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terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

OS TRIBUNAIS DE CONTAS E O PATRIMÔNIO AMBIENTAL

(*) Texto publicado na Coluna Gestão do autor no Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com.br)

Há um debate que volta e meia comparece nas discussões envolvendo os tribunais de contas: até que ponto eles são competentes para fiscalizarem questões ligadas ao meio ambiente? Como todo conteúdo que ainda não foi suficientemente amadurecido nas rodas de debate, quase sempre o tema tem suscitado pontos de vista diversos, regados, algumas vezes, a debates mais ácidos.

Uns entendem falecer competência aos tribunais de contas para proporem medidas relacionadas a infrações ambientais. Outros, contudo, admitem essa competência. Filio-me entre os últimos, ainda que com alguns regramentos.

O art. 70 da Constituição Federal assim dispõe: A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder (grifei).

Mais adiante, em seu art. 225 ela pontua: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações (grifei).

Conjugando-se os dois dispositivos, não há como não admitir o raio de incidência da ação fiscalizadora dos tribunais de contas sobre matérias ligadas a questões ambientais. Essa conclusão não provém, portanto, unicamente de conjecturas de ordem doutrinária. Antes, encontra arrimo no próprio legislador constituinte originário, que assim dispôs. Trata-se, portanto, de concepção alicerçada no Texto Constitucional federal.

Por outro lado, o inciso I do art. 99 do Código Civil Brasileiro enumera os bens de uso comum do povo – bens de uso coletivo por excelência – como integrantes dos bens públicos: São bens públicos: I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças. Antes dele, o art. 98 declara: São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno (...) (grifei).

A lógica jurídica é cristalina: premissa maior: todos os bens de uso comum do povo pertencem às pessoas jurídicas de direito público interno. Premissa menor: o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um bem de uso comum do povo. Conclusão: o meio ambiente ecologicamente equilibrado pertence às pessoas de direito público interno.

Sendo assim, não há como não conceber que o meio ambiente integra o acervo patrimonial de sobreditas pessoas jurídicas. Ora, se ele faz parte do acervo patrimonial público não faz sentido aparta-lo da ação fiscalizadora dos tribunais de contas, uma vez que o art. 70 do Texto Constitucional federal distingue a fiscalização patrimonial como um dos canais por meio dos quais a fiscalização dos órgãos de controle externo se manifesta.

Não vejo como extrair outra conclusão que não seja essa, até por questões humanitárias.

Façamos um raciocínio simples. 

Todos nós sabemos que as praças são contadas como  bens de uso comum do povo. Não há dúvida também que elas integram o acervo patrimonial dos entes federativos. De dez anos para cá, inclusive, as normas que regem a escrituração contábil no setor público passaram a admitir os bens de uso comum como passíveis de contabilização. Assim, na atualidade, o dever de registrar contabilmente uma mesa ou um veículo pertencente às instituições governamentais se estende também às praças públicas. Não há qualquer diferença de tratamento contábil entre eles. Suas raízes são exatamente as mesmas: ambos integram o patrimônio governamental. Ora, se uma simples praça se sujeita à ação fiscalizadora do tribunal, qual o motivo, então, para retirar de sua fiscalização o meio ambiente? Não são ambos bens de uso comum do povo? Ambos não contribuem – cada um a sua maneira – para a vida sadia? Para a qualidade de vida? Para a manutenção da vida? Os dois não estão a serviço da coletividade? Indubitavelmente que sim. Uma praça pública não é apenas um adorno urbano. Ela é, essencialmente, como se fosse um balão de oxigênio a renovar o ar dos aglomerados urbanos, tão comprometido na atualidade pelo dióxido de carbono. A mesmíssima função desempenha o meio ambiente. Aliás, com incontáveis vantagens!!

É bem verdade que a atividade fiscalizadora das cortes de contas não é plena em alguns redutos. Em algumas oportunidades o Judiciário já censurou condutas dos tribunais de contas que tangenciaram licenças ambientais concedidas pelos órgãos de proteção ambiental por entender que, em tais casos, a competência fiscalizatória dos órgãos de controle externo deve ser suprimida, uma vez que o órgão de proteção ambiental se encontrava no exercício pleno de seu poder de política. Isso ocorreu em um embate envolvendo o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas e o Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas. Longe de dizer, entretanto, que, a partir desse entendimento, o Judiciário amazonense tenha afastado a ação fiscalizadora do Tribunal em questões ligadas ao meio ambiente. Em absoluto. O que restou claro na referida apreciação judicial é que no exercício do poder de polícia pelos órgãos de proteção ambiental  não há como se conceber condutas fiscalizadoras concorrentes. Nada mais lógico. Dizer o contrário é esvaziar a competência do órgão ambiental. Mas daí entender que essa exclusividade alcança outros terrenos é afrontar disposições alicerçadas pelo legislador constituinte originário.

Com efeito, em matéria ambiental, o exercício das competências enumeradas nos incisos I a XI do art. 71 da Constituição federal pelos tribunais de contas é pleno. Dentre essas, destaque-se o poder-dever de “assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade” (inciso IX); e “representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados” (inciso XI).

Em síntese, resta claro que matérias ambientais se sujeitam in totum à ação fiscalizadora dos tribunais de contas. Essa dimensão se insere no escopo do O QUE as cortes de contas devem e podem fiscalizar. Agora, COMO essa fiscalização se opera é que em dadas situações deve respeitar certos limites. É preciso ficar claro, todavia, que a censura realizada pelo judiciário quanto à determinada forma de fiscalização adotada incide APENAS sobre a modalidade censurada. Não sobre todas elas. A meu ver, todas as ações fiscalizatórias conduzidas pelos tribunais de contas que, de alguma forma, SOMEM e CONSOLIDEM esforços para a obtenção de um ambiente ecologicamente equilibrado – desde que respeite critérios de razoabilidade – devem ser recebidas como altamente positivas pois, no dizer do legislador constituinte originário “contribuem para a sadia qualidade da vida”.

É como penso.

Alipio Reis Firmo Filho

Conselheiro Substituto – TCE/AM e Doutorando em Gestão           

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