura.

A cada coletiva, Mandetta ganhava a simpatia e o respeito de todos, inclusive de muitos correligionários políticos do próprio presidente. O tom da voz, o carisma, os gestos, as expressões faciais e o estupendo domínio sobre o enfrentamento da Covid-19 acabaram por alimentar a antipatia e a repugnância de muitos que dão a vida por uma centelha de holofote. Pior: a própria oposição começou a lhe render elogios, assim como a comunidade internacional.

Mandetta começou a ganhar projeção nacional e internacional o que fez com que o Planalto torcesse o nariz a cada manifestação sua. Com efeito, era preciso consolidar um discurso que de alguma forma  fizesse oposição ao próprio Ministro e, ao mesmo tempo, atendesse aos reclamos pró abertura da economia de pessoas influentes mais próximas ao presidente.

Uma vez mais reforço a ideia de que a exoneração de Henrique Mandetta foi infeliz e pouco inteligente (isso para recorrer a expressões eufemísticas).

O presidente não soube jogar com as cartas sobre a mesa. Não demonstrou habilidade ao mexer as pedras do tabuleiro. Enxergou o problema mais   como ameaça e menos como oportunidade. Perdeu a chance de alavancar preciosos dividendos políticos, que poderiam lhe render, inclusive, valiosos pontos nas eleições de 2022.  Tinha tudo para calar a boca de seus opositores, além de afinar seu discurso com a comunidade internacional. No entanto, fez tudo o que não era aconselhável fazer. Colocou a carroça na frente dos bois.    

Poderia ter colado em Mandetta. Afinal, foi Bolsonaro quem o escolheu para a pasta. Se a tripulação brilha, o comandante vai junto.

A cada coletiva, a cada reunião, lá estaria o presidente. Presente. Abrindo os trabalhos. Em contato direto com a imprensa e apoiando o Ministro da Saúde. Seu principal jogador em campo.  O que dizer de um presidente assim? De um mandatário cuja boca proclamasse a necessidade de salvar vidas? Que ressaltasse a necessidade de as ideologias político-partidárias permanecerem em segundo plano em tempos de pandemia! Que estendesse a mão ao invés de criticar! Que pedisse ajuda e colaboração de todos os brasileiros para termos o mínimo de mortes possíveis!

Assisti muitas corridas de Ayrton Senna pela Fórmula 1. Uma das temporadas mais memoráveis foi quando ele, mesmo conduzindo um carro com rendimento abaixo dos demais, conseguia se manter na liderança. Ayrton fazia verdadeiros milagres no asfalto. Tirava leite de pedra. Chegava na frente. Sempre liderava.
T
odos sabem das condições precárias do Sistema de Saúde Público Brasileiro. Algo caótico. Cheio de remendos. Dificílimo de administrar. Um amontoado de problemas. Informações desencontradas por toda parte. Problemas e mais problemas. Uma verdadeira torre de babel.  Para a maioria, uma imensa ameaça. Para poucos, uma tremenda janela de oportunidades.  

Eis o desafio. Um grande desafio, aliás.

Como equipará-lo aos melhores sistemas de saúde do mundo, apesar de suas grandes limitações? Como azeitá-lo diante de tantos entraves? Como fazê-lo alçar grandes voos  em meio a destroços? Como obter resultados promissores contando apenas com  paupérrimos recursos?
B
olsonaro deixou passar uma excelente oportunidade de mostrar liderança. Liderança em sua própria equipe de Governo. Liderança diante de toda a classe política e empresarial nacional. Liderança frente aos grandes estadistas e chefes de governo do mundo.  

Ao final, arregimentou contra si uma equação macabra. Por um lado, subtraiu e dividiu aliados. De outro, adicionou e multiplicou opositores.   

Como brasileiro, tomara que não tenha que provar novamente do gosto amargo da fatídica derrota no mundial de clubes.  

Que Deus nos proteja!!!

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