quarta-feira, 3 de agosto de 2011

UMA BALA NO MEIO DAS PEDRAS PRECIOSAS

Sempre tive "sorte" para encontrar bons livros. Às vezes, numa visita despretensiosa a uma livraria, encontro livros interessantes, autores interessantes que acabam acrescentando algo à minha vida. Foi assim que aconteceu com o livro "OS MILAGRES DE FÁTIMA", escrito pelos jornalistas Roberto e Renzo Allegri (Editora Paulinas, 2010, 328 páginas). Nele, os autores apresentam informações preciosas colhidas junto ao sobrinho da Irmã Lúcia de Fátima, Padre José dos Santos Valinho, a respeito da época das aparições. Mas eles vão mais longe. Relatam detalhes do que ocorreu com os videntes (Jacinta, Francisco e Lúcia) após as aparições, tais como em que circunstâncias Jacinta e Francisco deixaram este mundo e foram para o Pai. Para mim, uma obra fabulosa e que nos convida a reflexão sobre a vida, sobre a morte, sobre como estamos nos conduzindo neste mundo... Por isso, recomendo-a. Dentre os inúmeros fatos encontratos na Obra estou compartilhando aqui no Blog o Capítulo XXI intitulado Uma Bala no Meio das Pedras Preciosas. Ele retrata, em detalhes, a (terrível) experiência de João Paulo II por ocasião do atentado sofrido na Praça de São  Pedro em 1981. Mas não apenas isso. Ressalta algumas "coincidências" que aos poucos foram sendo reveladas ao mundo. Por isso o escolhi para compartilhar com todos vocês. Boa leitura a todos!!!


"Antes de deixarmos Portugal, passamos pelo escritório do reitor do Santuário, para pegar algumas fotografias que nos tinham sido prometidas. São da coroa da Imagem de Nossa Senhora.

É uma coroa especial, muito valiosa, toda em ouro; pesa 1.200 gramas e foi enriquecida com 313 pérolas e 2.676 pedras preciosas. Foi oferecida a Nossa Senhora de Fátima pelas mulheres de Portugal e só é colocada na cabeça da imagem nos dias de festa mais importantes ligados às aparições. No resto do ano é guardada num cofre.

Ora, a esta coroa foi acrescentada, em 1982, uma última preciosidade. Não é de material valioso, mas, devido aos significados misteriosos e enigmáticos que encerra, é sem dúvida nenhuma a mais preciosa das jóias da coleção. Trata-se da bala com que João Paulo II deveria ter sido morto. Aquela bala calibre 9 que, tendo sido disparada pelo turco Ali Agca, a 13 de maio de 1981, na Praça de São Pedro, dilacerou a carne do pontífice, entrou no seu corpo, devastando-o, para depois sair, acabando por cair no fundo do jipe em que o Papa se encontrava.

O projétil está lá, no centro da coroa. A sua cor, escura e opaca, contrasta, de forma quase ameaçadora, com o fulgor cin­tilante das pérolas e das pedras preciosas. Quando a coroa é co­locada na imagem, a bala fica a poucos centímetros da cabeça de Nossa Senhora. Contudo, trata-se de um instrumento de morte que se tornou inofensivo, domado e derrotado, como a serpente que a Virgem esmaga com o pé desde a noite dos tempos.

Ao olhar para aquela bala, e ao recordar a sua história, é impossível não detectar coincidências desconcertantes. A 13 de maio de 1917, em Fátima, tinham início as aparições de Nossa Senhora; a 13 de maio de 1981, sexagésimo-quarto aniversá­rio do acontecimento, em Roma, tinha lugar o atentado a João Paulo II.

Tinha disparado para matar

Era uma quarta-feira. Durante a tarde, João Paulo II des­ceu à Praça de São Pedro para a audiência geral, como fazia todas as quartas-feiras. Seguia num jipe branco, descoberto; en­quanto atravessava a praça, ia-se detendo aqui e ali, para apertar mãos que se lhe estendiam e para abençoar crianças. Às 17h17 parou para pegar uma menina ao colo; beijou-a e depois devol­veu-a ao pai. Logo a seguir ouviram-se dois tiros. O pontífice caiu, emitindo um gemido de dor. A sua veste branca tingiu-se de vermelho, à altura do abdome.

O sangue corria, abundante. O motorista do jipe partiu como um raio em direcção à ambulância mais próxima, estacio­nada perto da Porta de Bronze. Esta, porém, não estava preparada como unidade de reanimação, e o Papa foi transferido para uma segunda ambulância. Em 15 minutos chegou à Policlínica Gemelli.

O autor do atentado, Ali Agca, um jovem turco de 23 anos, tinha disparado de uma distância de seis metros, com a intenção de matar. Dois tiros. Uma bala ferira o Pontífice no cotovelo di­reito, a outra atingira-o no indicador da mão esquerda e depois penetrara no abdome.

João Paulo II chegou moribundo à sala de operações. A tensão arterial baixara muitíssimo e o pulso estava quase imper­ceptível. O secretário pessoal do Papa, Dom Estanislau Dziwisz, administrou-lhe os últimos sacramentos, mas o Santo Padre não estava consciente. Quando o professor Francesco Crucitti, prin­cipal cirurgião da Policlínica Gemelli, fez a incisão com o bisturi, saiu um abundante jorro de sangue. O Papa tinha perdido 60% de sangue devido a hemorragias internas.

A intervenção durou cinco horas e vinte minutos. Foram removidos 50 centímetros de intestino do Papa. Contudo, à medida que os médicos prosseguiam na sua avaliação dos danos causados pelo projétil, iam-se apercebendo que ocorrera um pro­dígio absolutamente inexplicável. A bala seguira uma trajetória completamente anormal. Parecia ter sido guiada de modo a evitar os órgãos vitais. Passara a poucos milímetros da aorta, e quase tangente à coluna vertebral. Se tivesse atingido a aorta, o Papa teria morrido; se tivesse tocado na coluna vertebral, teria fica­do paralítico. Isso, porém, não acontecera. A bala não provocara qualquer dano irreparável.

"Uma mão disparou, outra mão guiou o projétil", viria o Papa a comentar, mais tarde.

Uma coincidência impressionante

João Paulo II mostrou-se certo, desde o início, de ter sido salvo pela intervenção extraordinária de Nossa Senhora de Fátima. A coincidência do dia do atentado com o aniver­sário da aparição em Fátima deixara-o fortemente impressio­nado. Já durante a sua estada no hospital pedira aos seus cola­boradores que lhe levassem livros e documentos sobre Fátima. Queria informar-se melhor e analisar profundamente a his­tória das aparições. Voltou a ler o texto do segredo que Nos­sa Senhora confiara à Lúcia, em 1917, e que ainda não fora tornado público. É provável que, nessas páginas, João Paulo II tenha encontrado alguma explicação para o atentado. É o que se deduz pelo fato de que, desde então, o seu interesse e a sua ligação a Fátima aumentaram significativamente, ao passo que nunca manifestou o desejo de saber quem tinha ordenado o atentado.

Entretanto, o autor do atentado fora detido. Os magistra­dos italianos e os serviços secretos de meio mundo tentavam des­cobrir quem teria estado por detrás de Ali Agca. Estavam certos de que o jovem turco não tinha agido sozinho. Mas quem lhe te­ria posto a arma na mão? Os turcos? Os búlgaros? Os soviéticos? Os americanos? Também no Vaticano se realizavam reuniões con­secutivas do mais alto nível, para tentar entender. O Papa, porém, nunca tentou saber nada. Ao cardeal polonês Andrzej Deskur, seu amigo, que lhe perguntou porque mostrava tal desinteresse por esse assunto, respondeu sem hesitações: "Foi o Maligno que realizou esse ato. E o Maligno pode conspirar por milhares de maneiras; não estou interessado em nenhuma delas".

Quatro dias após o atentado era domingo. O Papa quis falar, pelo microfone, e durante poucos segundos, com as pessoas que se mantinham vigilantes diante do hospital. Referindo-se a Ali Agca, disse: "Rezo pelo irmão que me atingiu, ao qual já per­doei do fundo do coração". Mais tarde também não se interessou pelo prosseguimento das investigações, nem quis seguir as várias fases do processo.

Viagem a Fátima

João Paulo II permaneceu no hospital durante vinte dias. Regressou então ao Vaticano, para o período de convalescença; pouco depois, porém, a 20 de junho, seria de novo internado, tendo ficado no hospital mais 55 dias.

No entanto, começou imediatamente a organizar uma via­gem a Fátima, para 13 de maio do ano seguinte, a fim de agrade­cer a Nossa Senhora a graça recebida. E foi aí, no decorrer dessa mesma viagem, que ele, com as suas atitudes, palavras e discursos oficiais (tanto pelo seu conteúdo, como pela paixão, força e amar­gura com que os pronunciou), deu a entender que tinha convic­ções precisas a respeito do atentado sofrido, dos acontecimentos de Fátima e também em relação ao famoso segredo.

Já antes do atentado João Paulo II tinha grande devoção a Nossa Senhora de Fátima. Como ele próprio mencionou, há algum tempo que pensava numa peregrinação àquele lugar.

A devoção a Nossa Senhora caracterizou toda a vida do pontífice. Em pequeno, com 10 anos de idade, tinha recebido o escapulário de Nossa Senhora do Carmo e, como Papa, recor­dando esse fato distante, dissera: "Ainda hoje o uso". Durante o curso de segundo grau, entrara para uma pequena organização paroquial chamada "Rosário vivo". A sua divisa mariana era Totus tuus, isto é, "Todo teu", "todo de Maria", e quis incluí-la também no próprio brasão pontifício.

Ao longo da sua existência, Karol Wojtyla teve muitas oportunidades de constatar a proteção constante e concreta da Virgem. Mas aquele fato específico, o atentado, naquele dia par­ticular, 13 de maio, deve ter sido para ele como que uma "pro­va", um "documento", que confirmou hipóteses e perspectivas até aquele momento não completamente convincentes. Poder-se-ia quase pôr a hipótese de que aquele atentado tivesse dado a en­tender a João Paulo II que o conteúdo daquele famoso segredo nunca revelado, mas que ele conhecia bem, devia ser levado mui­to a sério.

Como já dissemos, o segredo continua a ser desconhecido. Ao longo dos anos, porém, têm circulado vários boatos, várias ila­ções. Há quem diga que o segredo fala de catástrofes, de terríveis incidentes nucleares, de acontecimentos apocalípticos aterrado­res, e que, por isso, os Papas não teriam querido revelá-lo. Tais deduções, porém, sempre foram oficialmente desmentidas pelo Vaticano, mas também houve algumas confirmações autorizadas, revelando que, pelo menos na sua essência, poderiam ter algum fundamento.

Se examinarmos atentamente a peregrinação de João Paulo II a Fátima, a 13 de maio de 1982, ficamos com a nítida impres­são de que o Papa se dirigiu àquele Santuário convicto de que o mundo corria perigo e com o propósito de salvá-lo a todo custo. O Papa chegou a Fátima no dia 12 de maio, à noite. Falando à multidão reunida para a vigília noturna, afirmou: "Desejo fazer- -lhes uma confidência. Já há já muito tempo eu tinha a intenção de vir a Fátima. Desde que ocorreu o conhecido atentado na Pra­ça de São Pedro, há um ano, mal recuperei a consciência, o meu pensamento voltou-se imediatamente para este Santuário, para dirigir ao coração da Mãe do Céu o meu agradecimento por me ter livrado do perigo. Vi em tudo aquilo que estava acontecendo uma proteção especial de Nossa Senhora. E nessa coincidência - nos desígnios da Divina Providência não existem simples coin­cidências - vi também um apelo e, quem sabe, uma chamada de atenção para a mensagem que partiu daqui através dos três pastorzinhos. Hoje estou aqui para escutar de novo, em nome de toda a Igreja, a mensagem que ressoou há sessenta e cinco anos; estou aqui para escutá-la dos lábios da nossa Mãe comum, preo­cupada com a sorte dos seus filhos".

Quando fala em público, o Papa pesa sempre cada palavra. Naquele discurso recordava a própria vivência pessoal, o atenta­do, mas ligando-o imediatamente ao significado geral das apa rições de Fátima, à mensagem transmitida por Nossa Senhora à humanidade, através dos três pastorzinhos.

Com essas suas primeiras palavras ele exprimia já um "reco­nhecimento preciso" das aparições. Reconhecimento pessoal, mas que, provindo do pontífice, chefe da Igreja, tem um valor imenso. Em 1930, o bispo de Leiria, depois de ter examinado detidamente os acontecimentos de Fátima, afirmara que considerava "dignas de fé" as aparições, e permitira o culto a Nossa Senhora naquele lugar. Paulo VI, quando da sua viagem a Fátima, em 1967, tinha falado de "culto de Nossa Senhora nascido em Fátima". Karol Wojtyla, pela primeira vez, realçava sobretudo a certeza de que naquelas aparições estivera presente Nossa Senhora, e a certeza de que fora ela, em pes­soa, a transmitir a mensagem às três crianças.

Nessa noite o Papa manteve-se rezando, em silêncio, diante da imagem de Nossa Senhora, no lugar das aparições, durante quarenta minutos. Em seguida participou da procissão noturna, com velas acesas. Uma enorme multidão acompanhava-o. Um milhão de pessoas, vindas de toda parte, algumas descalças, com os pés ensangüentados, completamente exaustas, encharcadas pela chuva, cantando antigas orações. "Vim como a maior parte de vocês", disse o Papa, "com o terço na mão, o nome de Maria nos lábios e o cântico da misericórdia de Deus no coração: tam­bém por mim ele tem feito grandes coisas."

O encontro com Irmã Lúcia

Na manhã do dia 13, antes do início das cerimônias no Santuário, o Papa quis ter um encontro com a Irmã Lúcia. Em 1967, por ocasião da visita de Paulo VI a Fátima, a vidente pedira para ser recebida pelo Papa, mas Montini aconselhara-a a dirigir- -se ao próprio bispo. João Paulo II recebeu-a, falou com ela a sós, sem testemunhas, durante vinte minutos. Depois manifestou o desejo de que ela permanecesse perto dele e pediu que lhe tiras­sem várias fotografias a seu lado. Trata-se de mais um gesto de reconhecimento, mostrando que queria dar grande importância a Lúcia e a quanto ela dissera e escrevera ao longo dos anos; era quase como se o Papa agora, após o atentado, estivesse finalmente em condições de conhecer o seu valor autêntico.

Depois, durante a missa, seguida pela imensa multidão reu­nida na grande esplanada, o Papa abriu seu coração, libertando todos aqueles pensamentos e preocupações que lhe ocupavam o espírito. Eram pensamentos e preocupações gravíssimos.

Falou com ressonâncias apocalípticas, como nunca fizera. Mencionou imensos perigos iminentes. Dirigiu-se a Nossa Se­nhora, rezando-lhe e suplicando-lhe com uma insistência quase desesperada. Exprimiu a sua dor diante do crescente desregra- mento moral, causa primeira do afastamento do ser humano de Deus: "Como não havemos de nos sentir atemorizados ante o alastramento do secularismo e do permissivismo, que tão gra­vemente vão minando os valores fundamentais da norma moral cristã?".

Em seguida, porém, querendo integrar-se completamente na multidão, desejando apresentar-se a Deus e a Nossa Senhora, numa hora tão grave, apenas como homem, como um dos muitos homens daquela humanidade confusa e dispersa, deixou o seu modo normal de falar, ou seja, renunciou a fazer análises da so­ ciedade e da situação do mundo como observador e como pastor, e continuou o seu discurso em forma de oração.

"Acolhe, ó Mãe de Cristo, este grito cheio do sofrimento de todos os homens. O sucessor de Pedro apresenta-se aqui também como testemunha dos imensos sofrimentos do homem, como testemunha das ameaças quase apocalípticas que pesam sobre as nações e sobre a humanidade."

Falou de "ameaças apocalípticas". Usou precisamente o ter­mo que se encontra nas cartas de Lúcia e nas "ilações" sobre o conteúdo do famoso "segredo". Nossa Senhora - repetia Lúcia há alguns anos - pedira que a Igreja fizesse um ato de consagração da Rússia ao seu Imaculado Coração. Pelas razões já recordadas, essa consagração nunca foi feita. A Igreja universal não estava convicta de que esse pedido pudesse ser atendido e, na sua infinita prudên­cia, não o levara em consideração.

João Paulo II, porém, naquela sua peregrinação de 1982, conhecia, como é óbvio, coisas que outros não sabiam, e que, antes, nem sequer ele conhecia. Por isso, até o pedido da con­sagração da Rússia tomou em consideração. E, ainda que não pudesse agir em nome de todos os bispos, aos quais ainda não tivera tempo de consultar, quis fazê-la, embora de forma indire­ta, inserindo-a numa consagração global do mundo, sem nunca nomear a Rússia, mas usando uma fórmula que dava bem a en­tender a quem estava referindo-se.

Num tom carregado de grande amargura, rezou a Nossa Senhora pelo "mundo do segundo milênio que estava prestes a terminar, o mundo contemporâneo, o nosso mundo de hoje".
Depois pronunciou a fórmula explícita de consagração: "Abraça, com amor de Mãe e de Serva do Senhor este nosso mundo huma­no, que te confiamos e consagramos, cheios de inquietação pela sorte terrena e eterna dos homens e dos povos. De modo espe­cial te confiamos e consagramos aqueles homens e aquelas nações que desta entrega e desta consagração têm particular necessidade. Ajuda-nos a vencer a ameaça do mal, que com tanta facilidade se radica nos corações dos mesmos homens de hoje, e cujos efeitos incomensuráveis já pesam sobre o nosso mundo contemporâneo e parecem fechar os caminhos do futuro".

"O mal parece fechar os caminhos do futuro!" Expressão terrível, que espelha uma realidade verdadeiramente apocalíptica. João Paulo II, homem otimista e aguerrido por natureza, nunca teria pronunciado essas palavras se não tivesse tido uma visão cla­ra do imenso perigo.

"Da fome e da guerra, livra-nos!" - gritou ainda o Papa, prosseguindo com a sua intensa súplica à Virgem. "Da guerra nu­clear, de uma autodestruição incalculável, de todo tipo de guerra, livra-nos! Dos pecados contra a vida do homem, desde os primei­ros momentos, livra-nos! De todo tipo de injustiça na vida social, nacional e internacional, livra-nos! Da tentativa de enterrar no co­ração dos homens a própria verdade de Deus, livra-nos! Acolhe, ó Mãe de Cristo, este grito carregado do sofrimento de todos os homens, carregado do sofrimento de sociedades inteiras."

"Como se apresenta hoje, diante da Mãe do Filho de Deus, no seu Santuário de Fátima, João Paulo II, sucessor de Pedro, continuador da obra de Pio, de João e de Paulo, e herdeiro parli cular do Concilio Vaticano II? Apresenta-se lendo de novo, com grande emoção, aquele apelo materno à penitência e à conversão: aquele apelo ardente do coração de Maria, que ressoou em Fá­tima há sessenta e cinco anos. Sim, volta a fazê-lo com o cora­ção transbordante de emoção, ao ver quantos homens e quantas sociedades, quantos cristãos se desviaram, seguindo na direção oposta à indicada pela mensagem de Fátima. O pecado conquis­tou um direito de cidadania fortíssimo no mundo, e a negação de Deus espalhou-se por toda parte, através das ideologias, conceitos e programas humanos."

Escolhido para uma missão

Estávamos em 1982. Ainda estava longe a queda do muro de Berlim, a queda do comunismo. Podemos saber, de forma concreta e indiscutível, que essa ideologia, como fora previsto por Nossa Senhora em 1917, semeara os seus erros no mundo e tinha levado nações inteiras à destruição: a ela foram sacrificadas mais de 150 milhões de pessoas. Ainda estávamos longe de saber que, após a ideologia do marxismo ateu, outras ideologias sem Deus ocupariam o seu lugar para continuar a destruição. Era necessário ajudar os homens a entender, a procurar a verdade e a travar a sua corrida para a ruína.

* * *

João Paulo II não é pessoa que se satisfaça com palavras. É lícito supor que ele, naquele dia, naquela peregrinação, tenha oferecido a si mesmo pela salvação da humanidade. Francisco e Jacinta eram crianças, mas sofreram como mártires. Nossa Se­ nhora tinha-lhes pedido orações e sacrifícios pela conversão dos pecadores, e eles tinham-se oferecido. Tinham-se unido ao sofri­mento de Cristo. João Paulo II fez como eles.

Se analisarmos toda a sua vida, teremos a intuição de que ele fora escolhido, desde o início, para uma missão extraordiná­ria. O seu próprio nascimento ocorreu em circunstâncias espe­ciais. A mãe, Emilia Kaczorowska, tinha uma saúde muito frágil. Em 1906, aos 23 anos, fora mãe de um menino, Edmundo. A gravidez, porém, fora difícil, e os médicos tinham-na proibido de ter mais filhos. No outono de 1919, quando já contava 35 anos, apercebeu-se que estava grávida. Os médicos aconselharam-na a abortar. Não lhes deu ouvidos. Nasceu Karol, um rapazinho sau­dável e robusto, mas a mãe sofreu as graves conseqüências pre­vistas pelos médicos. Viveu ainda nove anos, no meio de grandes sofrimentos e dificuldades.

Aos 10 anos, Karol fora à casa de um amigo da sua idade, para brincar com ele. Este quis mostrar-lhe a espingarda do pai. Pegou na arma e, julgando que estava descarregada, apontou-a a Karol, premindo o gatilho. Uma detonação rasgou o ar. Acor­reram os pais do rapaz. Karol, pálido e amedrontado, tinha-se encostado à parede da sala. Atrás dele, o reboco da parede fora desfeito pelos chumbos da espingarda, mas nem um sequer toca­ra no rosto da criança.

Em 1944, Karol Wojtyla tinha 24 anos. A Polônia fora in­vadida pelos nazistas. Ele trabalhava como operário numa fábri­ca. Na tarde do dia 29 de fevereiro, quando regressava para casa após dois turnos de trabalho consecutivo, foi atropelado por um caminhão militar que o atirou numa vala. O caminhão não pa­rou. O acidente foi visto por uma senhora, que acorreu ao local. O jovem, que tinha uma grande ferida na cabeça, não dava sinais de vida, mas a senhora quis, mesmo assim, informar um oficial nazista, que teve compaixão e mandou levar o ferido para o hos­pital. Wojtyla ficou dois dias em coma e foi salvo por milagre. Daquela senhora nunca mais ninguém teve notícias.

Passados seis meses, em Cracóvia, na seqüência de uma su- blevação popular, as tropas nazistas fizeram uma busca por toda a cidade. Foram detidos oito mil jovens e depois enviados para os campos de concentração. Wojtyla estava no seu apartamento. Ouvia os gritos dos presos, bem como os gritos e os tiros dos na­zistas. Os soldados rebuscaram todos os apartamentos do prédio em que ele vivia. Ouviu-os deterem-se no apartamento do lado, no do andar de baixo, no do andar de cima, mas não entraram no seu: mais uma vez fora salvo por milagre.

Em 1946, antes de ser ordenado padre, pediu para entrar para os Carmelitas. Se tivesse seguido essa via, é muito provável que nunca tivesse chegado a ser Papa. O arcebispo de Cracó­via, porém, opôs-se. Quis que Wojtyla se fizesse padre diocesano. Dois anos após a ordenação, Karol fez novo pedido para entrar para os Carmelitas e recebeu nova recusa. Ao superior da ordem religiosa, que apoiava o pedido, o arcebispo respondeu: "Karol Wojtyla é muito necessário para a diocese de Cracóvia e, no futu­ro, será necessário a toda a Igreja".

O Papa Wojtyla amadureceu a sua vocação no sofrimento e na solidão. Aos 9 anos de idade perdeu a mãe. Aos 12, o irmão mais velho. Aos 21, o pai. Ficou só no mundo. Abandonou-se completamente a Nossa Senhora. Foi então que escolheu como divisa: Totus tuus, a consagração total a Maria.

Na Polônia, foi o homem que enfrentou com coragem te­merária o comunismo. .Afastou milhares de jovens da influên­cia do regime ateu. Sustentou a Igreja em silêncio. Tornando-se Papa, intensificou a luta, transformando-se em um dos maiores artífices da queda do marxismo no mundo.

O Papa do "segredo"

"E, por fim, a Rússia converter-se-á", dissera Nossa Senho­ra em Fátima, em 1917. Não é fantasia pensar que João Paulo II, naquele dia 13 de maio de 1982, em Fátima, teria oferecido a si mesmo para que tudo isto pudesse acontecer. Talvez um dia venhamos a saber que o homem da virada, o profeta que arras­tou grande parte da humanidade para novas formas de pensar e refletir, que mudaram o seu destino, foi ele. Retomando as suas próprias palavras, "nos desígnios da Providência não há simples coincidências".

Na terceira parte das suas memórias, Lúcia conta o seguin­te: "Um dia fomos passar as horas da sesta junto ao poço dos meus pais. Jacinta sentou-se sobre a laje do poço. Francisco foi comigo buscar mel silvestre, entre os espinhos de um arbusto que havia junto de uma escarpa próxima. Passado algum tempo, Ja­cinta me chama. 'Você viu o Santo Padre?' 'Não.' 'Não sei como foi, mas eu vi o Santo Padre numa casa muito grande, de joelhos, diante de uma mesa, com o rosto nas mãos, chorando. Fora dessa casa havia muita gente: alguns atiravam pedras, outros prague­javam e diziam muitos palavrões. Pobre Santo Padre! Temos de rezar muito por ele...'."

"Noutra ocasião, fomos à gruta do Cabeço. Tendo chegado lá, prostramo-nos por terra para rezar as orações do Anjo. Pouco depois, Jacinta levanta-se e me chama: 'Você não vê tantos cami­nhos, tantos atalhos e tantos campos cheios de gente que chora de fome e não tem nada para comer? E o Santo Padre numa igreja, diante do Imaculado Coração de Maria, em oração? E tanta gente rezando com ele?'. Alguns dias mais tarde, perguntou-me: 'Posso dizer que vi o Santo Padre e toda aquela gente?' 'Não! Você não vê que faz parte do segredo? Que assim o descobririam logo?' 'Está bem, então não digo nada ."

Estes dois episódios, como, aliás, também outras passagens das palavras ditas por Nossa Senhora às três crianças, em Fátima, revelam que há "um" Papa ligado ao "segredo". Pensava-se que a visão de Jacinta se referia a Pio XII ou a Paulo VI. Contudo, ao analisar a vida de João Paulo II, o atentado sofrido na Praça de São Pedro, o seu comportamento particular dos anos seguintes, somos levados a concluir que o Papa daquelas visões era João Paulo II.

Em dezembro de 1983, dois anos e meio após o atentado, João Paulo II quis ir à prisão para se encontrar com o homem que tentara matá-lo. Ali Agca perguntou, assombrado, ao Papa: "Por que é que o senhor não morreu? Eu sei que apontei na direção certa. Sei que o projétil era devastador e mortal. Então, por que não morreu? O que é isso que dizem de Fátima?".

O Papa respondeu-lhe. Mas o que ele disse, ninguém sabe. Ali Agca, porém, falando logo a seguir aos jornalistas, afirmou: "O Papa sabe tudo". E mais tarde, durante o processo, pediu que o Vaticano tornasse público o segredo de Fátima, dando a entender que no segredo houvesse elementos que explicavam o atentado.

Regresso a Fátima

A 13 de maio de 1991, João Paulo II regressou a Fátima.

O mundo tinha mudado. Tinha havido muitos aconteci­mentos importantes, entre os quais a queda do muro de Berlim, a queda dos regimes comunistas nos países do leste europeu, a visi­ta do líder soviético Mikhail Gorbachev ao Vaticano. Em 1984 o Papa também fizera, de modo oficial, e em nome de toda a Igreja, a consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria.

Nos discursos do Papa Wojtyla, nessa segunda viagem, já não se detectam tons apocalípticos. As suas palavras denunciam situações graves e desregramentos morais, incitando a mudanças necessárias, mas são marcadas pela serenidade e por uma grande esperança.

"Diante das perturbações que agitam aqui e ali os diversos continentes, diante do ritmo premente da subversão das coisas e dos valores, que vão minando as certezas e a própria vida das nações, faço minha a esperança de Santo Agostinho, diante do as­salto dos vândalos contra a cidade de Hipona, quando um grupo alarmado de cristãos da sua Igreja o foi procurar: 'Não tenham medo, queridos filhos' - tranquilizou-os o santo bispo -, 'nfio é um mundo velho que está chegando ao fim, mas um mundo novo que está começando'. Uma nova aurora parece estar surgin­do no céu da história, convidando os cristãos a serem luz e sal de um mundo que tem enorme necessidade de Cristo, redentor do homem."

O perigo apocalíptico para a humanidade já teria passado? Não sabemos. Uma coisa é certa: sob o impulso espiritual de João Paulo II e de milhões de pessoas intimamente ligadas a ele, que com ele tinham rezado e sofrido, o mundo começara, sem dúvida nenhuma, a mudar.

"De Fátima" - disse o Papa, ao encerrar aquela sua via­gem - "parece espalhar-se uma luz consoladora, transbordante de esperança, sobre os fatos que caracterizam o fim deste segun­do milênio. Os acontecimentos, que marcaram o ano de 1989 e os primeiros meses de 1990 provocaram uma verdadeira virada histórica deste difícil século XX. Abre-se agora uma perspectiva inédita no caminho das nações."

Fátima continua. A história iniciada na Cova da Iria, em 1917, não chegou ao fim. Com a beatificação de Francisco e de Jacinta, inserida no Grande Jubileu do 2000, João Paulo II pa­rece ter querido chamar a atenção para aqueles acontecimentos distantes, mostrando como eles continuam plenamente atuais. O novo milênio abre-se sob o signo de Fátima, sob o nome daquela Mãe Comum a quem Karol Wojtyla já, por várias vezes, confiou o mundo".



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