quarta-feira, 30 de julho de 2014

UM PROBLEMA QUE PRECISAMOS RESOLVER

Pessoal, a seguir está o link de um texto de minha autoria intitulado UM PROBLEMA QUE PRECISAMOS RESOLVER, publicado no site da AUDICON (Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros Substitutos dos Tribunais de Contas). Ele aborda um problema existente em alguns tribunais de contas do Brasil, relacionado à limitação das prerrogativas do relator nos processos de prestação de contas.  

Boa leitura!!

UM PROBLEMA QUE PRECISAMOS RESOLVER 

domingo, 27 de julho de 2014

QUESTÃO DE CONCURSO PÚBLICO: ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA


Caso, em 2012, os municípios realizem operações de crédito por antecipação de receita orçamentária, essas operações deverão ser incluídas em suas respectivas leis orçamentárias, em obediência ao princípio da universalidade. 

Resposta: afirmativa incorreta. As antecipações de receitas orçamentárias (AROs) correspondem a débitos de tesouraria (inciso IV, art. 92 da Lei 4.320) e não são incluídas na previsão da receita orçamentária, conforme dispõe o parágrafo único do art. 3º da Lei 4.320/64. O motivo decorre do fato de as AROs referirem-se a movimentações de natureza puramente financeira. Na verdade, as AROs são uma solução para os gestores públicos resolverem problemas momentâneos de desequilíbrios de caixa. É que durante o exercício existe sempre a possibilidade de num determinado mês a arrecadação da receita não ser suficiente para suprir os pagamentos. Em tais situações é possível arrecadar “artificialmente” parte das receitas previstas. Para tanto, normalmente recorre-se a uma instituição bancária que fica responsável por adiantar parcelas de receitas com previsão de ingresso no futuro. Com isso, resolve-se o problema de desequilíbrio financeiro momentâneo. Por isso mesmo, as parcelas assim “arrecadadas” não podem integrar o rol das receitas previstas pois elas já correspondem a uma parte dessas receitas. Essa solução financeira, conquanto autorizada em lei (art. 38 da LC 101/2000), requer prudência dos gestores públicos no seu manuseio. Isto porque a operação representa a assunção de compromissos a pagar aí incluídas a geração de novas despesas sob a forma de juros e comissões bancárias. Por essa razão é que imediatamente após a realização da operação, o gestor público deve proceder a um controle rigoroso de suas finanças, a fim de que a dívida assim contraída não represente mais desequilíbrios financeiros no futuro.

TCE-AM EQUIPARA RESPONSÁVEIS POR ESCRITÓRIOS DE CONTABILIDADE A SERVIDORES PÚBLICOS

Desde 25 de abril de 2013 o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas equipara os contabilistas e organizações contábeis que prestam serviços de assessoria ou consultoria contábil aos entes públicos municipais aos funcionários públicos para fins de responsabilização administrativa, civil e penal, nos termos do disposto no parágrafo primeiro do art. 327 do Código Penal. É o que dispõe o art. 19 da Resolução/TCE-AM 15/2013:

Art. 19. Os contabilistas ou organizações contábeis que prestem serviço ou assessoria contábil aos entes públicos municipais serão equiparados a funcionários públicos, conforme § 1o do art. 327 do Código Penal e responsabilizados administrativa, civil e penalmente nos termos das legislações específicas e outras especiais, respeitadas as jurisdições inerentes a cada caso, pelos atos que tenham, de alguma forma, influenciado ou sido determinante para transgressão da lei ou para a concretização do dano ou prejuízo ao erário. 

Parágrafo único. Além das providências administrativas a dotadas pelo TCE e CRC, não exclui a representação ao MPE, a fim de que se proceda ao ajuizamento da ação penal cabível, quando da prática de ato configurador de ilícito penal.

É importante destacar que a regra alcança tanto as transgressões legais que provocam dano ao erário quanto as demais (sem dano aos cofres públicos)

Acho que a medida veio em boa hora uma vez que muitos escritórios contábeis contratados pelas câmaras e prefeituras do interior do Estado deixam muito a desejar em termos de serviços contábeis. Ao longo desses quase seis anos que estou no Tribunal de Contas do Estado  do Amazonas, tenho visto relatórios e demonstrativos contábeis que passam longe, muito longe, do que a técnica contábil determina. Já vi de tudo e, a cada dia, surpreendo-me com o grau de "profissionalismo" dos "profissionais da contabilidade pública". Há distorções para todos os gostos e preferências. Não resistem a uma mínima crítica contábil. São erros aberrantes, grosseiros, primários, sem nexos, enfim, absurdos. 

Como também possuo formação contábil (Bacharelado em Contabilidade pela UFAM) vejo o dispositivo como um excelente instrumento capaz de moralizar a profissão contábil e banir, de uma vez por todas, aqueles que teimam em macular toda uma categoria. 

De parabéns o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas.  


sábado, 26 de julho de 2014

APLICAÇÃO DE MULTA SOBRE CONTAS JULGADAS REGULARES COM RESSALVAS NO TCE-AM

A Lei Complementar 114 de 23 de janeiro de 2013, que alterou a Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (Lei 2423/96), trouxe algumas importantes inovações. Uma delas consiste na possibilidade de aplicação de multa em contas julgadas regulares com ressalvas, ao acrescentar o parágrafo único ao artigo 53 da referida Lei Orgânica a seguinte disposição:

"Art. 53 (...)

Parágrafo único. Mesmo quando julgar as contas regulares com ressalva, poderá o Tribuna aplicar multa de até 30% (trinta por cento) do valor previsto no art. 54, em razão das impropriedades ou faltas identificadas, hipótese em que a quitação ao responsável estará condicionada ao seu pagamento"

Ainda que respeite o entendimento de alguns Conselheiros, eu, de minha parte, nunca concordei com essa alteração. Por isso mesmo, nunca a apliquei em meus Votos. Por uma razão simples: contas regulares com ressalvas se ressentem tão-somente de faltas ou impropriedades de caráter formal que não resulta dano ao erário. É o que diz o inciso II do art. 22 da Lei Orgânica. 

Ora, se as falhas foram apenas de caráter formal, então por que apenar o gestor? Qual a base jurídica para isso? Que princípio do ordenamento jurídico sustenta esse posicionamento? Isso não resultaria num excesso? Não tenho dúvidas quanto a isso. 

Entendo que se há possibilidade de aplicar multa por uma má gestão dos recursos, então as contas deveriam ser avaliadas irregulares e não regulares com ressalva. 

Na verdade, a multa aqui referida foi criada para legitimar uma forma de julgamento equivocada que historicamente tem sido aplicada no Tribunal e eu, acompanhado de alguns Conselheiros, começamos a refletir sobre tais decisórios ante à possibilidade de contradição no julgado e, com isso, à exposição do decisório aos embargos de declaração. A problemática envolvia o seguinte.

O Tribunal costumava aplicar multa aos gestores em razão da prática de ato com grave infração à norma legal e, no mesmo julgado, considerar as contas regulares com ressalvas. Ora, claramente esse julgado se contradiz. 

A avaliação das contas anuais de qualquer gestor envolve dois juízos: um juízo de avaliação e um juízo sancionador. No plano da avaliação o Tribunal proclama o mérito das contas: regulares, regulares com ressalvas ou irregulares. Já no juízo sancionador, aplica ou não multa aos responsáveis, além de sanções de outras naturezas (impossibilidade de assunção de cargos em comissão na administração pública, impossibilidade de contratar com o setor público, etc.). Conquanto emanem de juízos distintos, é preciso que eles guardem coerência entre si. 

Pois bem. O que estava ocorrendo é que, conforme dissemos, no plano sancionador o Tribunal reconhecia condutas praticadas com grave infração à norma legal e, em razão disso, multava os gestores. Mas no plano avaliador ele simplesmente liberava o gestor, ou seja, ignorava essa conduta. Julgava suas contas regulares com ressalvas. Ocorre que a própria Lei Orgânica previa que, havendo prática de ato com grave infração à norma legal as contas, necessariamente, seriam julgadas irregulares. E isso não vinha ocorrendo. Ora, pontos contraditórios nos acórdãos ensejavam a interposição de embargos declaratórios. E isso fragilizava os decisórios no sentido de rescindir-lhes o mérito. A consequência disso foi que os julgados passaram a ser objetos de vários embargos declaratórios todos argumentando contradição no acordão recorrido. Convenhamos: estavam corretos em sustentar esse ponto de vista. Não bastasse isso tais gestores, muito embora tivessem agido à revelia da lei, passavam ao largo da lei da ficha suja, ou seja, podiam novamente se candidatar a novos cargos eletivos uma vez que suas contas não apresentavam máculas suficientes para torná-los inelegíveis.

Foi por isso que resolvemos adotar uma outra postura: se há multa aplicada em razão da prática de ato com grave infração à norma legal (contratação sem concurso público, fraude em licitação, desvio de recursos públicos, etc.) então as contas deveriam, no plano avaliador, serem julgadas irregulares e não mais regulares com ressalvas. 

Foi quando eu decidi refletir sobre o fato e alterar meus entendimentos daí por diante. Como já havia um histórico de entendimentos do Tribunal, naturalmente essa minha crítica foi de encontro a ela. O resultado é que o Colegiado começou a perfilhar também esse ponto de vista. A corrente predominante passou a ser minoritária e em seguidos julgados começou a não mais fazer prevalecer o seu entendimento. A incorporação desse dispositivo foi, então, a solução encontrada para manter esse ponto de vista (julgamento das contas regulares com ressalva com aplicação de multa). Em síntese, esse é o resumo dos fatos. 

Outra questão não menos importante, e que também nasceu a partir do dispositivo em referência, foi a proliferação de decisórios retroativos. Esclareço.

A LC 114/2013 entrou em vigor em 23 de janeiro de 2013. Muitos gestores que foram julgados a partir dessa data, e tiveram suas contas consideradas regulares com ressalvas, começaram a ser sancionados com base no novel regramento. O problema é que essas contas são de exercícios ANTERIORES à vigência da mencionada Lei (contas de 2012, 2011, 2010, etc.). Ou seja, a multa assim aplicada claramente afronta um Direito Fundamental, previsto no inciso XXXIX do art. 5º da CF/88: "não há crime sem lei anterior que o defina, NEM PENA SEM PRÉVIA COMINAÇÃO LEGAL". Ora, como sancionar um gestor com multa criada posteriormente à sua gestão? À época da gestão, inexistia a pena. Ela foi criada depois de encerrado o exercício da gestão. A meu ver, uma decisão flagrantemente inconstitucional que a expõe a um controle de constitucionalidade. 

Ainda que respeite quem pense em sentido contrário, entendo que a produção de julgados com essa estrutura fragiliza os decisórios. 

É para a nossa reflexão.  









segunda-feira, 21 de julho de 2014

ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE DANO E DÉBITO

Imagine que você esteja diante da televisão e veja um repórter dar a seguinte notícia: "um incêndio consumiu nesta tarde parte do prédio onde funciona a secretaria municipal do trabalho e emprego. As autoridades ainda estão contabilizando os prejuízos, mas estima-se que as perdas girem em torno de 10 milhões de reais".

Ocorrências como estas nos dão uma ideia da diferença entre dano e débito. Certamente que nas circunstâncias dadas houve dano, traduzido pelo consumo de inúmeros bens que foram perdidos no incêndio (computadores, mesas, cadeiras, aparelhos de telefone, o próprio edifício onde funcionava o órgão municipal, etc.). Mas não houve débito uma vez que ainda não se sabe o valor exato dos prejuízos. Ou seja, o dano corresponde a um  débito que ainda não fora quantificado. No dano temos apenas uma ideia dos prejuízos cujos detalhes desconhecemos. Há somente uma estimativa das perdas, não uma certeza, entendida esta no sentido de fixar-lhe o valor. Por outro lado, a partir do momento em que esquadrinhemos o dano, definindo exatamente a sua extensão, estaremos irremediavelmente diante de um débito. Esse ponto de vista leva à seguinte conclusão:  todo débito corresponde a um dano, mas o inverso não é verdadeiro. Consequentemente, pode haver dano sem débito como outrora referimos. 

No âmbito das auditorias governamentais é comum a legislação se referir a um e a outro instituto. A quantificação do dano, isto é, a identificação do débito é uma das finalidades das tomadas de contas especiais. É o que diz o art. 9° da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas - TCE/AM (Lei 2423/96): Diante da omissão do dever de prestar contas, da não comprovação da aplicação dos recursos repassados pelo Estado ou pelos Municípios, na forma prevista no artigo 5º, inciso IV desta Lei, da ocorrência de desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos ou, ainda, da prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico, bem como nos casos de concessão de quaisquer benefícios fiscais ou de renúncia de receitas, de que resulte dano ao erário, a autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá no prazo máximo de 30 (trinta) dias do conhecimento do fato, adotar providências com vistas à instauração da tomada de contas especial para (...) quantificação do dano. Outras vezes, a irregularidade das contas motivada pela presença de dano define a remessa de cópia da documentação correspondente ao Ministério Público Estadual  para ajuizamento das  ações civis e penais cabíveis (§ 3° do art. 22 da Lei 2423/96). 

A própria Lei Orgânica do TCE-AM reconhece claramente a distinção entre dano e débito ao dispor no parágrafo único de seu art. 25 que, "Não havendo débito, mas comprovada a ocorrência de dano ao erário (dentre outras circunstâncias), o Tribunal poderá aplicar ao responsável a multa prevista no art. 54, I, da referida Lei" (adaptado).