O endividamento público sempre suscitou algumas “curiosidades” a respeito de um ponto capital: afinal de contas, por que os governos se endividam? Como e por que nasce uma dívida pública? Bem, essencialmente, existem 04 (quatro) razões que levam os governos a se endividarem:
1 – Para construírem obras;
2 – Para cobrirem seus déficts orçamentários;
3 – Para refinanciarem dívidas contraídas por eles no passado em razão de não disporem de recursos próprios suficientes para atendê-las no futuro;
4 – Para conterem o excessivo consumo verificado na economia (política monetária).
Das quatro razões apontadas, a primeira é, sem dúvida, a mais salutar.
A construção de obras públicas, por vezes, demanda uma elevada soma de recursos. Imagine quantos bilhões de reais são exigidos para a construção de uma hidrelétrica ou uma rodovia de grande porte. Pensemos também nos recursos consumidos na construção de portos e aeroportos de grande envergadura.
Dissemos que essa forma de gerar endividamentos públicos é salutar porque vários benefícios sócio-econômicos são colhidos a partir deles.
Primeiramente, porque a construção de obras é sabidamente a atividade que (talvez) mais impacta uma economia. Ela exige, por exemplo, uma grande quantidade de mão-de-obra e, o melhor, boa parte dela não necessita ser especializada (os pedreiros e mestres de obras, por exemplo). Assim, uma parcela significativa não especializada da população economicamente ativa é convidada a fazer parte do mercado de trabalho. Isso é altamente positivo pois estas pessoas terão que gastar o dinheiro ganho na compra de artigos de que necessitam (alimentação, vestuário, calçados etc.). Esses gastos, por sua vez, gerarão novas contratações pelas indústrias da alimentação, do vestuário e de calçados, o que acabará retirando mais pessoas da inatividade econômica favorecendo a colocação no mercado de trabalho, num círculo virtuoso sem fim que acabará por gerar mais empregos e, consequentemente, mais salários no contexto macroeconômico. Isso tudo sem falarmos no volume de materiais demandados (ferro, cimento, areia etc.). O governo, por sua, vez, também “fatura alto” com isso na medida em que irá arrecadar mais impostos (sobre serviços, sobre a circulação de mercadorias, sobre o auferimento de rendas etc.); enfim, é uma explosão em cadeia de benefícios. Nesse caso, o endividamente público é, repetimos, altamente salutar. Valerá a pena tomar dinheiro emprestado, portanto, para a realização de obras públicas.
O segundo motivo que conduz ao endividamento governamental – déficts orçamentários - decorre, como o próprio nome revela, da insuficiência de recursos próprios para que o setor público custeie as suas despesas. A situação é muito semelhante ao que ocorre conosco quando temos que recorrer a empréstimos no final do mês para quitarmos nossas obrigações. Na verdade, estamos complementando nossos salários com recursos de terceiros. O mesmo se dá com o governo.
Quando se vê impossibilitado de pagar as suas despesas não lhe restará outra alternativa senão tomar dinheiro emprestado, fazendo nascer a segunda modalidade de dívida pública. A conta que ele faz é simples.
Todos os anos, ao fazer o seu orçamento para o ano seguinte, o governo mensura tudo aquilo que ele terá de gastar e o compara com suas receitas. Caso constate que as receitas não poderão custeá-las, a saída será tomar dinheiro emprestado junto à iniciativa privada (bancos, empresas e pessoas físicas), a fim de cobrir suas despesas. Conquanto tais empréstimos sejam a solução para o problema de caixa do governo, pode ser uma porta aberta ao descontrole orçamentário nos anos subsequentes, pois se o problema ocorrer novamente, e ele não dispuser de recursos próprios para atendê-lo, novos empréstimos serão realizados vindo a agravar ainda mais a situação deficitária fato que acabará por dar origem à terceira modalidade de endividamento público, isto é, aquela decorrente do refinanciamento de dívidas contraídas no passado.
As dívidas contraídas em decorrências de déficits orçamentários acabam por deixar transparecer um certo descontrole com as contas públicas. Ao se endividar por força de déficits orçamentários o setor público, na verdade, estará sinalizando que “não fez o dever de casa”. Esse fato é muito parecido com alguém que vive sempre “no vermelho” e não consegue equilibrar suas contas, ainda que suas receitas aumentem significativamente. Ou, ainda, pode revelar uma personalidade que teima em não conter suas despesas já que não consegue alavancar suas receitas. Nesse caso, o problema passa a ser puramente de ordem gerencial ou de compulsão por gastar em alguns casos. Alguém com esse perfil jamais conseguirá equilibrar o seu orçamento, permanecendo sempre da dependência de recursos de terceiros – entenda-se, empréstimos – para “tocar” e “equilibrar” a sua vida.
Essas duas primeiras modalidades de dívida pública estão previstas no art. 98 da Lei federal n. 4.320/64[1].
A terceira origem do endividamento público – mediante o refinanciamento de dívidas contraídas no passado em razão de não dispor de recursos próprios suficientes para atendê-las – constitui-se num perigoso “círculo vicioso”. Conforme dissemos, ela está intimamente relacionada a constantes deficits orçamentários.
Nesta modalidade de endividamento o governo, ao concluir que não conseguiu juntar recursos próprios para fazer frente aos empréstimos tomados no ano anterior (ou nos anos anteriores) e, assim, acabar de vez com o seu problema de déficit orçamentário, não terá outra alternativa senão recorrer novamente a empréstimos, mas agora não exatamente para cobrir despesas suas, mas para pagar dívidas contraídas no passado (que, convenhamos, acabarão por integrar o rol de suas despesas). É isso mesmo.
O setor público pagará dívida mediante a geração de uma nova dívida dando origem ao que chamamos de “rolagem da dívida pública”, processo este que certamente instalará um deficit público crônico.
É como se eu, devedor de uma fatura de cartão de crédito - após consutar os meus rendimentos e chegar à conclusão que não disponho de um centavo para quitá-la - vier a recorrer a um empréstimo num banco para pagá-la. Na verdade, estarei pagando “dívida com dívida”. Resolverei o meu problema com a fatura do cartão em troca de uma dívida bancária. Ocorre que com este gesto poderei estar dando início a um processo crônico de endividamento se não deixar de gerar mais dívidas em meu cartão de crédito ou, ainda, cortar outros gastos de meu orçamento pessoal (cinema, lanche, água, luz, tv a cabo etc). Terei, portanto, que “frear” o meu consumo. Se não fizer isso, no próximo mês fatalmente terei de recorrer novamente a empréstimos junto a um banco e assim já não terei apenas uma dívida, mas duas. Infelizmente, tanto o governo federal como muitos governos estaduais e municipais encontram-se nessa situação.
Contraíram empréstimos no passado e não se prepararam para quitá-los no futuro sendo, portanto, pressionados a tomar novos empréstimos, a fim de equilibrar as suas finanças, numa verdadeira e perigosa “roleta russa”. Daí a famigerada rubrica refinanciamento da dívida pública registrada nos orçamentos de várias unidades federativas.
A quarta origem para o endividamento público é, na verdade, um “mau necessário”. Isso significa que, ainda que não ocorresse nenhuma das outras três razões para a tomada de empréstimos, o governo ainda assim se endividaria.
Nesta hipótese, a dívida pública nasce da necessidade de se conter o aumento geral nos preços (inflação) dos produtos e serviços provocados por um excessivo consumo. O problema aqui é genuinamente de ordem econômica.
Conforme todos sabemos, a economia de um país funciona como um grande recipiente em que são colocados, de um lado, as cédulas e moedas metálicas e, de outro, os bens e serviços produzidos no território nacional ou fora dele (produtos e serviços importados). Para que não haja inflação é preciso que exista um equilíbrio entre as cédulas e moedas metálicas e a quantidade de bens e serviços ofertados. Contudo, de tempos em tempos a quantidade de cédulas e moedas aumentam significativamente no mercado interno levando a um desequilíbrio em relação à quantidade de bens e serviços disponibilizados aos consumidores. Para que o sistema alcance novamente o equilibrado seria necessário que as empresas produzissem uma quantidade de bens e serviços adicional, a fim de compensar o excesso de cédulas e moedas metálicas na economia. O problema é que as empresas não conseguem ofertar essa produção adicional no mesmo período de tempo já que elas necessitarão de um período de tempo maior para realizar essa operação. Em outras palavras, enquanto a elevação de cédulas e moedas ocorre em progressão geométrica a produção de bens e serviços se dá em progressão aritmética. Há, portanto, um grande descompasso entre ambas. Por conta disso, os preços dos bens e serviços tendem a aumentar de forma generalizada instalando-se um processo inflacionário e, portanto, um problema de ordem pública. A saída será o governo retirar o excesso de cédulas e moedas da economia. Como? ENDIVIDANDO-SE.
Para tanto, o governo recorrerá à emissão de títulos públicos. Tais títulos terão a missão de retirar o excesso de cédulas e moedas metálicas existentes na economia e conter o consumo. O mecanismo é simples.
Ao vender seus títulos aos agentes econômicos (bancos, pessoas físicas, jurídicas etc.) o governo estará, na verdade, trocando-os por cédulas e moedas metálicas. Dessa forma, quem compra os títulos do governo não mais contará com cédulas e moedas para consumir bens e serviços fato que acabará por conter o consumo e, por extensão, o processo inflacionário. É por isso que dissemos que essa modalidade de endividamento público é um “mau necessário”. É um “mau” exatamente porque o poder público se endividará, pois ao vender seus títulos ele se comprometerá a recomprá-los no futuro, ocasião em que devolverá o principal emprestado mais os juros devidos na operação.
Num contexto geral, os títulos públicos representam uma “poupança” para quem os adquire. Os títulos oferecem rendimentos que, muitas vezes, são mais atrativos que os investimentos tradicionais. Além disso, sempre prevalecerá o fator segurança ofertada pelo governo. Diferentemente das empresas, o governo nunca “quebra” o que representa um aspecto importantíssimo para se optar pela compra de seus títulos.
Além destas quatro razões clássicas que explicam o endividamento público há, ainda uma quinta situação, de ordem mais particularizada e pontual.
Estamos nos referindo ao encampamento de dívidas de uma entidade federativa por outra. Explicamos.
Num passado não muito distante, muitas dívidas dos estados e municípios brasileiros foram assumidas pelo governo federal, isto é, pela União. Por conta disso, a dívida do governo federal aumentou significativamente. Foi o que ocorreu por meio da Medida Provisória 1969-14, de 02/03/2000. É bem verdade que em muitas operações a União acabava por refinanciar o total dos débitos dos estados e municípios, isto é, ao mesmo tempo em que assumira a dívida estadual e/ou municipal estes comprometiam-se a quitá-los junto ao governo federal, ainda que num prazo bem maior que o originalmente ajustado. Todavia, ainda que se tratasse de refinanciamento com posterior ressarcimento, acabava-se emitindo-se títulos públicos gerando, em consequência, endividamento público (vide art. 11 da MP).
Essa forma de geração da dívida pública em nosso País permaneceu por longo prazo até que finalmente a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n. 101/2000) vedou a prática[2].
[1] Art. 98: A divida fundada compreende os compromissos de exigibilidade superior a doze meses, contraídos para atender a desequilíbrio orçamentário ou a financeiro de obras e serviços públicos. A Lei n. 4.320/64 é a responsável por estabelecer normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
[2] Art. 35: É vedada a realização de operação de crédito entre um ente da Federação, diretamente ou por intermédio de fundo, autarquia, fundação ou empresa estatal dependente, e outro, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente.
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