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domingo, 10 de novembro de 2019

FOLHAS SECAS



(*) Texto publicado na minha Coluna Gestão no Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com)




Há três estruturas na natureza que realizam papéis fundamentais  a favor da   vida: a seiva, o sangue e a água.

A seiva é responsável pela condução dos elementos vitais no interior das árvores e das plantas. Carrega uma preciosa carga, representada por água, nutrientes, hormônios, oxigênio e gás carbônico. Todo o conjunto é transportado por meio de uma complexa estrutura vascularizada, constituída por canais que, à semelhança de ductos, comunicam entre si diferentes compartimentos no interior dos vegetais. Sem seiva não haveria fotossíntese e, sem ela, também não existiria a produção de oxigênio o que decretaria a morte de todo o mundo animal.   

O sangue, por sua vez, é um velho conhecido nosso. Sem ele, boa parte do reino animal inexistiria. A função do sangue é alimentar o corpo animal, além de recolher o lixo produzido por ele diariamente. Para nutri-lo, transporta nutrientes, oxigênio, gás carbônico, hormônios e anticorpos de um compartimento a outro; por meio de uma extensa rede constituída por artérias, veias e capilares. Não fosse o sangue, toda a estrutura humana desabaria por inanição e por toxinas.

A água é também uma antiga conhecida. Circula no interior do planeta distribuindo vida por onde passa. Assim como o sangue e a seiva, irriga tudo o que toca. Refrigera, alimenta, limpa e suaviza as superfícies, restaurando o solo em toda a sua plenitude.

Sem sangue, sem água e sem seiva não há vida. O tecido humano apodrece; o solo perde seu vigor e as folhas secam paulatinamente. A solução é amputar o membro comprometido, descartar a folha esmaecida e renovar o solo, sob pena de todo o edifício da vida vir a baixo. Assim o é na natureza. Assim deve ser no mundo jurídico.  Eis um grande ensinamento para os operadores do Direito.

Passo a reproduzir aqui um trecho de um artigo meu intitulado LIMITES À APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI Nº 13.105/2015) À LEI ORGÂNICA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO AMAZONAS, publicado em 2018 na Obra “Processos de Controle Externo”, pela Editora Fórum: “A lei, enquanto modalidade de expressão da Ciência Jurídica, pretende abrigar em seu interior valores sociais capazes de manter o equilíbrio nas relações de convivência. Imbuída desse propósito, observa o cotidiano, a procura do que há de mais relevante nos fatos da vida. Em seu trajeto, pondera e analisa tudo o que encontra ao derredor tentando abstrair-lhe o conteúdo e, principalmente, seu significado.  Ao final, recolhe o que considera mais importante para a vida em sociedade, normatizando-o e atribuindo-lhe uma consequência jurídica. Assim nasce a previsibilidade da Ciência do Direito, condensada na norma legal, resultado da atividade legislativa.  O mundo dos fatos, portanto, inspira, contínua e indefinidamente, o mundo do Direito.  Conquanto sejam realidades distintas, ambos trabalham conjuntamente em prol do mesmo objetivo: a vida pacífica em sociedade.   O convívio social, contudo, é por demais dinâmico. Muda constantemente. O que é hoje no presente poderá não mais existir no futuro. Os valores sociais se alternam e se alteram com frequência. Seus significados também. Ora se dilatam, ora se retraem. Desaparecem e reaparecem abruptamente.  Por isso é tão difícil o Direito acompanhar a tábua de valores sociais. O mandamento legal é como uma fotografia. Captura apenas um instante do presente, congelando-o no tempo e no espaço.  Daí por diante, a dinamicidade da vida encarrega-se do resto. A ingovernabilidade do mundo dos fatos promove rupturas, dissociando-os do que fora cristalizado no mandamento legal. Direito e sociedade já não falarão a mesma língua. Pautar-se-ão por valores distintos.  Questões do mundo real já não encontrarão correspondência no mundo jurídico. Nascem as lacunas do Direito.    Por mais que se afadigue, a atividade legislativa jamais poderá acompanhar a velocidade das mudanças sociais. Uma se desloca a passos aritméticos enquanto a outra só geometricamente avança em seu percurso. Por mais bem aparelhado que seja o legislador diligente, ele só poderá se debruçar sobre uma matéria legislativa de cada vez. Não mais que isso. Ou seja, as necessidades de regulamentação serão sempre superiores à capacidade de produção legislativa. Em razão disso, o mundo jurídico terá que conviver com suas defasagens, indefinidamente”.

Juristas e filósofos da estatura de Herbert Lionel Adolphus Hart, Ronald Dworkin e Karl Engisch dedicaram suas vidas refletindo sobre essa problemática. Seus ensinamentos ajudaram a consolidar uma importante corrente jurídica doutrinária denominada “Jurisprudência de Valores”. Para eles, sempre que o valor cristalizado numa norma jurídica não mais encontra correspondência nos valores sociais, é imperativo admitir-se a existência de lacunas no ordenamento jurídico; semelhantes aos buracos na camada de ozônio que circunda o planeta Terra. Trata-se das chamadas “lacunas axiológicas”, por envolver a ausência do elemento mais subjetivo de uma norma jurídica: o valor.

Segundo essa importante corrente doutrinária, todas as vezes que os operadores do Direito se depararem com tal realidade, poderão realizar a atualização da norma, colocando-a em sintonia com os valores sociais contemporâneos. Nesse trabalho cognitivo, deverão  animar-se pelos anseios de justiça e paz social. Parafraseando disposição da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, a aplicação da lei ao caso concreto deverá guardar conformidade com os fins sociais da norma operada. Somente assim o magistrado garanti-lhe a eficácia social plena.  

No fundo, a Jurisprudência de Valores está alicerçada no componente mais importante da norma jurídica: o Valor. Ele, juntamente com o fato e a própria norma, constitui a célula da qual se origina o tecido jurídico, gênese de todo o ordenamento jurídico. Quando o valor se esvai, imediatamente o tecido definha. É como uma lâmpada que vai perdendo seu brilho até se apagar completamente, deixando atrás de si um ambiente de completa escuridão.

São como folhas secas que merecem ser podadas pelo operador do Direito, a fim de que outras possam florescer em seu lugar.  

Se, todavia, este insiste em conserva-la, exatamente como era antes, então a Justiça se desgarra do Direito. O certo transforma-se no errado. A paz social se vê ameaçada e as instituições públicas caem no descrédito. Eis a precisa  realidade retratada na fatídica decisão tomada no último dia 07 de novembro por nossa Suprema Corte, decidindo a favor da prisão de delinquentes somente depois do trânsito em julgado. Por meio dela,   concedeu  sobrevida a um dispositivo constitucional nascido há 31 anos atrás que, na atualidade, já não mais encontra correspondência nos valores sociais contemporâneos,  pois lhe falta o elemento vital: o valor.  

Isso explica a queixa, o protesto, a reclamação, a dúvida e toda a forma de repúdio gestada no meio social. No mínimo, reclama uma profunda reflexão de todos nós, em especial, de nossos magistrados. 

Alipio Reis Firmo Filho

Conselheiro Substituto - TCE/AM e Doutorando em Gestão

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

O JUDICIÁRIO E AS BANCAS DE CONCURSOS PÚBLICOS


Houve um tempo em que o Judiciário nacional não censurava as decisões das bancas de concursos públicos. Muitos magistrados diziam que as decisões das bancas eram intocáveis. Ao Poder Judiciário falecia a competência para criticá-las. Apenas em situações isoladas – mais ou menos, 10% das ações – é que um ou outro magistrado criticava a decisão das bancas. Mas a regra não era essa. Vigorava a soberania das bancas. O que elas dissessem, estava dito e ponto final.

Felizmente isso é coisa do passado. A realidade mudou. As decisões das bancas já não passam tão ao largo das críticas do Judiciário nacional. Muito pelo contrário! Nos últimos anos a magistratura tem se debruçado cada vez mais sobre algumas condutas, no mínimo, “estranhas” das bancas de concursos públicos.

Um dos que mais defendem a competência do Judiciário para intervir nas decisões das bancas é o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Herman Benjamin. Em Voto proferido na Segunda Turma do STJ, no qual apreciava um mandado de segurança impetrado por um candidato que rogava a nulidade de várias questões do concurso que havia participado, ao argumento que o conteúdo exigido nas questões não fazia parte do conteúdo programático do certame, o Ministro pontuou: cabe ao Judiciário “pôr algum freio” nesses casos excepcionais, justamente para não dar margem à formação de uma “intocabilidade e infalibilidade das comissões de concurso”. “Se não houver uma instituição isenta, com conhecimento de causa, para limitar ou mitigar esses abusos, vamos terminar, aí sim, em uma República de bacharéis, no sentido mais pernicioso da expressão”. O caso foi objeto do Recurso em Mandado de Segurança nº 49.896, da Relatoria do Ministro OG Fernandes, acompanhado na íntegra pela Segunda Turma do STJ. A firme jurisprudência do STJ considera que a censura é cabível pois o ato praticado pelas bancas de concursos públicos não se configura como um ato de mera gestão. Trata-se, segundo o STJ, de um “ato típico de direito público, vinculando-se ao juízo jurídico- administrativo. Em razão disso, deve observar os princípios que vinculam toda a Administração, como a supremacia do interesse público, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e todos os demais”. É o que consta no excerto do informativo de jurisprudência do STJ a seguir:


Em outro julgado (REsp 1689499 SC 2017/0189768-0), a Ministra Assusete Magalhães,  também do STJ, perfilhando essa mesma linha de entendimento destacou que “a jurisprudência pátria vem reconhecendo a sindicalidade judicial de erro grosseiro verificando em enunciados de questões de prova de concurso público (erro material primo ictu oculi), notadamente porque a discricionariedade administrativa não se confunde com a arbitrariedade ou a abusividade, sendo certo que conveniência e oportunidade não são conceitos absolutamente isentos de análise judicial (...) Verificada a existência de erro material no enunciado e no respectivo espelho de respostas da peça processual relativos à segunda etapa do X Exame Unificado da Ordem dos Advogados do Brasil, necessária se mostra a intervenção judicial, com a anulação dos quesitos pertinentes, em homenagem aos princípios regentes do atuar administrativo, em especial a proteção da confiança dos administrados”.

O Supremo Tribunal Federal vai na mesma linha de entendimento do STJ. No Recurso Extraordinário nº 1178117 RS – Rio Grande do Sul, o Ministro Marco Aurélio Mello destacou que, “Em regra, cabe ao Judiciário tão somente a análise do preenchimento dos requisitos legais em relação às questões. Constatado que a questão possui ao menos duas respostas corretas, é imperativa a anulação da questão”.

Por outro lado, o próprio STF sumulou o tema por meio de sua Súmula 684: É inconstitucional o veto não motivado à participação de candidato a concurso público. Ou seja, o candidato que se sentir lesado em seu direito de continuar no certame, entendendo existir veto não motivado, pode bater às portas do judiciário. A Súmula 684 reforça o entendimento do STJ pelo qual o ato praticado pelas bancas tem o dever de reunir todos os requisitos a ele inerentes, dentre os quais, o motivo. A referida Súmula fundamentou Decisão Monocrática do Ministro Roberto Barroso no RE 1.013.387.
Aliás, a Lei estadual nº 4.605/2018, que rege os concursos públicos realizados no Estado do Amazonas, no inciso II de seu art. 2º, determina que os concursos públicos realizados no âmbito do Estado do Amazonas deverá observar, dentre outros Princípios constitucionais, também a MOTIVAÇÃO. Confira:



A partir dessas e outras manifestações do STF e do STJ o judiciário vem reconhecendo, cada vez mais, o direito dos candidatos em concursos públicos de recorrerem ao judiciário para censurarem decisões das bancas de concursos públicos que abriguem elementos irrazoáveis, bizarros e completamente alheios ao senso comum, todos traduzidos por ERROS GROSSEIROS que jogam no lixo horas de estudos e, muitas vezes, completa abstinência do convívio familiar e social, protagonizados por quem decide pleitear uma vaga num concurso público. Eis alguns julgados:




Alguns exemplos de erros grosseiros que comumente são objeto de queixa por parte dos candidatos a concursos públicos: (i) mais de uma questão correta quando o edital previa apenas uma opção do candidato; (ii) conteúdo cobrado na prova diferente do exigido no Edital; (iii) critérios de correção das provas não previstos no respectivo Edital do certame; (iv) juízo contraditório na avaliação de prova discursiva.

Este que vos escreve também teve o dissabor de ter sido prejudicado por decisão de uma banca de concurso público quando participou, como candidato, à vaga que atualmente ocupa no Tribunal de Contas do Estado do Amazonas. Na oportunidade, em uma das questões discursivas, a Fundação Carlos Chagas solicitara dos candidatos que enumerassem e descrevessem quatro princípios contidos no Regimento Interno que regulassem os processos que tramitam no Tribunal. Um dos princípios por mim descritos foi justamente os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa. Acho, inclusive, que boa parte dos candidatos (se não todos) havia, como eu, lembrado dos tais Princípios, dada a popularidade que eles desfrutam no meio acadêmico e profissional. Para minha surpresa, a banca considerou a resposta incorreta. Solicitei, então, revisão da decisão. Não adiantou. A banca manteve a decisão dizendo que os princípios referidos não constavam no art. 62 da norma regimental. De fato, não estavam, mas vejam a norma cabeça desse dispositivo: “Art. 62. São princípios do processo, além dos princípios gerais aplicados à Administração Pública, os seguintes (...)”. Ou seja, tratava-se de uma relação apenas exemplificativa, não taxativa dos princípios ali enumerados. Dentro dos princípios gerais aplicados à Administração Pública certamente comparecem os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa. Ou seja, houve erro grosseiro na exegese do dispositivo por parte da banca examinadora. Não bastasse isso, o mesmo dispositivo, em seu inciso II, faz referência expressa à conformidade do processo com o Princípio do Devido Processo Legal cujos Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa são seus consentâneos. A propósito, ainda, do ocorrido, o Regimento Interno do Tribunal separou um capítulo inteiro apenas para tratar da aplicabilidade dos mencionados princípios nos processos que nele tramitam. O capítulo mencionado, aliás, era intitulado justamente de “DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA”, conforme arts. 81/88. A banca ignorou tudo isso ancorada em decisão completamente desarrazoada e alheia às normas de boa conduta no trato e manejo nos negócios públicos.  À época, prevaleceu a ditadura da banca.

Em boa hora, portanto, o Judiciário intervém nos decisórios das bancas de concursos públicos, a fim de eliminar excessos que repetidas vezes sepultam sonhos de inúmeros candidatos a concursos públicos.

Está de parabéns o Judiciário nacional!!
 
Alipio Reis Firmo Filho
Conselheiro Substituto – TCE/AM e Doutorando em Gestão  
 


sábado, 28 de setembro de 2019

A CORRUÇÃO NA SAÚDE PÚBLICA


Por Alipio Reis Firmo Filho (Artigo publicado na Coluna Gestão no Fato Amazônico)

A corrupção no setor público é abominável em todas as suas modalidades. Ela é como um potente ácido. Queima e consome tudo o que vê pela frente, deixando atrás de si um rastro de destruição. São choros, dores, sofrimentos e desesperos. Um oceano de lágrimas que jorra de corações oprimidos, costumeiramente esquecidos e abandonados.  Não há vida onde ela pisa. Não existe esperança onde ela toca. Mesmo aqueles que afirmam com ela conviver, mais cedo ou mais tarde, longe ou perto, acabam recebendo a paga por suas ações. Algumas vezes, da forma mais inusitada. Muitos nem se dão conta disso.   

Assim o é com a obra paga e não medida, com o produto comprado e não recebido, com o tributo injustamente dispensado e com a merenda escolar que não visita as creches e escolas. Tudo é tragado por um imenso redemoinho. Movido apenas pela força da ganância e do apetite de alguns.

Mas há uma forma de corrupção que considero a mais letal de todas. Nela, o choro é mais intenso, a dor é mais profunda, o sofrimento é inigualável e o desespero é infinitamente maior. Falo da corrupção na saúde. Talvez a forma mais mesquinha, leviana e infame de desviar dinheiro público.  
Enquanto qualquer outra forma de corrupção subtrai o alimento da mesa da coletividade, a corrupção na saúde lhe retira o que ela tem de mais precioso: A VIDA. Por isso ela é tão letal. Por isso ela mata incomparavelmente mais que todas as demais.

Se pudéssemos enxergar – como num grande telão - o rastro de sangue deixado pela corrupção no sistema público de saúde, talvez nosso sono nunca mais fosse o mesmo. Uma verdadeira carnificina. Algo semelhante aos campos de concentração da Alemanha nazista. Sem exagero algum.
-Quantas pessoas deixam de fazer suas cirurgias diariamente, o que lhes proporcionaria alívio na sua dor e no seu sofrimento, simplesmente  porque faltam materiais para realiza-las??? Já pensou nisso?
 -Quantos não batem às portas dos postos de saúde em busca da medicação desejada, que lhes permitiriam dormir melhor, comer melhor, falar melhor, pensar melhor, andar melhor, enfim, ter um mínimo de qualidade de vida, e são despedidos de mãos vazias quando lá chegam??? Já refletiu sobre isso?
- Quantos não deixam de fazer um exame clínico, capaz de identificar, instantaneamente, um mal, trata-lo a tempo e evitar seque-las, muitas vezes, irreversíveis??? Alguma vez você já se fez esse questionamento?

- Quantas crianças não morrem prematuramente, só pelo fato de as maternidades não disporem de condições, por falta de dinheiro, de lhes oferecerem um nascimento digno???

- Quantos acometidos por doenças crônicas (cardíacas, renais, hepáticas, oncológicas) morrem, todos os dias, em casa ou nos hospitais públicos, por absoluta falta de assistência do dinheiro público???

Mas, como disse, a corrupção na saúde pública é mais letal que todas as demais. Ela não mata apenas o paciente. Atinge, cruelmente, toda a sua família e amigos. O sofrimento é conjunto. A dor é coletiva. É como uma bomba de neutros. Mata silenciosamente e sem  alarde. 

Quantos sequelados não são produzidos diariamente só pelo fato de as farmácias públicas não disporem em seus estoques de remédios para o controle da pressão arterial ou dos níveis de açúcar no sangue?

Vivemos tempos sombrios, senhores. Na saúde pública, entretanto, as nuvens parecem ser bem mais escuras que as demais. Há morte por toda a parte e nós sequer nos damos conta disso. Como se nada tivéssemos a ver com isso.     

E quanto àqueles que produzem esse genocídio? O que fazer deles?  Aplicar as mesmas sanções que são aplicadas para outras situações? Tenho cá minhas dúvidas. Os especialistas na matéria penal afirmam que deve haver uma proporcionalidade entre o ilícito cometido e a sanção correspondente. Isso funciona direitinho na teoria, mas na prática...

As coisas são bem diferentes.

Há muito defendo que nossa Constituição “cidadã” já não é mais tão cidadã que outrora. Muitos dispositivos já foram revogados pela tábua de valores da sociedade brasileira. É grande a indignação coletiva. É imensa a sede por justiça. Muitos de seus dispositivos já não mais respondem aos anseios por justiça. Nesse ponto, estou com Maria Helena Diniz, ao admitir a existência das lacunas ontológicas e axiológicas, ambas refletindo o descompasso entre a (velha) norma jurídica e os valores sociais contemporâneos.

O atual texto constitucional, p. exemplo, impede a aplicação da pena perpétua no País. Trata-se de uma cláusula pétrea que é imune às mutações constitucionais via emendas. Na minha singela opinião, tal disposição já deveria ter sido objeto de reflexão, a fim de avaliar até que ponto o comando constitucional satisfaz os valores sociais mais sensíveis. A vida, certamente, está entre eles que, aliás, os encabeça.

Como tratar igualmente os (tipos) desiguais, desconsiderando-se a exata medida de suas desigualdades? Como ignorar os danos (imensos) gerados pela corrupção na área da saúde cujas consequências não se limitam a meras infrações de procedimentos ou locupletamento de recursos públicas, indo além, ceifando vidas e semeando dor e sofrimento à família e aos amigos do paciente? Nunca devemos nos esquecer: os efeitos da corrupção na saúde pública funcionam como EXTERNALIDADES. Suas consequências nocivas atravessam a órbita do seu destinatário (paciente, doente) e alcançam muitas outras pessoas que não participaram diretamente da relação poder público/paciente.

Para a reflexão de todos nós.


O PAÍS DOS INTOCÁVEIS



Por Alipio Reis Firmo Filho (Texto publicado na Coluna Gestão do Fato Amazônico)


As coisas pareciam ir tão bem e no rumo certo. Tudo de acordo com nossos anseios por justiça e  mudanças. Muitos “peixes graúdos” na cadeia. Gente que nunca imaginou estar atrás das grades agora amargava a experiência de ver o sol nascer quadrado, igual a qualquer ladrão de galinha. Pessoas que se colocavam acima do bem e do mal, de uma hora para outra, protagonizavam cenas que mais pareciam filmes de ficção científica. Realidades nunca antes imaginadas, de repente, eram estampadas nos meios de comunicação de todo o País. Grampos telefônicos revelavam a verdadeira face do crime, de como eram engendrados, tramados e costurados. Uma teia sem fim de interesses escusos, guardados a sete chaves, mas que a perspicácia de alguns teimou e conseguiu revelar.

Figurões que costumavam bater no peito como defensores árduos do fraco e do pobre. Políticos, empresários e administradores públicos influentes, agora eram identificados como os verdadeiros traidores da Pátria. Gente mesquinha. Gente ardilosa. Profissionais da mentira. Finalmente, parece que  as coisas haviam entrado nos eixos. Bastava manter o ritmo e... pronto. Tínhamos a esperança de chegarmos a sermos o País sério, ordeiro e disciplinado que qualquer cidadão do primeiro mundo estava acostumado a vivenciar.

Engano nosso. Triste engano.

Parece que acabamos de acordar de um grande sonho. Um sonho maravilhoso que há anos sonhávamos em sonhar. O tempo acaba de fechar e parece que as nuvens escuras tomaram conta de nosso céu de brigadeiro.

O cidadão de bem acaba de ser esfaqueado. Foram duas estocadas certeiras, profundas e com consequências incalculáveis.

No último dia 24/09 protagonizamos algo surrealista.    O bandido, o ladrão, o que assalta, o sanguinário, o que mata e o que rouba aplaudiram, de pé, a mais uma barbárie cometida contra o cidadão de bem.  A Câmara dos Deputados derrubou 18 dos 36 vetos presidenciais à recém aprovada lei de abuso de autoridade. Aliás, muitos juristas, magistrados, promotores de justiça e procuradores da República defendiam veementemente que a recente lei fosse vetada integralmente pelo presidente; tal era o teor de veneno que carregava em seus dispositivos. Infelizmente, isso não ocorreu. A solução presidencial foi retirar apenas 36 dispositivos do texto da lei. Tudo bem, pelo menos isso.

Sobre a aprovação da referida lei, estava mais para proteger bandidos do que salvaguardar direitos contra eventuais excessos. Na verdade, as organizações criminosas  não poderiam ficar de braços cruzados. Tinham que fazer algo para se defenderem de quem lhes ameaçava puxar o tapete. A solução veio por meio de um projeto de lei que pune juízes, procuradores e promotores por abuso no exercício de suas funções. Com a aprovação do texto quem decretar a prisão de bandidos que saqueiam os cofres públicos terá que ter suas cautelas. Poderá vir a responder por “abuso de autoridade” (imagine!!). Ou seja, na prática, colocaram uma arma nas mãos das milícias para atirarem sempre que se sentirem ameaçadas de largarem o osso. Algo bizarro, absurdo e descabido!!

Interessante notar que o texto da lei não prevê nenhuma punição contra aqueles que soltam graciosamente os gatunos, por meio de decisões desarrazoadas, tacanhas, sem pé e sem cabeça como, aliás, temos testemunhado diariamente nos meios de comunicação. Ou seja, incriminam quem prende e deixam de lado quem solta. Bela equação!! 

A segunda punhalada veio ontem, protagonizada pelo nosso Pretório Excelso. Reunidos, os Ministros do Supremo Tribunal Federal praticamente bateram o martelo a favor da tese que pode anular 143 das 162 sentenças proferidas na Operação Lava-Jato. Pior: boa parte delas podem ser alcançadas pela prescrição já que os autos voltam ao estágio da instrução inicial. Ou seja, muitos tubarões podem ficar livres da cadeia apenas pela ação do tempo. Bingo!!

O entendimento firmado pelo STF foi no sentido de que o réu delatado deverá ser o último a falar no processo. Isso não ocorreu na maior parte das sentenças proferidas. Eu fico cá pensando: mas esses mesmos réus não tiveram a oportunidade de falar o que queriam nos infindáveis recursos que moveram logo após  a sentença condenatória? Não se trata de apenas uma filigrana jurídica?? E o Princípio da Instrumentalidade das Formas onde é que fica?? Será que, realmente, há necessidade de voltar no tempo e apagar o que já foi arduamente escrito?? E bota árduo nisso!! Foi difícil, muito difícil, colocar esse povo todo na cadeia!! Haja noites mal dormidas!! Haja desgaste emocional!! Haja criatividade para não cair nas armadilhas processuais e se desviar das brechas legais!!

Mas... manda quem pode!! Obedece quem tem juízo!!

Reescrevo aqui o que disse em minha rede social: "Sinais estão sendo dados. Basta interpretá-los. Ontem foi a derrubada dos vetos presidenciais; hoje uma decisão que fere de morte algo tão caro para a maioria dos brasileiros (a Operação Lava-Jato). Amanhã, o que será??? Algo está errado com a democracia brasileira ou, como prefiro, com a democracia à brasileira. Eu, sinceramente, gostaria que tivéssemos a força dos protestos de Hong Kong. No mínimo, este País deveria ser tomado por protestos nas ruas exigindo respeito das autoridades constituídas. Aliás, não há como respeitá-las. Roubar, matar e destruir continua valendo a pena neste País, com as bênçãos de quem carrega sobre os ombros o dever de lutar contra o mar de lama que tomou conta do setor público nacional.

Vigora no Brasil a ditadura do crime. Não, senhores, a-b-s-o-l-u-t-a-m-e-n-t-e, isto não é democracia. Foi para isso que lutamos tanto por liberdade de expressão??? Serve qualquer argumento??? Mesmo aquele que nos oprime, nos humilha e nos aniquila???

Como brasileiro, só me resta o luto"

terça-feira, 7 de maio de 2019

PCASP - 2019

Segue o link para baixar o PCASP 2019 - Federação. Na sequência, o link para o PCASP 2019 - Federação - Estendido. 

Lembrando que a diferença entre o PCASP e o PCASP - Estendido é que este último apresenta, a título de sugestão, algumas contas já detalhadas. 





Boa leitura!!

Alipio Filho 

MCASP - 2019

Segue o link para o MCASP - 2019. Em seguida, consta o link sobre as principais alterações realizadas para 2019.

MCASP 2019

MCASP 2019 - SÍNTESE DAS PRINCIPAIS ALTERAÇÕES

Boa leitura!!

Alipio Filho

sábado, 27 de abril de 2019

O QUE SÃO REDES NEURAIS?

Para quem é iniciante e deseja aprender o que são redes neurais, compartilho com vocês um texto que encontrei na internet e que achei muito bom(TECMUNDO): 

Acompanhe. Boa leitura!!

Alipio Filho

A humanidade sempre desenvolveu máquinas para nos auxiliar. Elas aperfeiçoam nossa potência ou velocidade, reduzindo o tempo de trabalho ou aumentando nossa força. São poucas as máquinas que fazem o que o ser humano não faz, mas todas fazem o que fazemos de uma forma muito mais eficaz.
Recentemente, principalmente a partir da Terceira Revolução Industrial, com o desenvolvimento de computadores e a implantação de sistemas informatizamos no trabalho, muitos pesquisadores vêm desenvolvendo máquinas para nos ajudar a pensar melhor. Conseguimos até agora, com bastante eficácia, melhorar nossa força, nosso rendimento, nossa velocidade, mas mal arranhamos a capacidade de melhorar nossa inteligência. Isso acontece principalmente porque mal conhecemos como ela funciona.
Muitas pessoas defendem que a inteligência é fruto do pensamento lógico e desenvolveram vários sistemas lógicos diferentes, culminando na criação dos computadores. Outras pessoas defendem que a inteligência humana é fruto de como nosso cérebro é organizado. Esse grupo desenvolveu, na década de 1940 e 1950, a teoria das Redes Neurais.
Essas redes eram tão promissoras, que vários pesquisadores acharam que isso não daria certo ou esse modelo nunca alcançaria as previsões feitas até então. Durante mais de 20 anos, as pesquisas sobre redes neurais caíram em descrédito e mais ênfase foi dada à computação lógica conhecida e utilizada atualmente.
Porém, de um tempo para cá, principalmente devido ao avanço das neurociências, as pesquisas sobre redes neurais foram retomadas e muita coisa foi desenvolvida. Existem pesquisas, por exemplo, para o desenvolvimento de neurocomputadores. Para se entender melhor o que são as Redes Neurais e como seria os computadores baseados nelas, vale à pena conhecer como funcionam os neurônios.
Comportamento dos Neurônios
Os neurônios são as células que formam o nosso cérebro. Elas são compostas basicamente por três partes: os dentritos, que captam informações ou do ambiente ou de outras células, o corpo celular ou Soma, responsável pelo processamento das informações, e um axônio, para distribuir a informação processada para outros neurônios ou células do corpo. Só que uma célula dificilmente trabalha sozinha. Quanto mais células trabalharem em conjunto, mais elas podem processar e mais eficaz torna-se o trabalho. Logo, para o melhor rendimento do sistema são necessários muitos neurônios.
Dos Neurônios às Redes Neurais
Foi pensando em como os neurônios trabalham que pesquisadores desenvolveram neurônios artificiais. Cada um tem dois ou mais receptores de entrada, responsáveis por perceberem um determinado tipo de sinal. Eles também possuem um corpo de processadores, responsável por um sistema de feedback que modifica sua própria programação dependendo dos dados de entrada e saída. Finalmente, eles possuem uma saída binária para apresentar a resposta “Sim” ou “Não”, dependendo do resultado do processamento.
Um neurônio artificial tenta imitar o comportamento de um neurônio natural.
Um neurônio artificial é capaz de um único processamento. Cada entrada recebe somente um tipo de sinal ou informação. Como um neurônio pode possuir várias entradas, então ele pode perceber diferentes sinais. Porém, ligar vários neurônios similares em rede, faz com que o sistema consiga processar mais informações e oferecer mais resultados.

Por exemplo, é possível criar um sistema para identificação de bananas e maças. Para tal, cria-se neurônios sensíveis a cor e forma. Os de cor percebem o amarelo e o vermelho. Os de forma percebem o redondo e o comprido. Cada neurônio, então, possui quatro entradas, uma para cada informação.
Para obter um melhor rendimento do sistema, cria-se uma rede em camadas: uma primeira camada com quatro neurônios (um para cada sinal de entrada), uma segunda camada oculta de processamento com três neurônios e uma camada de saída com dois neurônios, um para avisar quando é uma maça e outro para avisar quando é uma banana.

Uma rede neural é capaz de identificar diferentes padrões.
O segredo não está na arquitetura dessa rede, mas na forma como ela processa: Redes Neurais não rodam programas, elas aprendem!
O aprendizado das Redes Neurais
Não existe uma programação pré-definida dos neurônios artificiais, como existem nas portas lógicas utilizadas nos circuitos computacionais. Ao invés disso, eles possuem um sistema de feedback que modifica sua programação. Cada informação processada gera um peso, dependendo do resultado. Se for um acerto, ela ganha um ponto, se for um erro, ela perde meio ponto.
Dessa forma, a rede neural do exemplo acima testa várias vezes a percepção do objeto. A cada acerto, os neurônios envolvidos no processamento ganham um ponto e aquela rede é reforçada. A cada erro, esses neurônios perdem meio ponto. Dessa forma, o sistema cria a rotina de seguir o caminho com mais pontos sempre. Quanto mais tentativas, mais aprimorado fica o sistema, chegando, ao final de um processo de aprendizado, a executar tarefas quase sem erro algum.
A grande vantagem disso é que para executar tarefas, uma rede neural não precisa guardar instruções de comando e executá-las de forma lógica, como num computador tradicional. Ao invés disso, a rede aprende o que é preciso ser feito e executa a função. Dessa forma, uma mesma rede, se ela for capacitada com os neurônios necessários para tal, é capaz de executar várias funções diferentes, independente de espaço de memória.
Isso porque em uma mesma rede é possível criar várias regras diferentes. No exemplo acima, podemos ainda ensinar a rede a detectar bolas amarelas ou bastões vermelhos, utilizando os mesmos neurônios e as mesmas regras. A diferença é q precisaríamos capacitá-las com neurônios de saída extras para cada nova informação que queremos dela e outros neurônios ocultos para facilitar o processamento. Mas isso não implica em criarmos novas regras ou novas programações, somente em ensinar o sistema e executar novas funções utilizando a mesma rede existente.
Em sistemas mais elaborados, uma rede neural consegue aprender qualquer função que uma pessoa possa saber e não há limites para a quantidade de informação que ela possa processar.
Inteligência Artificial (IA)
As redes neurais são principalmente utilizadas para criar sistemas de inteligência artificial. Os computadores tradicionais podem fazer isso de forma simulada, mas sua principal função é seguir regras ou comandos oferecidos pelo usuário. Assim, a inteligência artificial gerada por computadores tradicionais são simulações de inteligência real, ou seja, apresentam respostas segundo regras e comandos de um programa pré-estabelecido.
Acontece que a verdadeira inteligência não é a capacidade de seguir regras, mas sim a capacidade de resolver problemas. Mais inteligente é o sistema que consegue resolver problemas diferentes de forma eficaz. Baseado nisso, temos então duas formas diferentes de inteligência artificial, ou IA, a simbólica e a conexionista.
A IA simbólica simula o comportamento inteligente. Ela é baseada em uma programação que indica quais respostas devem ser dadas diante de determinados comandos. Essa IA é a utilizada em programas “inteligentes”, como corretores ortográficos ou simuladores dos mais variados. A questão é que esses programas dificilmente aprendem coisas novas, somente se você incluir novas programações. Essa é a IA mais comum.
A IA conexionista simula a estrutura do cérebro, pois acredita-se que a inteligência está na forma de processar informação e não na informação processada. Como o sistema do cérebro é inteligente, usa-se tal modelo para desenvolver IA. Assim, os sistemas de IA baseados em redes neurais conseguem aprender com seus erros e executar diferentes processos, independente de instruções.
As Redes Neurais e o Perceptron
Não só pensando nisso, mas principalmente tentando desenvolver melhores formas de inteligência artificial, alguns pesquisadores começaram a estudar o funcionamento dos neurônios. Em especial, Frank Rosenblatt pesquisou a estrutura da retina humana. Ela é composta por vários neurônios sensoriais, responsáveis por perceber as cores e as formas. Cada um desses neurônios transmite uma resposta em rede para vários outros neurônios que então enviam suas informações para o cérebro para finalmente processá-las e transformá-las em imagens. Essa é a base de funcionamento dos neurônios artificiais, que levaram ao desenvolvimento do Perceptron.
No início, um computador ocupava uma grande sala de trabalho.
O Perceptron foi à primeira máquina criada para processamento de informação feita sobre o sistema de redes neurais. Ele foi o primeiro sistema de processamento pequeno o suficiente para ser usado por uma pessoa, diferente dos computadores da época que ocupavam salas enormes com seus processadores. Ele foi considerada por muitos como o pai do computador pessoal.
Atualmente, o Perceptron é conhecido como a forma de processamento de informação baseado em redes neurais. Ele é construído com neurônios artificiais, formando redes de processamento. Uma rede dessas é chamada de Perceptron.
Diferenças entre Computador e Perceptron
A melhor forma de compreender a singularidade desse sistema é compará-lo ao computador. Talvez a característica mais marcante de um Perceptron seja que ele não executa programas, mas os aprende. Em um computador, instala-se instruções de comando que formam um programa. Em um perceptron, treina-o para executá-los. As informações não são gravadas, mas aprendidas.
Um computador funciona a partir da execução de operações lógicas, rodando programas que podem

er reduzidos à combinação de procedimentos de lógica booleana. Por sua vez, um perceptron é capaz de processos não-lógicos, comparações e transformações, pois seus sistema não é condicionado a um funcionamento lógico e linear.
Essas são as principais difernças entre um computador e um perceptron.
Ao mesmo tempo, um perceptron é capaz de múltiplos processamentos e testes de hipóteses em paralelo, enquanto computadores funcionam com um processamento em cada circuito de cada vez. Isso faz com que a velocidade de processamento do perceptron seja muito maior do que a de um computador tradicional.
Finalmente, um computador está preso à sua programação. Ele só executa aquilo que foi programado. Enquanto isso, um perceptron pode perceber novas possibilidades, aprender com as tentativas e erros e apresentar novos resultados.
Conclusão
Sabe-se que nenhuma máquina é capaz de superar a inteligência humana. Muitas são capazes de vários processamentos por segundo, de calcular inúmeras possibilidades, mas nenhum computador é capaz de aprender com seus erros. Já os perceptrons nos mostram que podemos construir máquinas realmente inteligentes, capazes de aprender, de errar, de melhorar e principalmente, que não são presos a programações que podem falhar. O que limita uma máquina dessas é sua própria experiência.
Aliado a isso e ao uso de nanotecnologia, podemos esperar grandes avanços nos computadores e na forma como entendemos a mente humanao. O que virá disso tudo, só o futuro pode dizer.

domingo, 7 de abril de 2019

A CASA DA MÃE JOANA


(*) Artigo publicado na minha coluna Gestão no Fato Amazônico (www.fatoamazonico.com)

Imagine uma família que por longos anos – pensemos algo em torno de 10, 15 ou 20 anos – conviveu com a falta de regras básicas de convivência em grupo. Nessa família, durante esses anos, não houve respeito, disciplina ou moralidade. Não houve regras ou limites para qualquer coisa. Todos podiam fazer tudo, sem barreiras. Predominava  a vontade pessoal. Ela era intocável. Inatingível. Interferência alheia? Nem pensar!!  Durante aqueles anos, nunca se falou em abusos ou excessos, uma vez que tudo era permitido.   

Os filhos chegavam e saiam de casa a hora que quisessem, inclusive os menores de idade. Não precisavam dar nenhuma satisfação aos pais. Dada a liberdade que gozavam,  também frequentavam a escola quando bem entendessem. Tinham o privilégio de escolher o dia para estudar. Se tivessem vontade de faltar às aulas, problema algum haveria. Nessas condições, as notas nos exames pouco importavam.   Não havia cobrança de bons desempenhos, de bom comportamento. Disciplina e respeito para com os professores e colegas de escola, ficavam para o segundo plano.  Eles sempre tinham o aval dos pais. “Sempre respeitamos o direito de livre arbitramento deles”, diziam os pais, com certo orgulho até.

O lazer também seguia a mesma linha. Podiam frequentar qualquer lugar, sem peias ou regulamentos; acompanhar-se de qualquer pessoa e tomar qualquer bebida. Fumar ou não fumar dependia apenas de uma decisão pessoal. Isso incluía drogas não lícitas. Não importava o que os pais pensassem ou deixassem de pensar. Eles, aliás, referendavam tudo o que os filhos faziam.  Sempre pautando-se pela plena liberdade de consciência, pela livre conduta e pela livre expressão do pensamento. Algo parecido com a tal Casa da Mãe Joana. Segundo a Wilkipédia, a expressão refere-se a lugar ou situação onde vale tudo, sem ordem, onde predomina a confusão, a balburdia e a desorganização.  

Eu poderia prosseguir no detalhamento do lifestyle dessa família, mas acredito que não  será preciso. As matizes aqui postas já nos dão uma ideia de como os integrantes dessa família fictícia se relacionavam entre si e com o mundo exterior. Evidentemente que aqui e ali houve uma certa dose de exagero na narrativa. Mas nada que comprometa o cenário que desejei retratar.  

Mudemos agora de trajetória.

Admitamos que os pais decidissem colocar regras nessa família. Não deixar as coisas tão soltas. Chegaram à conclusão que o melhor dos mundos não é todo mundo fazer o que deseja. Respeito e civilidade são importantes para a boa convivência. Funcionam como fertilizantes. Decerto que a tarefa não será das mais fáceis. É como domar um cavalo selvagem ou por o pé no freio de um veículo desgovernado. Haverá resistências. Muitas resistências. Recorrendo à gíria popular, se não houver pulso, estará fadada ao insucesso.

O maior problema será definir fronteiras. Fixar linhas divisórias onde elas nunca existiram. Estabelecer padrões de conduta outrora inimagináveis. Certamente que mudanças dessa envergadura promoverão choques violentos. Afinal, são condutas que perduram por anos a fio. Já estão enraizadas no seio familiar. Fazem parte da rotina. É lei entre as partes.

É mais ou menos essa a fase que estamos atravessando no Brasil. Por anos a fio, acostumamo-nos ao que era bom. Ou melhor, àquilo que julgávamos bom. Durante esse período, práticas foram consolidadas em nossa rotina como se dela fizessem parte. Isso ocorreu em vários redutos.

É fato: o Estado brasileiro é caro e pouco eficiente (para usar um eufemismo). Essa questão começou a chamar a atenção dos súditos, isto é, daqueles que carregam o peso desse Titã. Gasta-se muito, mas, principalmente, gastamos muito mal. Não temos a cultura do cuidado, do zelo, do balanceamento entre o custo e o benefício. É muito rarefeito no setor governamental o empreendedorismo. Planejamentos estratégicos ficam na gaveta ou são confeccionados apenas para satisfazer a uma exigência legal. Isso acontece também com muitos outros documentos públicos, como planos, programas e políticas públicas. O depoimento estarrecedor de Sérgio Cabral é uma prova cabal disso. Admitiu, sem meias palavras, que se elegeu unicamente para assaltar os cofres públicos. Como ele, tantos outros. Temos que banir essa corja de bandidos de nosso meio. Fazer uma limpeza. São lobos em pele de cordeiro que nada fazem e nunca fizeram pelo País.

Quer outro exemplo? Passemos em revista a realização da Copa do Mundo de 2014. Lá colheremos outros preciosos ensinamentos. Até hoje (e por muitos bons anos ainda) contabilizaremos os prejuízos. Obras faraônicas. Caras. Sem quase nenhuma utilidade. A Arena da Amazônia, por exemplo, consome mensalmente em torno de R$ 600 a R$ 700 mil reais de nosso precioso e mingado dinheiro para mantê-la. O custo-benefício? Não preciso comentar. Todos nós já sabemos.  E como ela, tantas outras espalhadas por esse País continental. Já pararam para pensar quanto desperdiçamos em obras inacabadas? Dinheiro que foi para o ralo, a serviço de uns poucos; guardado, muito bem guardado em malas cheinhas de dinheiro.   

Mas ao contrário do que pensamos o problema do setor público brasileiro não é exatamente o fato de ser caro. O problema é outro. Os serviços públicos prestados no Brasil são, com raríssimas exceções, de baixíssima qualidade (para usar um eufemismo). Saúde, educação e segurança pública são os mais criticados. Alemanha e Canadá também dão boas mordidas na renda de seus súditos. Possuem, como nós, altas cargas tributárias. A diferença é que lá o peso da carga é mais do que compensado pela qualidade dos serviços prestados. Lá há compromisso com o cidadão.

Sou servidor público, ingressei por concurso público em todos os cargos por onde passei, assim como no que estou atualmente. Diariamente, testemunho o dinheiro público sendo jogado fora, privilegiando alguns em detrimento de outros. E não é somente o alto escalão que adota essa prática. Isso acontece em todos os escalões governamentais. Consulte-se, por exemplo, o teor da Emenda Constitucional nº 47/2005, responsável por incluir o § 12 no art. 37 da Constituição Federal, e tirem suas próprias conclusões. Veja o antes e o depois dessa Emenda constitucional. O impacto nos gastos de pessoal no setor público, mormente nos estados que a adotaram. No ano passado foram pelo menos sete unidades federativas estaduais a decretarem estado de  calamidade financeira? Coincidência?

São privilégios que nos acostumamos a conviver. Privilégios transvestidos de “direito adquirido”, muitos, aliás, ainda sem preencherem os requisitos legais. Vejam só. Lutamos por algo que ainda nem faz parte de nosso patrimônio jurídico. Como se já fizesse. Não queremos que ninguém mude o curso da trajetória, pois o limite da linha de chegada já fora pintada por nós mesmos, muito antes de nós a alcançarmos. Se alguém afastar um pouco mais a linha de chegada, obrigando-nos a correr um pouco mais, é um Deus nos acuda!! Xingam, gritam, deturpam!! Como disse uma amiga minha: “no Brasil, somos individualistas. Ninguém tem espírito do coletivo. Se eu quero que algo melhore é para atender à minha casta e ponto final”. O Brasil carece de gente comprometida com o público, com a coisa pública.  

É também como eu disse certa vez numa rede social: nós, cidadãos brasileiros, queremos ter o que os países de primeiro mundo entregam a seus cidadãos, mas não estamos dispostos a pagar o preço. Tudo pode mudar, mas deixa meu pedaço comigo. Eis o retrato do Brasil na atualidade. Vejam o que está acontecendo quando alguém ousa falar em Reforma da Previdência no Brasil. São imediatamente devorados.  Para o exercício de 2019 o déficit previdenciário federal será de 303 bilhões de reais. Esse buraco será fechado com recursos do orçamento fiscal. São 303 bilhões que poderiam ter outro destino, como a construção de rodovias no País, fomentando a criação e a circulação de riqueza.

Há debates acirrados que colocam em dúvida esse déficit. Inclusive, há Relatório de Comissão no Congresso Nacional que afirma não existir déficit algum. Que um dos vilões do atual déficit previdenciário se chama Desvinculações da Receita da União, responsável por desvincular 500 bilhões de reais da Previdência Social, no período de 2005 e 2014. De fato,  a prevalecer esses números, desaparece o déficit. Entretanto, para além do déficit (ou não déficit) previdenciário, há outras questões importantes que precisamos enfrentar. Existem distorções gravíssimas na própria legislação previdenciária que precisam ser revistas e que, direta ou indiretamente, oneram os cofres públicos previdenciários. Quer um exemplo? O abono previdenciário. Sou servidor público e sou contra esse instituto. É uma fonte a menos que a previdência do setor público deixará de contabilizar. Agora imagine quantos servidores públicos pelo Brasil afora adquirem o direito à aposentadoria, mas optam por ficar no serviço público estimulados, talvez, na maior parte das vezes, pelo tal do abono de permanência. Para quem não sabe a coisa funciona mais ou menos assim: quem reuni condições de se aposentar e prefere continuar trabalhando, deixa de contribuir para a previdência do setor público. Outra forma de abonar é compensando o valor descontado mediante um crédito no mesmo valor. Não estou aqui fazendo coro contra os servidores públicos. Muito pelo contrário. Eu também sou servidor público. O que ressalto é uma grande distorção nas contas públicas que, a meu sentir, precisa ser revisto. Acontece que não queremos revê-lo, pois isso mexe com o meu pedaço. É o tal do espírito de individualidade que vigora neste País.  Portanto, o problema não se resume ao déficit previdenciário. Como disse anteriormente, o setor público brasileiro gasta muito e também gasta muito mal. Se pretendemos mudar nossa trajetória é preciso revermos o quadro que temos hoje. E aqui há várias frentes para serem abertas. Do contrário, não iremos a lugar algum. Nem Bolsonaro, nem Haddad, nem qualquer um que assuma o comando deste País vai mudar qualquer coisa. Por um simples motivo: nós não queremos mudar. O pior cego é aquele que não quer enxergar.     

Acostumo-nos com um Estado paternalista, que atende a todos os nossos desejos, sem limites, sem peias ou regulamentos. Uma casa da mãe Joana.

Que Deus tenha misericórdia de todos nós.

Alipio Reis Firmo Filho

Conselheiro Substituto – TCE/AM