sábado, 8 de outubro de 2011

PARÂMETROS PARA INSCRIÇÃO DE RESTOS A PAGAR NÃO PROCESSADOS

Muitos entes da federação, em especial, alguns Estados e a maior parte dos Municípios,  não possuem nenhuma legislação disciplinando o procedimento de inscrição dos restos a pagar não processados. Isso se constitui num sério problema pois, na ausência de uma legislação específica, qualquer despesa poderá ser inscrita.
A União, ao contrário, desde 1986, possui legislação própria sobre o assunto. Trata-se do Decreto n. 93.872/86[1]. De acordo com esse normativo[2], há 05 (cinco) hipóteses em que está autorizada a inscrição das despesas orçamentárias em restos a pagar não processados. Fora delas, o empenho correspondente deverá ser anulado. Vejamos:
a) vigente o prazo para cumprimento da obrigação assumida pelo credor, nele estabelecida;
b) vencido o prazo de que trata o item anterior, mas esteja em cursos a liquidação da despesa, ou seja de interesse da Administração exigir o cumprimento da obrigação assumida pelo credor;
c) se destinar a atender transferências a instituições públicas ou privadas;
d) corresponder a compromissos assumido no exterior.
Comentemos cada uma dessas hipóteses.
A primeira delas contempla as situações em que, ao término do exercício (31.12), os fornecedores ainda dispõe de prazo para cumprirem a obrigação assumida.  Vejamos a seguinte situação.
1 - Empenho emitido em 10/12.
2 – Prazo para cumprimento da obrigação: 30 dias.
3 – Término do prazo para cumprimento da obrigação: 09/01 (do ano subsequente).
Nesse caso, o empenho não poderá ser anulado pois vigente o prazo para cumprimento da obrigação assumida pelo credor fixado na respectiva nota de empenho.
Na letra “b” há duas situações. A primeira (vencido o prazo de que trata o item anterior, mas esteja em cursos a liquidação da despesa) se configura imediatamente após a entrega do bem ou prestação do serviço por parte do fornecedor ao órgão/entidade governamental. Sabemos que o poder público somente poderá expedir uma ordem de pagamento após sua regular liquidação. É a regra do art. 62 da Lei n. 4.320/64. E sabemos também que todo o processo de liquidar uma despesa exige um tempo razoável. Muitas vezes, entretanto, chegado o término do exercício financeiro, o processo de liquidação de uma despesa ainda não foi finalizado. Ela ainda estará em curso. Em tais situações o empenho não poderá ser anulado. Exemplifiquemos:      
1 - Empenho emitido em 20/11.
2 – Prazo para cumprimento da obrigação: 30 dias.
3 – Término do prazo para cumprimento da obrigação: 19/12 (do ano de emissão do empenho).
4 – Entrega do bem ou da prestação do serviço: 19/12 (do ano de emissão do empenho).
5 – Tempo estimado para a liquidação da despesa: 15 dias (se em 31/12 o processo não estiver finalizado, configurar-se-á a hipótese contida na primeira parte da letra “b”, acima).
A outra situação prevista na letra “b” (seja de interesse da Administração exigir o cumprimento da obrigação assumida pelo credor) na verdade é um “cheque em branco” entregue ao poder público. É que através dele poderão ser praticados as mais diversas atrocidades contra os cofres públicos.  E sabemos que em inúmeros casos esse dispositivo poderá servir para acobertar desmandos e conceder privilégios.
Talvez a ideia do legislador fosse oferecer alguma margem de manobra aos administradores públicos para solucionarem problemas com a entrega de produtos e serviços essenciais, cuja falta poderia acarretar prejuízos inimagináveis (medicamentos, p. exemplo). Se esse fosse, de fato, o propósito do dispositivo, a regra deveria ser melhor dimensionada a fim de frear o poder discricionário dos gestores. Da forma como está posta a norma, seu poder é amplo e irrestrito. Afinal de contas, que tipo de interesse autorizará a Administração a não proceder à anulação de despesas não processadas:  o desejo de evitar prejuízos aos administrados e à própria administração ou fazer concessões graciosas a determinados fornecedores?     
A hipótese referida na letra “c” guarda um valor social em seu conteúdo, mas que também, à exemplo da hipótese precedente, poderá servir de “escudo” para o comentimento de excessos.
As transferências são obrigatórias ou voluntárias. Se obrigatórias, ou decorrem do texto constitucional (Fundo de Participação dos Estados e Municípios, etc.) ou de legislação infraconstitucional (Fundo Nacional de Assistência Social, etc.). Já as transferências voluntárias decorrem, como o próprio nome aduz, de um acordo de vontades entre as entidades públicas. Os convênios são a figura mais comum. Mas também temos os contratos de repasse, os termos de parceria e mais recentemente os consórcios públicos.
A norma não faz qualquer distinção quanto à modalidade de transferência, se obrigatória ou voluntária. Também para ela é irrelevante se seu destinatário será uma instituição pública ou privada. O certo é que em qualquer caso o empenho não poderá ser anulado. Ao que parece ela não excepciona sequer os ajustes voluntários cancelados imediatamente após sua assinatura.
Pelo dispositivo em referência, se o Estado do Amazonas firmar um convênio com a Prefeitura de Manaus em 15/12 de um ano qualquer, o empenho correspondente não será  anulado ao término desse exercício devendo ser inscrito em restos a pagar não processados.
A última das hipóteses refere-se a compromissos assumidos no exterior. Exemplifiquemos.
O Presidente da República viaja para o exterior e vem a se hospedar num hotel estrangeiro. Os custos da hospedagem deverá ser paga pelo governo brasileiro. Nessas condições, como anular o empenho correspondente se está em jogo o próprio nome do País perante a comunidade internacional? Não ficaria bem um “calote” em tais condições.  No contexto estadual e municipal também essa mesma regra deve prevalecer já que uma eventual inadimplência desses entes corresponderá, em última análise, à inadimplência da própria República Federativa do Brasil.
Conforme dissemos, conquanto em vigor desde 1986 o Decreto n. 93.872 não se aplica aos estados e municípios, mas apenas à União. Urge, portanto, que os entes cuja legislação orçamentária ainda não discipline os procedimentos de inscrição de suas despesas em restos a pagar não processados, promovam os necessários ajustes. A sociedade certamente agradecerá. Com a palavra, os órgãos de controle.




[1] Dispõe sobre a unificação dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, atualiza e consolida a legislação pertinente e dá outras providências.
[2] Art. 35.

5 comentários:

  1. Professor o Decreto 7.654, de 23/12/2011 trouxe modificações para o RPNP.
    Houve alterações como impossibilidade de inscrição automática em RPNP e sua validade que agora é até 30 de junho do ano subseqüente. Ao da sua inscrição.

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    1. Os Decretos editados pelo governo federal disciplinando restos a pagar (como o Decreto 7.654/2011) têm natureza operacional, não jurídica propriamente. Conforme referido por você, o referido normativo impossibilita a inscrição automática dos RPNP. Ora, ele está, na verdade, reforçando o disposto no art. 35 do Decreto 93.872/86 que, conforme vimos, aponta critérios para serem inscritas as despesas em restos a pagar. Quanto à validade, é importante dizer que, mesmo após perderem essa característica (isto é, deixarem de ser válidos) isso não implica, necessariamente, perda de direito do fornecedor em receber o que eventualmente lhe for devido, desde que, obviamente, esse fornecedor prove o enriquecimento sem causa da administração. Abraço!!

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  2. 30 de junho do segundo ano subsequente ao da sua inscrição. Decreto 93872/86. Ou seja, um exercício e meio de validade.

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  3. Prof Alípio, sobre os restos a pagar processados e não processados que forem anulados, como funciona?

    Processados entram como receitas extra-orçamentária.
    Não processados restabelecem o saldo que foi comprometido.

    Me ajude a entender melhor isto?

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    1. Segundo o MCASP 5a Edição, o cancelamento dos restos a pagar não processados não deve ser registrado como receita. O cancelamento apenas "quebra" o vínculo de uma disponibilidade financeira com um certo fornecedor. Por isso, o cancelamento deve ser feito em contrapartida com uma conta do grupo Patrimônio Líquido (na nova Contabilidade Pública), segundo a Instrução de Procedimentos Contábeis (Encerramento do Exercício) da STN. Abraço!!

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